NOVA DÉLI, ÍNDIA (FOLHAPRESS) – Projeções e resultados preliminares da eleição na Índia apontam para uma vitória da aliança liderada pelo primeiro-ministro Narendra Modi, mas com um número de assentos muito menor do que no pleito de 2019, ao contrário do que previam as pesquisas ao longo de toda a campanha.
Com a apuração avançada no meio da tarde, havia a possibilidade de o BJP, partido do premiê, não obter a maioria sozinho, o que deve enfraquecer muito a legenda. Analistas políticos falavam no “fim da aura de invencibilidade”. A se confirmar sua vitória, ainda que mais apertada que o previsto, Modi será o primeiro premiê a obter três mandatos consecutivos desde Jawaharlal Nehru, primeiro a governar após o país declarar independência do Reino Unido, em 1947, e que ficou no poder até sua morte, em 1964.
Esse feito está ofuscado pela reversão de expectativas -o BJP esperava conseguir uma maioria histórica de 400 deputados na Lok Sabha (Câmara baixa), que tem 543 assentos, para implementar grandes mudanças na Constituição, mas deve ficar muito abaixo disso.
Os mercados financeiros desabaram em reação ao provável resultado decepcionante do BJP -empresários veem Modi, um defensor das privatizações, como pró-mercado. Às 15h30 de Nova Déli (7h de Brasília), a coalizão de Modi liderava com 296 assentos, e a oposição tinha 229.
Esses números expõem um erro por larga margem das pesquisas de boca de urna, que projetavam de 353 a 401 cadeiras para a coalizão governista. Para a aliança opositora, encabeçada pelo Partido do Congresso, previa-se de 125 a 182 assentos.
“As projeções de todos os 543 assentos estão disponíveis. Há duas coisas claras: 1. Será uma derrota política e moral fragorosa para Narendra Modi. 2. Foi revelado que as pesquisas de boca de urna que ele orquestrou eram uma fraude completa”, disse o secretário-geral do partido do Congresso, Jairam Ramesh, no X.
Em 2019, a coalizão obteve 353 assentos e o BJP sozinho, 303. A coalizão liderada pelo partido do Congresso em 2019 (de composição diferente da atual) obteve apenas 91 cadeiras.
Para Yogendra Yadav, um dos únicos comentaristas a prever um enfraquecimento do BJP no pleito, afirmou que os eleitores deixaram de votar guiados por questões divisivas, como temas religiosos abordados pelo BJP, e se guiaram pelo bolso. “Foi uma eleição da volta à política da normalidade”, disse Yadav. “As pessoas votaram contra o incumbente por causa do desemprego, da inflação, os problemas dos agricultores”, disse o pesquisador do instituto CSDS.
Pesquisa de março do instituto indicava que o desemprego e a inflação eram a principal preocupação de mais de 60% do eleitorado. Questões polêmicas como a construção do templo de Ram em Ayodhya, uma reivindicação do eleitorado hindu mais religioso, eram citados como preocupação por menos de 10%.
A taxa de desemprego no país fechou em 8,1% em abril, mas entre jovens supera os 40%. A inflação estava em 5% em fevereiro, mas a de alimentos supera 8%.
Determinante para o resultado decepcionante do partido de Modi foi a perda de muitos assentos no chamado Cinturão Hindi, região dos estados populosos do norte que o BJP dominou nas últimas eleições.
O partido esperava que temas religiosos e programas sociais garantissem uma vitória avassaladora como em 2019. Mas as projeções indicavam que a aliança do BJP pode ser derrotada pela coalizão entre o partido do Congresso e a legenda regional Samajwadi (SP) que liferava em inúmeros distritos.
Modi dobrou a aposta no sectarismo para mobilizar sua base na campanha deste ano.
Ele fez diversos ataques diretos aos muçulmanos, algo que costumava terceirizar para aliados. O premiê se referiu à minoria muçulmana, que corresponde a 14% da população frente aos 80% de hindus, usando expressões como “infiltrados”. Em comício, dirigiu-se a hindus dizendo que a oposição queria “reunir a sua riqueza e distribuir entre aqueles que têm mais filhos”. O partido do Congresso criticou a Comissão Eleitoral da Índia de omissão, porque ela teria se omitido em relação ao uso de discurso de ódio por Modi, que é proibido pelas regras eleitorais.
Segundo Manoj Kumar Singh, editor do Gorakhpur News Line, de Uttar Pradesh, havia enorme frustração dos jovens contra Modi e o governador do estado, Yogi Adityanath, por causa do desemprego, alta de preços, e problemas no programa de recrutamento militar e nos exames para entrada no setor público.
“Não existe mais a mágica de Modi; as pessoas estavam cansadas de só ouvir falar de temas emocionais e religiosos nos últimos 10 anos, e sentiam que o governo não estava abordando as questões de seu dia-a-dia.”
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress