RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O cantor, ator, compositor e pianista Eduardo Dussek, 70, ainda está impressionado com a repercussão de sua participação no Altas Horas (Globo) do apresentador Serginho Groisman no sábado passado (25). Os internautas rasgaram elogios à vitalidade do artista, que com o auxílio de um andador, cantou, conversou e fez piada com sua condição (“é uma doença muito chique, tem até uma avenida, a Parkinson Avenue”), arrancando risos e aplausos da plateia majoritariamente acima dos 40.
Diagnosticado com Parkinson há 17 anos, apenas em 2015 ele revelou publicamente a doença. “Descobri em 2007 e, em 2010, veio a crise mesmo; e de lá pra cá cortei um dobrado”, diz ao site F5. A entrevista foi realizada por telefone em duas etapas por recomendação médica, conforme ele explica. “Entrevista presencial é mais complicado, porque exige uma produção muito maior, é como transportar um bebê ao Fórum, entendeu?”, brinca.
Quem viu Dussek brilhando na homenagem ao cantor Ney Matogrosso com um time de artistas musicais no palco, não imagina a organização que a apresentação exigiu. “Tive um preparo de duas semanas, tomo doses grandes de remédios e, se eles forem usados demais, vou perder a resistência.”
“Você viu que no programa não tive tremor nenhum?”, indaga ao repórter. “Estava cantando, alegre, feliz… Não que fique deprimido, não é isso (risos). Fico cansado mesmo, muita canseira, se eu fizer isso na frequência de uma pessoa normal vai dar chabu.”
No palco do programa, Dussek roubou a cena, com uma performance vibrante que exigiu um esforço físico e mental, mas que valeu a pena: “Foi um programa muito alegre, após a gravação ficamos todos ali no palco, virou uma festa, só não tinha bebida, uma confraternização, todos em um estado mágico”, relembra.
A atração é gravada em São Paulo, então Dussek viajou um dia antes, descansou bastante no hotel e no dia seguinte acordou próximo do horário da gravação e seguiu para a emissora. “Teve toda uma exigência que não são 100 toalhas brancas no camarim, nada disso, depois de remédios, preparação no estúdio, chega ali, explode o meu ‘eu’ mais relaxado, porque eu já tô preparado, os remédios em cima controlando todos os movimentos me dá uma tranquilidade, pra ter aquele brilho que as pessoas querem ver”, revela sobre o making of.
Após o fim da atração, ele voltou para o hotel, e retornou ao Rio na manhã seguinte, descansando ao longo do dia. Mas o esforço deu resultado, o artista revela que a repercussão foi muito positiva, e conta que se emocionou ao rever as imagens em casa na companhia de alguns amigos.
DONO DE MÚLTIPLOS TALENTOS
Nascido em Copacabana (zona sul do Rio), filho de mãe húngara e pai tcheco, Dussek e seus três irmãos, Vera, Marcelo e André, carregam também um sobrenome famoso: Gabor. A semelhança com a atriz Zsa Zsa Gabor (1917-2016) não é mera coincidência, mas um parentesco distante de origem materna.
Dussek despontou no teatro no início dos anos 1970, como pianista na peça “Desgraças de uma Criança”, com Marieta Severo e Marco Nanini. Mas a música veio muito antes, quando começou a tocar piano ainda criança, inspirado pelo seu pai.
Com o sucesso teatral, ele começou a fazer shows em 1974, chamando atenção de personalidades da música e entrando em estúdio três anos depois para gravar seu primeiro compacto com as canções “Não Tem Perigo” e “Apelo da Raça”, produzido por Nelson Motta. Sem o sucesso esperado, ele deu aulas de canto e de piano e compôs músicas para diversos artistas, como Maria Alcina, Zizi Possi, As Frenéticas e até para o amigo de longa data Ney Matogrosso.
O almejado êxito musical veio em 1980 quando participou do festival MPB-80 com a música “Nostradamus”. A repercussão positiva deu origem ao primeiro LP “Olhar Brasileiro”, e Dussek não parou mais. Ele coleciona vários sucessos ao lado de seu parceiro musical Luíz Carlos Góes, sempre mesclando crítica social com bom humor, uma influência do Teatro Besteirol, em canções como “Doméstica (Brega Chique)”, “Rock da Cachorra” e “A Índia e o Traficante”, que seguem atuais. Entre 1981 e 2011, foram oito álbuns lançados e diversos hits que figuraram em trilhas sonoras de novelas como “Bebê a Bordo”, “A Próxima Vítima” e “As Filhas da Mãe”.
Sérgio Abreu, um dos integrantes do João Penca e seus Miquinhos Amestrados, grupo musical popular nos anos 1980, relembrou o encontro do trio com Dussek em um show no Morro da Urca, na zona sul do Rio. “Ele tinha mais experiência e esbanjava talento, ele bancou de gravar um disco e fazer shows conosco, aprendemos muito com ele.”
XICA DA SILVA: ENTRE TAPAS E BEIJOS COM AVANCINI
Sua versatilidade, fez com que ele trocasse a música pela atuação em algumas ocasiões. Como ator, fez cerca de 17 trabalhos em novelas, filmes e minisséries. Em “Xica da Silva” (1996) deu vida ao capitão-Mor Gonçalo. O convite veio em um momento oportuno, após superar uma crise criativa que se arrastou por alguns anos devido ao excesso de trabalho. Além do desafio de interpretar um vilão na novela da extinta Rede Manchete, havia outro obstáculo: lidar com o genioso diretor Walter Avancini (1935-2001), conhecido pelo seu temperamento forte com o elenco.
Dussek relembra a experiência: “Ele era uma bomba-atômica, a gente gravava na faixa de Gaza, ele era muito inteligente, me ensinou muita coisa, mas reclamava demais”. Dussek conta que o diretor ofereceu o papel de galã, mas ele recusou por exigir um desempenho muito maior. “Ele disse: ‘Você quer fazer outro personagem?’. Tem uma bicha louca e um vilão’. Fiquei com o papel do vilão que adorei, ele não confiava muito em mim como ator, tinha uma incerteza.”
Em uma ocasião, o diretor pôs Dussek com 100 figurantes com perucas e casacos de veludo sob o sol escaldante de Maricá (no litoral fluminense), onde eram gravadas as cenas externas. Dussek encenou uma coreografia de jazz com os soldados, tirando Avancini do sério.
O artista se recorda da situação. “Ele me chamou na sala dele e disse ‘não aguento mais você’, falei também que não aguentava mais ele, e sugeri adiantarmos as coisas, e ele declarou ‘vou matar seu personagem, e você vai gravar sete opções de morte pra deixar gravado’.” A novela foi um sucesso e o cachê ótimo, segundo ele.
COM PARKINSON E BOM HUMOR
Resumidamente, a doença de Parkinson está associada à perda de células cerebrais (neurônios) produtoras de um neurotransmissor conhecido como dopamina. Esse, por sua vez, é responsável pelo envio de mensagens às partes do cérebro que fazem a coordenação dos movimentos.
Considerada uma doença neurológica crônica e lentamente progressiva, ela evolui com a idade. Dussek relembra os primeiros sintomas, que o fizeram procurar um especialista. “Comecei a ter muitos pesadelos, estava trabalhando demais, estresse, prazos, e minha mão de repente ficava rígida, com dificuldade para escrever, então fiz uma série de exames e veio o resultado.”
As cinco décadas de uma carreira intensa são apontadas pelo artista como uma das possíveis causas da doença. “Só estou fazendo um compromisso por dia por ordens médicas, porque 50 anos nesse corre-corre me deixou nesse estado”, diz aos risos. O diagnóstico fez com que ele mudasse alguns hábitos do passado e desacelerasse o ritmo de trabalho. “A alimentação mudou, larguei bebidas como whisky e vodca, e adotei só vinhos, não abro mão do champanhe, adoro. E evito me aborrecer, tudo passou a ser moderado”, conta.
