As águas fósseis do Sistema Aquífero Guarani (SAG) irão se esgotar, na ausência de uma gestão adequada no Brasil. Para especialistas do Centro de Pesquisa em Águas Subterrâneas (Cepas) da USP, prolongar o uso do SAG depende de uma gestão adaptativa baseada em estudos e monitoramento, que fomentem estratégias que integrem outras fontes de água, introduzam a recarga manejada de aquíferos, para dar sustentabilidade ao recurso. Os atores locais, que sofrem diretamente os impactos do esgotamento dos aquíferos, devem ser integrados à governança das águas subterrâneas.
O Sistema Aquífero Guarani está sob o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em uma região com 15 milhões de pessoas, que usam suas águas para o consumo humano, agrícola e industrial. O Estado de São Paulo é responsável por 80% das extrações, com centenas de milhares de habitantes sendo abastecidos por esta fonte, em municípios como Ribeirão Preto, Sertãozinho, São José do Rio Preto, São Carlos, Bauru e Franca. Porém, boa parte das águas do SAG são fósseis, ou seja, foram recarregadas há dezenas de milhares de anos, com lenta reposição. Assim, as extrações têm causado quedas nos níveis de água do aquífero e, se não controladas, poderão exaurir o recurso.
O artigo From global to local scale: How international experiences contribute to the fossil water management of the Guarani Aquifer System, de pesquisadores do Cepas, busca na experiência de outras regiões, como os Estados Unidos, a Espanha, o Norte da África e o Oriente Médio, ideias e contribuições para a gestão das águas fósseis do SAG no Brasil.
Através de uma revisão bibliográfica abrangente e da experiência de trabalho dos autores no SAG, o artigo destaca a necessidade de ampliar o monitoramento e estudar o uso de águas subterrâneas fósseis, particularmente em regiões que enfrentam custos crescentes de captação, pelo rebaixamento dos níveis do aquífero. O estudo enfatiza a necessidade de se avaliar cenários possíveis de extração futura, compreendendo os impactos econômicos e soluções para prolongar o tempo de vida das captações, bem como o papel da recarga artificial de aquíferos – prática quase inexistente no País.
O artigo destaca a necessidade de identificar áreas críticas de elevada extração, da ampliação dos sistemas de monitoramento, do desenvolvimento de modelos numéricos e do reforço das capacidades institucionais. Essas ações ainda são incipientes no Brasil. Assim, como pontua Fernando Rörig, um dos autores, “buscamos chamar a atenção da sociedade e dos gestores do SAG sobre o problema do esgotamento do aquífero, que precisaremos enfrentar no futuro próximo, a partir de ações que precisam começar agora”. Daniela Barbati, também autora do artigo, complementa: “As experiências mapeadas destacam o desafio que é gerir as águas fósseis do SAG, perante a fragmentação das responsabilidades entre órgãos governamentais, exigindo uma abordagem cooperativa envolvendo múltiplos atores sociais.”
Já Ricardo Hirata, outro de seus autores, conclui que “os aquíferos são uma conta de poupança que a natureza nos dá. Saber equilibrar o benefício dessa gigantesca acumulação com as suas extrações exige sabedoria. A gestão, baseada em uma governança justa, fará com que os benefícios do uso do aquífero sejam perenes e tenham o correto alcance social e econômico, com mínimos impactos ambientais negativos possíveis”.
O estudo deixa evidente a necessidade de aprimorar a gestão e a governança das águas fósseis no SAG para garantir a segurança hídrica no Brasil, principalmente no Estado de São Paulo. A pesquisa não só contribui para o avanço das ações de gestão do SAG, mas também oferece recomendações para que os formuladores de políticas e as partes interessadas possam navegar pelos desafios da exploração das águas subterrâneas fósseis. Para os autores, o trabalho ressalta a importância da colaboração internacional e das estratégias de adaptação para proteger o futuro de um dos maiores sistemas aquíferos transfronteiriços do mundo.
O trabalho é parte do Sacre, Soluções Integradas de Água para Cidades Resilientes, Projeto Temático da Fapesp que irá investigar com detalhe o uso do SAG na região de Bauru, que depende em mais de 75% desse manancial.
Um modelo de fluxo transiente está sendo preparado e soluções para prolongar o tempo de vida do SAG serão discutidas. O Sacre está pesquisando sobre soluções de engenharia, baseadas na natureza e de gestão para aumentar a segurança hídrica dos municípios paulistas, e conta com a participação da USP, Unicamp, Unifesp, UFSCar, órgãos de gestão de recursos hídricos e meio ambiente e as Universidades de Hiroshima (Japão) e Waterloo (Canadá). Para conhecer, acesse projetosacre.org.
**Texto de Jornal da USP