BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A extensão da prática do trabalho remoto, modalidade que ganhou força durante a pandemia, divide ministérios do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há pastas que querem aproveitar o período de regulamentação de um programa de desempenho da gestão pública para restringir o home office.
Esses órgãos veem excessos na adoção do trabalho remoto. Há, porém, divergências.
Uma parte dos ministérios busca implementar ou até mesmo ampliar o trabalho à distância na discussão em torno do chamado PGD (Programa de Gestão e Desempenho), em sinal de como o tema é tratado de forma descentralizada.
O fim da pandemia da Covid foi decretado há um ano. Hoje, o governo Lula tem pelo menos 27,8 mil servidores em trabalho remoto integral ou parcial, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo diretamente em cada um dos ministérios.
O número pode estar subestimado, uma vez que parte das pastas disse ainda estar em fase de levantamento e não ter o número total de funcionários em teletrabalho.
Outras só informaram o número de servidores que atuam na modalidade remota na sua estrutura principal. Vinte ministérios, entre eles a Fazenda, incluíram dados da sede e dos demais órgãos a eles subordinados.
De todos os 38 ministérios, cinco deles não responderam aos questionamentos da reportagem. Entre eles está a Casa Civil, comandada por Rui Costa, responsável pela coordenação do governo.
Outras 12 pastas enviaram os dados sobre a sua estrutura central, mas não divulgaram as informações sobre as organizações a elas vinculadas –alegando que elas deveriam ser procuradas separadamente.
Atualmente há cerca de 570 mil de servidores no Executivo federal. O número não abarca apenas os funcionários dos ministérios –inclui também órgãos vinculados a eles e os servidores de universidades federais, por exemplo.
Todas as pastas agora têm até 31 de julho para se adaptar às novas regras do PGD, o programa que busca revisar o modelo de trabalho adotado no serviço público.
“A ideia de programa de gestão nada mais é que você sair do controle de frequência e ir para o gerenciamento de resultado”, diz Roberto Pojo, secretário de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
A pasta afirma que o foco do PGD não é tratar de regras relacionadas ao trabalho remoto. “Se é um programa de gestão, tem de estar adaptado à característica, cultura e necessidade da instituição. Se você faz uma regra geral para 200 organizações, só tem uma certeza: você errou”, afirma Pojo.
O secretário diz que a escolha entre presencial e teletrabalho não deve ser vista como um benefício, mas como uma opção gerencial nos órgãos federais. “Para cada organização você vai ver se é preciso ter pessoas presenciais ou se eu posso optar por pessoas em teletrabalho.”
No funcionalismo público, a discussão sobre teletrabalho começou em 2014 e se tornou urgente na pandemia. Ficou estabelecido que cada órgão definiria suas regras.
Como não existe uma norma geral, ocorrem duros debates internos. Entre ministros de Lula, há uma avaliação de que o presencial deve ser a regra, sobretudo nas áreas mais próximas do primeiro escalão. A questão é medir produtividade e garantir engajamento de maneira coletiva, disse um ministro em caráter reservado.
A CGU (Controladoria-Geral da União) foi uma das primeiras instituições no Executivo a adotar um programa de teletrabalho, assim como Receita Federal e INSS. O ministério virou referência na Esplanada para o modelo.
De acordo com dados da pasta, a maioria dos servidores trabalha em modelo híbrido (64%), com os trabalhadores atuando em determinados períodos nos escritórios e em outros fora dele. Apenas 10% estão em trabalho presencial integral, e 26% realizam teletrabalho permanentemente.
Na revisão do modelo, porém, a expectativa é que esses números mudem e o trabalho presencial cresça.
“Após a publicação de instrução normativa pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a CGU está trabalhando na revisão do seu normativo interno sobre o Programa de Gestão e Desempenho, com preferência pela modalidade presencial”, diz a pasta.
Integrantes do governo apontaram que a tentativa de restringir o teletrabalho vem provocando atritos em algumas pastas, como na AGU (Advocacia-Geral da União) e em órgãos ligados ao Ministério da Fazenda.
A AGU tem 2.197 advogados e procuradores federais em teletrabalho, o que corresponde a 41% de todo seu efetivo. A situação gera incômodo na cúpula do órgão, segundo disseram à Folha de S.Paulo pessoas a par da questão.
Uma portaria publicada no fim de janeiro estabeleceu novas regras para o regime de trabalho remoto de membros das carreiras.
“O novo regramento estabelece, por exemplo, que o percentual máximo de membros que poderão participar do regime será de 20% nas unidades que prestam consultoria jurídica e 40% nas demais”, diz a pasta, em nota.
“A previsão é que, com as novas regras, o percentual de membros em regime de teletrabalho seja reduzido em 33% nas unidades de consultoria e em 20% nas demais”, afirma a AGU.
O Ministério da Fazenda é a pasta com o maior número de funcionários em teletrabalho, considerando a sede em si e os órgãos subordinados. O ministério foi um dos poucos que enviaram dados sobre toda a sua estrutura.
Atualmente, são 12,5 mil servidores ou funcionários comissionados adotando esse regime.
A maior parte deles é ligada à Receita, onde 10,1 mil pessoas estão com planos ativos de PGD. Desse total, apenas 363 optaram pela modalidade presencial. Os demais adotaram algum tipo de teletrabalho.
No fim de janeiro, o Tesouro Nacional, também ligado à Fazenda, publicou uma portaria determinando novas regras para o teletrabalho, com um mínimo de 32 horas presenciais. A medida provocou insatisfação entre os servidores.
Para o presidente da Fonacate (Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, a mudança no Tesouro foi verticalizada e autoritária. Ele diz que o teletrabalho melhorou o desempenho dos servidores.
“A avaliação que a gente tem recebido é que os setores estão satisfeitos. E a gente viu um incremento de produtividade. Na reforma administrativa, um ponto que sempre reaparece é o da gestão e avaliação de desempenho. A gente já tem isso, já mede desempenho. Só vai para trabalho remoto se tiver acertado entrega”, afirma.
De acordo com o professor Rildo Ribeiro dos Santos, da Faculdade de Economia da UnB (Universidade de Brasília), a pandemia mostrou para servidores e trabalhadores as vantagens da modalidade remota, no qual substituem o tempo gasto em deslocamento, por exemplo, por qualidade de vida e desenvolvimento pessoal.
Ele diz que também há ganhos para o empregador, mas que são necessárias mudança cultural e novas dinâmicas para que o impacto na produção seja benéfico.
“Os funcionários passam a precisar entregar algo, têm de fazer dentro do prazo, do tempo. Isso muda a concepção do órgão. Ele precisa se planejar. A longo prazo, isso traz um benefício muito grande”, afirma.
RENATO MACHADO E MARIANNA HOLANDA / Folhapress