BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O BPC (Benefício de Prestação Continuada) deve passar por atualização cadastral e revisão dos benefícios pagos para as pessoas com deficiência, afirmou à reportagem o secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento e Orçamento, Sergio Firpo.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer entender as razões que levaram ao aumento expressivo, nos últimos meses, dos gastos do governo com o pagamento do BPC, que garante um salário mínimo por mês (R$ 1.412) ao idoso pobre com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade, com baixa renda.
Em apenas dois meses (22 de março a 22 de maio), a previsão oficial de despesas com o BPC neste ano saltou R$ 1,73 bilhão, de acordo com o segundo relatório de avaliação de receitas e despesas do orçamento enviado ao Congresso. Para 2024, o governo projeta um gasto de R$ 105,1 bilhões com o benefício assistencial.
Em abril (último dado disponível), o gasto com o benefício pago pelo INSS chegou a R$ 9,2 bilhões, registrando uma alta real (acima da inflação) de 18,9% em relação ao mesmo mês do ano passado. De janeiro a abril, o crescimento real foi de 17,6% com R$ 35,5 bilhões desembolsados. Um incremento de R$ 5,3 bilhões nos gastos em comparação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Tesouro Nacional.
Em 12 meses até março, o total de benefícios emitidos para pessoas com deficiência cresceu 14,15%.
Segundo Firpo, as duas frentes de trabalho estão sendo pactuadas com o MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social), responsável pela gestão do BPC.
“Se for uma deficiência que gera uma incapacidade permanente laboral, é só uma questão de checar a permanência dessa incapacidade, que tem quer ser cumprida. Essa revisão tem que ser feita, de tempos em tempos”, explica.
“É importante que sejam feitos batimentos de elegibilidade. E, ao mesmo tempo, garantir a periodicidade da revisão, para determinar, sobretudo no BPC ao deficiente, se de fato [a pessoa] tem uma deficiência permanente. Que seja checado.”
O secretário da equipe da ministra Simone Tebet (Planejamento) pondera que é preciso ter cautela e muito cuidado no trabalho, porque essa é uma avaliação delicada, cujo público de beneficiários é muito vulnerável.
Além dos critérios de pobreza e idade ou deficiência, para ter direito ao benefício é necessário ainda que a renda por pessoa do grupo familiar seja igual ou menor que 1/4 do salário-mínimo.
Será necessária uma avaliação biopsicossocial, que verifica e avalia os direitos de pessoas com deficiência, de forma a identificar, individualmente, de que modo a restrição desabilita ou prejudica a autonomia plena na vida cotidiana e profissional.
De acordo com o secretário, o detalhamento do mapeamento do BPC está sendo feito em conjunto com os secretários André Quintão (Secretário Nacional de Assistência Social) e Letícia Bartholo (Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único) do MDS. Procurado pela Folha, o MDS não atendeu aos pedidos de informação.
Firpo não antecipa as hipóteses de sua equipe para a elevação dos requerimentos e concessões do BPC. Segundo ele, elas ainda necessitam de comprovação e, na sua avaliação, seria “leviano” tornar públicos os dados sem a conclusão dos trabalhos.
O secretário chama a atenção para o fato de o número de concessões do BPC para deficientes ter se elevado com a redução no tempo de análise do requerimento. Entre outubro de 2022 e março deste ano, esse tempo caiu de 190 dias para 110 dias. Para a concessão do BPC ao idoso, o prazo caiu de 60 dias para cerca de 30 dias.
“Que bom que está caindo o tempo de espera. O Estado passou a ser mais eficiente na gestão dessa política pública”, diz. Segundo ele, é preciso trazer a cultura de uma gestão eficiente dos recursos públicos. Se o governo não estiver atingindo o público-alvo, pondera, é sinal de que tem de melhorar a gestão.
O secretário diz que há uma grande preocupação com o lado fiscal das contas públicas, mas, sobretudo, com o atendimento dos direitos do cidadão também.
A avaliação do BPC faz parte das ações do grupo de trabalho que o governo Lula criou para revisão dos benefícios que são pagos pelo INSS. O trabalho começou com os benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença). O secretário diz que o trabalho com o BPC surgiu com a mesma lógica da revisão dos benefícios previdenciários de correção dos pagamentos.
Técnicos do Ministério da Previdência Social ouvidos pela Folha, na condição de anonimato, alertam que tem havido um aumento de fraudes cibernéticas, como aconteceu com o seguro defeso, por meio da criação de pessoas fictícias requerendo o benefício e conseguindo a concessão.
Esses técnicos afirmam que não há razão para um crescimento tão forte de pessoas com deficiência de uma hora para outra no país que justifique o aumentos dos requerimentos e concessões. De acordo com eles, existe também uma indústria de fraudes na concessão do atestado médico que comprova a deficiência.
Por outro lado, especialistas da área social do governo, afirmam que a fraude existe, mas não é a principal razão para o aumento do custo do BPC. Estimativas citadas por esses especialistas sugerem um patamar em torno de 5% de fraude, nível semelhante ao do Bolsa Família.
O diagnóstico desses especialistas é de que o aumento do BPC está muito mais relacionado ao fato de o Brasil ser um país envelhecido e com uma população pobre. Com a transição demográfica, tem havido o envelhecimento da população brasileira e aumento da expectativa de vida num cenário em que a maior parte dos idosos no Brasil não tem proteção social. A preocupação deles é com o processo que pode se dar a revisão, e citam como exemplo a dificuldade de transporte de uma pessoa com paralisia cerebral para uma pessoa de baixa renda.
A assessoria do Ministério do Planejamento diz que a revisão do BPC não tem relação com a discussão sobre a desvinculação dos benefícios ao salário mínimo. A ministra Tebet puxou esse debate público para dar sobrevida ao novo arcabouço fiscal, mas a proposta enfrenta resistências no governo.
ADRIANA FERNANDES / Folhapress