SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O professor universitário Elliot Phebve, 55, pai de quatro filhos, é o primeiro paciente a receber uma vacina personalizada experimental para evitar a recidiva do câncer de intestino, desenvolvida a partir de uma tecnologia de mRNA (RNA mensageiro), a mesma usada nas vacinas contra a Covid, e que tem potencial de revolucionar tratamentos oncológicos.
O anúncio ocorreu na sexta (31) pelo serviço nacional de saúde do Reino Unido, o NHS, e foi detalhado neste sábado (1º) pela BioNTech SE, empresa de biotecnologia alemã que desenvolve a vacina, durante conferência anual da oncologia clínica em Chicago (EUA).
Os testes clínicos iniciados no Reino Unido vão avaliar a eficácia e a segurança do tratamento como forma de evitar o retorno de tumores em pacientes que enfrentam quadros graves da doença, como Phebve. Assintomático, ele foi diagnosticado com câncer colorretal agressivo em um exame de rotina em 2023.
O professor fez cirurgia e quimioterapia até desaparecerem os sinais do tumor e se voluntariou para o ensaio clínico. De acordo com comunicado do NHS, a expectativa é que mais de mil pessoas sejam recrutadas para participar dos testes nos próximos meses.
“Se [o estudo clínico] for bem-sucedido, [a vacina contra o câncer] poderá ajudar milhares, se não milhões de pessoas, para que possam ter esperança e possam não passar por tudo o que passei”, disse Phebve em nota.
O ensaio clínico do qual o professor participa é um dos vários que serão realizados com recursos do NHS em todo o país para tratar diferentes tipos de tumor e compõem uma nova plataforma de lançamento de vacinas oncológicas do serviço nacional inglês, que reúne atualmente mais de 30 hospitais na Inglaterra que fazem o recrutamento e o acompanhamento dos pacientes.
As vacinas avaliadas no teste de câncer colorretal são desenvolvidas analisando o tumor de um paciente para identificar mutações específicas do próprio câncer. Com base nessas informações, os médicos criam então uma vacina individualizada.
Os imunizantes em desenvolvimento são projetados para induzir uma resposta imunológica que pode prevenir o retorno do câncer após a cirurgia no tumor primário, estimulando o sistema imunológico do paciente a reconhecer e destruir todas as células cancerosas remanescentes. No final de abril, um outro britânico foi imunizado com a primeira vacina do tipo contra o câncer de pele.
A razão pela qual são chamadas de vacinas é porque ensinam o sistema imunológico a combater o câncer da mesma forma que as vacinas o ensinam a nos proteger contra vírus e bactérias. Essas vacinas personalizadas não foram concebidas para prevenir o desenvolvimento de um câncer primário.
Os imunizantes estão sendo desenvolvidos em conjunto pelas empresas biofarmacêuticas BioNTech e Genentech, membro do Grupo Roche, e ainda não foram aprovados pelos órgãos reguladores. Ou seja, ainda não estão disponíveis fora do ambiente da pesquisa clínica.
Segundo Amanda Pritchard, diretora executiva do NHS, a plataforma de vacinas contra o câncer é um dos maiores projetos do tipo no mundo e pretende trabalhar com uma variedade de parceiros na indústria farmacêutica para incluir pacientes de muitos tipos de câncer, como os de pâncreas e de pulmão.
Ela diz que o momento é de buscar maneiras melhores e mais eficazes de combater o câncer. “Graças aos avanços no cuidado e tratamento, a sobrevivência ao câncer está em alta recorde neste país, mas esses testes de vacinas poderiam um dia nos oferecer uma maneira de vacinar as pessoas contra seu próprio câncer para ajudar a salvar mais vidas”, disse em comunicado do NHS.
De acordo com Peter Johnson, diretor-clínico para câncer no NHS, mesmo após uma operação bem- sucedida, os tumores podem retornar porque algumas células cancerígenas são deixadas no corpo. Assim, usar uma vacina para mirar essas células restantes pode ser uma forma de evitar a recidiva.
“O acesso a ensaios clínicos poderia fornecer uma outra opção para pacientes e suas famílias. Por meio da nossa plataforma nacional, poderemos ampliar as oportunidades de participação desses ensaios para muitas mais pessoas.”
Investigadora principal do ensaio no Queen Elizabeth Hospital Birmingham, a oncologista clínica Victoria Kunene diz que, embora as vacinas sejam muito promissoras, ainda é cedo para dizer que serão bem-sucedidas. “Mais dados ainda são necessários. Continuamos a recrutar pacientes adequados para o ensaio para estabelecer isso mais a fundo.”
Segundo os pesquisadores, se bem-sucedida, a vacina será um divisor de águas na prevenção do início ou retorno do câncer de intestino. O acordo do governo inglês com a BioNTech prevê o recrutamento de até 10 mil pacientes para receberem imunoterapias contra o câncer nos próximos seis anos.
O NHS também está trabalhando em parceria com a Genomics England para que os pacientes possam acessar as mais recentes tecnologias de testes genéticos e, assim, receberem tratamentos de precisão mais direcionados para seu câncer.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress