BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O investimento público atingiu 2,61% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023, o segundo ano seguido de alta, mas em um patamar ainda insuficiente para tirar o Brasil do quadro de estagnação observado desde 2016.
De lá para cá, o gasto dos governos com investimentos oscilou entre 1,94% e 2,63% do PIB. O número está distante do pico de 2010 (4,72% do PIB) em 2022, o indicador ficou em 2,52%.
Apenas na esfera federal, os aportes da União subiram pela primeira vez desde 2014 e alcançaram 0,30% do PIB, mas não cobrem nem sequer as perdas de capital com estragos e desgastes naturais das estruturas já existentes.
O levantamento feito pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre reúne dados de União, estados, municípios e empresas públicas federais (como a Petrobras). Os dois últimos grupos foram os que mais elevaram os gastos nessa área em 2023.
Sem as estatais, o investimento público teria ficado em 1,99% do PIB no ano passado, abaixo da média de 3,3% do PIB observada sob este critério entre países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2021, dado mais recente disponível.
“Observamos um aumento estatístico, mas qualitativamente não houve mudança. A questão principal é se vamos conseguir reverter o quadro e ter aumento nos investimentos públicos”, avalia o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez da retomada dos investimentos públicos uma de suas principais bandeiras no atual mandato e relançou o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas a principal trava a esse objetivo vem da situação fiscal não só no caso da União, mas também de estados e municípios.
Em 2023, por exemplo, o investimento dos governos estaduais caiu na esteira da maior fragilidade das contas desses entes, provocada pelo corte nas alíquotas de ICMS sobre os combustíveis. A medida foi aprovada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em 2022, ano eleitoral.
Antes disso, sob a vigência do teto de gastos instituído pelo governo Michel Temer (MDB), os investimentos federais se tornaram a variável de ajuste diante do aperto imposto pela regra fiscal. Eles encolheram ano após ano para dar espaço a despesas obrigatórias.
No caso da União, os recursos extras autorizados pela PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada ainda na transição de governo ajudaram a dar fôlego às obras federais em 2023.
A equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) também tentou assegurar, no desenho do novo arcabouço fiscal, um patamar mínimo de investimentos para o futuro. No entanto, a contínua expansão das despesas obrigatórias (como benefícios previdenciários) e a hesitação do governo em enfrentar o problema indicam que o desafio permanece.
“O governo está tentando fazer isso [elevar investimentos] de forma mais clara quando desenha uma regra fiscal mais flexível e com esse piso de investimentos. Mas o aumento de investimento em 2024 não é tão significativo em relação a 2023”, observa Pires.
“Tem muito problema estrutural no Orçamento para conseguir abrir espaço”, diz o economista, elencando temas como os gastos com Previdência e a recente discussão dos mínimos de saúde e educação.
Os pisos dessas áreas voltaram a ser atrelados à arrecadação e crescem em ritmo mais veloz do que o limite de gastos previsto no arcabouço. O tema é politicamente sensível e enfrenta resistências dentro do próprio PT.
Por enquanto, a variável de ajuste tem sido a arrecadação, com um amplo conjunto de medidas para elevar as receitas federais. Ainda assim, o Executivo precisou flexibilizar as metas fiscais de 2025 em diante, admitindo resultados menos ambiciosos e reconhecendo que a dívida pública vai subir por mais tempo.
“Essa é a contradição de sempre, aumentar investimento e controlar dívida”, afirma Pires.
Em 2024, as estatais federais e os municípios devem seguir puxando a realização de investimentos públicos. A mudança de comando na Petrobras, sob determinação direta de Lula para impulsionar investimentos, e o ano eleitoral devem ser fatores importantes para o resultado.
Nos estados, o espaço para aumento de investimentos dependerá diretamente da renegociação da dívida com o Tesouro Nacional. A repactuação pode liberar recursos no caixa dos governadores, que poderão canalizá-los para investimentos.
Na União, porém, a percepção é de que há pouca margem de manobra. “Há um crescimento muito gradual na margem, é difícil pensar em uma mudança estrutural”, diz Pires.
Entre economistas, há críticos da ampliação de investimentos públicos sob o argumento de menor eficiência do que no setor privado, além do risco de má alocação de recursos.
Entusiastas, por sua vez, indicam os benefícios do chamado efeito multiplicador desse tipo de gasto sobre o crescimento da economia como um todo. Também há quem veja um limite para o repasse de atribuições ao setor privado após o ciclo de privatizações e concessões.
O setor público responde por aproximadamente 15% dos investimentos realizados no país, patamar equivalente à média da OCDE. Entre 2011 e 2015, os governos realizaram cerca de 38% dos aportes focados em infraestrutura, nível também alinhado à média de países integrantes do grupo.
“É difícil caminhar terceirizando ainda mais para o setor privado, a não ser que se discuta a [privatização da] Petrobras, o que não parece ser o caso”, afirma Pires.
A tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul também colocou a realização de investimentos públicos no foco do debate atual. O governo federal já liberou R$ 20 bilhões extras para auxiliar famílias, empresas e governos afetados pela calamidade, mas ainda há necessidade de reconstruir pontes, estradas, casas e demais estruturas danificadas pelas enchentes.
Segundo Pires, aumentar o nível de investimento público via endividamento é uma primeira resposta natural diante da situação emergencial. No futuro, porém, o ideal seria ter um mecanismo de poupança de recursos para direcionar a despesas de reparação e adaptação climática.
“Isso tinha sido pensado no Fundo Social do petróleo [pré-sal], uma das finalidades era mitigação e adaptação às mudanças climáticas. É um funding muito apropriado. Com o tempo, o uso dos recursos foi sendo desvirtuado, alvo de desvinculação”, diz o economista.
Para ele, há uma mudança de percepção social sobre a importância desses temas. “É preciso encontrar mecanismos fiscais de apoio, de poupança pública”, afirma.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress