SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As asas gigantes de duas borboletas, uma azul e outra rosa, equilibrando-se sobre pernas de pau, se movimentavam para ajudar a dispersar bolinhas de sabão, logo estouradas por crianças e adolescentes. O clima lúdico era acompanhado por vozes de diferentes faixas etárias. Ora entoavam “Ser trans é um direito, os nossos filhos só precisam de respeito”, ora gritavam “Crianças trans existem, adolescentes trans existem, e os preconceituosos que lutem”.
Com a participação de 150 integrantes, de acordo com os organizadores, o grupo foi o abre-alas da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, na tarde ensolarada deste domingo (2), num evento que arrastou uma multidão.
“São crianças. É natural que elas estejam à frente”, disse a farmacêutica Mariana Oda, 38, de Santo André (Grande SP), mãe de Felipe, um garoto trans de 10 anos. Ao lado do marido, Márcio, 46, ela disse que a Parada é um acontecimento para a sociedade refletir. “Ele é uma criança. O fato de ser transgênero não muda nada nem para gente nem para todo o mundo.”
Felipe tem uma irmã gêmea. Aos oito anos ele disse para a família que não queria mais ser uma menina, mas, sim, um menino. “Filho, você pode ser o que quiser”, responderam os pais. “É uma criança. Não precisa se preocupar com isso”, disse a mãe. “Importante é que ele está sendo educado com carinho e amor e também está aprendendo a ter respeito aos demais”, completou o pai.
Na ala de pessoas trans que conduziu a marcha, o mais jovem era um menino trans de seis anos de idade, contou Thamirys Nunes, 43, presidente da ONG Minha Criança Trans, que presta auxílio em áreas distintas para cerca de 650 famílias com filhos trans. Entre os adolescentes, havia tanto garotos como garotas trans na faixa dos 19 anos.
Minha Criança Trans é, ainda de acordo com Nunes, a primeira organização não governamental do Brasil a tratar exclusivamente das questões que envolvem saúde, qualidade de vida, políticas públicas e direitos das crianças e dos adolescentes transgêneros. A entidade também presta auxílio jurídico a famílias de jovens trans em situações de maior vulnerabilidade.
“Não existe no Brasil nenhuma política pública voltada para a proteção de crianças e adolescentes trans”, disse Nunes, que é mãe de uma menina trans de nove anos.
Foi a terceira vez que eles participaram da Parada, neste ano com número recorde de integrantes. “A cada ano, as famílias se sentem mais seguras para vir à avenida, adquirem mais consciência sobre a importância de ocupar um espaço público como este.”
Com o tema Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo, os discursos na Parada se voltaram para a inclusão não só da população LGBTQIA+ como também de crianças e adolescentes trans, negros, periféricos, quilombolas e pessoas com deficiência.
Silvia Grecco, secretária municipal da Pessoa com Deficiência, disse que, além de todos os discursos serem traduzidos em Libras, a Parada montou uma área específica para receber PCDs. Pelos cálculos dela, 200 PCDs participaram do evento. “Este ano de 2024 ficará marcado com o mais inclusivo e com acessibilidade entre as Paradas”, afirmou a secretária.
A ala reservada a pessoas com deficiência seguiu o cortejo à frente do trio elétrico e logo atrás das crianças e adolescentes trans.
A cadeirante Nicole Brito, 25, disse que escolheu a tarde deste domingo de sol para sair do armário. “Eu me assumi bi”, contou. A Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo transformou-se, na opinião dessa estudante de psicologia, numa espécie de parque de diversão. “Todo o mundo tem a sua Disney”, brincou. “Hoje, aqui, é o meu momento de me divertir, de mostrar ao mundo que eu existo. O fato de estar aqui, acredito, fortalece o respeito e a diversidade para que outras pessoas com deficiência possam se assumir.”
Também cadeirante e se dizendo bi, o estagiário Manoel Lucas Moreira, 27, fez sua estreia na Parada. “Minha família é muito preconceituosa”, disse. “Mas eu tenho a mente aberta. Nós temos o direito de estarmos onde bem quisermos.”
A 28ª Parada do Orgulho LGBT+, que lotou a avenida Paulista e a rua da Consolação, contou ainda com a participação de cerca de 300 Mães pela Diversidade. A associação materna é uma organização não governamental que reúne mães e pais de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA+ preocupados com a violência e o preconceito contra seus filhos e suas filhas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Diretor artístico da Parada, Heitor Werneck, 57, vive no espectro autista nível 2. “Demorei para falar, demorei para escrever e demorei para me entender como gay. Como autista, a gente sofre bullying e abuso porque não se instrui sobre sexualidade muitas vezes nem na escola nem em casa.”
Ele contou que somente aos 19 anos se descobriu gay. “Não tive ajuda, nem apoio nem respaldo de escola ou família. Sempre fui tratado como uma criança esquisita, um peso”, disse. “A Parada é um ato de visibilidade. Precisamos ser incluídos.”
Na avaliação da cuidadora Jaciene Silva de Jesus, 57, moradora do Jardim Damasceno, periferia da zona norte paulistana, a diversidade da marcha é a oportunidade de todos serem vistos e manifestarem seus desejos, suas bandeiras. “A gente precisa se impor. Ainda mais agora que estamos enfrentando um cenário político muito conservador e retrógrado que tem como objetivo nos tornar invisíveis.”
Com a bandeira do arco-íris, que representa o movimento gay, com uma parte destinada à do Brasil, ela estava ao lado do mais velho dos quatro filhos, Alexandre Olimpio Santos, 36, com paralisia cerebral, cadeirante. “Ele é bastante independente. Fala com certa dificuldade, mas toma banho sozinho, come, escova os dentes e adora vir à Parada. Ele vem há cinco anos. Felizmente, somos todos simpatizantes”, disse Jesus.
ROBERTO DE OLIVEIRA / Folhapress