SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Influenciadores brasileiros do movimento body positive, que promove a aceitação do próprio corpo, enfrentam uma onda de críticas após anunciarem que emagreceram.
O fenômeno se repete em alguns países. Nos Estados Unidos, Thubten Donme, que compartilhava suas experiências enquanto mulher gorda e postava mensagens motivadoras para seus seguidores, surpreendeu a todos quando anunciou seu emagrecimento. Alguns de seus fãs a acusaram de traição. Para eles, ver a mulher que os incentivava a amar os próprios corpos mudar o corpo dela dessa forma era como perceber uma mentira.
O grupo, que cresceu e atingiu o ápice em meados de 2019, prega o respeito a silhuetas magras, com cicatrizes, enrugadas ou gordas -com foco para a última característica. A luta contra a gordofobia, ou romantização da obesidade para os críticos, é a principal bandeira. Tanto por ser a pauta com a qual seus seguidores mais se identificam quanto pela atenção que atrai, para o bem ou para o mal.
O post em que Caio Revela, voz ativa do body positive, anuciou a perda de peso, por exemplo, não foi bem aceito. “As pessoas que te seguem não têm dinheiro para tomar Ozempic, nem fazer bariátrica. Não é justo vocês ficarem mudando de opinião o tempo todo”, disse um dos comentários mais curtidos na publicação.
À Folha de S.Paulo, Caio conta que o emagrecimento não foi por estética. “Na pandemia, tinha muito medo de morrer. Criaram até fake news noticiando minha morte. Estava com depressão e descontava na comida. Preso no meu apartamento, não conseguia me exercitar, o que sempre fiz”, diz. “Na reabertura, percebi quanta qualidade de vida havia perdido. Meu peso me impossibilitava de fazer muitas coisas. E ainda desenvolvi uma hérnia.”
Os dois médicos consultados por Caio recomendaram a cirurgia bariátrica. Mas, por envolver duas operações (a bariátrica primeiro e depois a retirada da hérnia), ele achou melhor emagrecer sem a faca. Mais de 50 quilos se foram desde a decisão, com o acompanhamento de um endocrinologista.
“É muito cruel. Me tratam melhor, sou mais ouvido. Agora caibo nas cadeiras. Por outro lado, dizem que traí o movimento. As pessoas têm que entender que continuo gordo. Só quero tornar minha vida um pouco mais fácil”, afirma.
No mesmo contexto se encontra Alexandra Gurgel, 35, fundadora do movimento Corpo Livre -uma das interpretações do body positive no Brasil. “É um resgate do nosso corpo. Quando lancei o canal, em 2015, parei de fazer dieta e ganhei mais de 20 quilos. Depois, fui emagrecendo naturalmente. Descobri que gostava de exercícios. Quando tirei a pressão de ser perfeita, pela primeira vez pensei na minha saúde”, afirma.
Alexandra foi a primeira a se envolver na polêmica de perda de peso. Em 2021, ela postou uma montagem com duas fotos: uma antes e uma depois de emagrecer. O formato, segundo críticos, dá a entender que o corpo gordo seria o “errado” -avaliação já incentivada por Gurgel e outros membros do Corpo Livre. O post foi excluído.
No início deste ano, ela fez outro post no Instagram anunciando que perdeu 15 quilos. Mas devido a um tratamento de endometriose, com dieta restritiva.
“Minha vida está na internet. Com certeza fui incoerente, como todo mundo é. Mas, sendo influencer, quando você erra, é visto de outra maneira”, comenta Gurgel. “A gente não é mais ativista militante como antes. Concordo com tudo que falava, mas às vezes chamava mais atenção para mim do que o assunto. Qualquer movimento tem rixas, onde cada um quer ser o mais importante. Mudamos. Não queremos ser os mais importantes, queremos viver.”
E, de fato, há “rixas”. Apesar de discutir gordofobia nas redes sociais, Ellen Valias, conhecida como Atleta de Peso, rejeita ser associada ao movimento body positive. “Essa luta não inclui pessoas gordas maiores”, afirma. O termo, na militância, refere-se a pessoas que perdem acessos básicos na sociedade, como no transporte público ou atendimento médico, devido ao peso. E pouco se faz para mudar isso e outros problemas estruturais, segundo Valias, limitando o body positive a um aspecto estético.
Aliana Aires, professora da UFPI (Universidade Federal do Piauí) e autora do livro “De gorda a plus size: A moda do tamanho grande”, concorda.
“Existe uma diferença entre o movimento body positive e o ativismo gordo. O body positive fica no nível estético de aceitação. Já o ativismo tem uma característica política, de querer mudar um sistema”, afirma.
“As marcas e anunciantes, por exemplo, abraçaram o body positive pela superficialidade do movimento”, diz Aires, citando o “diversity washing”. Leia-se: a indústria promove uma falsa ideia de diversidade em campanhas publicitárias sem incluir ou se comprometer com as pautas dessas pessoas.
O caso mais recente é da Victoria’s Secret. Em 2021, a empresa aposentou as famosas supermodelos Angels para trazer mais diversidade às passarelas. As embaixadoras da marca incluíam a modelo plus size Paloma Elsesser e a estrela do futebol Megan Rapinoe.
O resultado foi uma redução de 6% na receita de 2023 em relação ao ano anterior, e bem abaixo da receita de US$ 7,5 bilhões de 2020 (cerca de R$ 36,6 bilhões em valores atuais). Agora, o rumo é voltar às suas raízes – nada diversas – para desenterrar o lucro. Isso abarca o retorno de modelos clássicas, como a brasileira Adriana Lima.
O body positive passa por um arrefecimento, de acordo com Dario Caldas, especialista em tendências e criador do Observatório de Sinais. Ele aponta dois motivos: o mercado, que não estaria lucrando mais com isso, e a questão geracional. “Os millenials, que mais engajaram com o movimento, estão abandonando esse pensamento idealista de que você deve amar seu corpo a qualquer custo.”
Caldas continua: “As pessoas estão se perguntando ‘por que devo ser feliz com meu corpo se ele não me agrada e causa problemas de saúde?'”
BRUNO XAVIER E DIEGO ALEJANDRO / Folhapress