Ele também aderiu a tratamentos alternativos como tai chi chuan, acupuntura e shiatsu. Sobre a rotina diária, ele explica: “Tenho atividades normais, mas em um plano mais exclusivo, sou uma pessoa especial agora, tem hora que uso a cadeira de rodas, depois ando uns 30 minutos, então o segredo é você estacionar a doença”.
Dono de uma mente aberta, ele não se considera religioso, aprecia o budismo, pratica meditação e devoto de São Jorge. “O que as pessoas chamam de Deus, eu chamo de lei do universo que está acima de tudo, e não existe um mistério, existe a lei da causa e efeito, estou numa fase que entendo as coisas, por isso não reclamo.” Ele também teve experiências com Santo Daime no passado, que avaliou como sendo positiva naquela circunstância.
A entrevista é pausada algumas vezes por conta de uma tosse insistente, que ele afirma ser emocional, enquanto trava um curto diálogo com ela: “Tosse, pelo amor de Deus, para aí, quero falar com o rapaz aqui, senta ali tosse na cadeira, e me espera”. O sorriso na voz só dá uma trégua ao comentar sobre os custos com os medicamentos. “O Parkinson demanda muito, inclusive dinheiro, gasto em torno de R$ 4 mil de remédio por mês, é uma loucura”, lamenta.
A PINTURA COMO TERAPIA
Em busca de qualidade de vida, ele trocou há seis anos, a caótica Copacabana pela quietude de Piratininga, bairro nobre da Região Oceânica de Niterói. O antigo apartamento, perto do Corte do Cantagalo, deu lugar a uma casa com jardim perto do mar. “Aqui tem um local que parece a Urca, ruas de casas, daqui vejo o Pão de Açúcar e até a Pedra da Gávea, já morei em São Paulo, em Nova York, em vários lugares, nesse momento aqui é ideal.”
Nos últimos anos, uma das atividades a que ele tem se dedicado assiduamente é a pintura, repleta de cores quentes. Cada quadro tem uma inspiração em suas canções (“tem uma leitura da música feita em pintura”).
O hábito, que se tornou uma paixão, surgiu durante a pandemia, quando ele passou a focar nas telas e no estudo das técnicas. “Mestre Van Gogh que me botou nessa”, avisa aos risos. Ele já conta com 20 quadros e, até o fim do ano, planeja fazer uma exposição no Rio e em São Paulo, na qual pretende reverter um percentual das vendas para pessoas com Parkinson. Para o ano que vem planeja uma autobiografia que ele descreveu como uma ficção-real, mas com muitos fatos biográficos.
Apesar dos obstáculos, Dussek não perde o alto astral. Em um dos momentos mais hilários durante sua participação no Altas Horas, fez uma analogia entre o tremor das mãos e o autoprazer. “Perguntei quais são os sintomas, o médico disse rigidez e tremor nas mãos, falei pelo menos facilita a masturbação”, disse, sendo ovacionado pelo público. Indagado sobre vida amorosa, ele desconversa: “Estou casado com os meus amigos, meus amores, meu trabalho”.
Ainda sobre o programa televisivo, ele menciona que a ideia do andador surgiu na hora. “Eles sugeriram uma cadeira de rodas tradicional, mas eu disse que não havia necessidade, eu nunca quis fazer publicidade sobre isso [a doença]”, conta.
Em seguida, ele complementa: “Tenho Parkinson há anos e não falava para as pessoas. Eu dançava, cantava, apresentava, mas chegou uma hora que a doença acordou, e ela é degenerativa, então tenho que compreender e fazer de acordo com isso, mas a animação não vou perder nunca”.
ANDRÉ ARAM / Folhapress