SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os três filhos da dona de casa Heliandra Gomes Queiroz da Silva, 31, tiveram AME (Atrofia Muscular Espinhal). Nenhum dos diagnósticos ocorreu através do teste do pezinho um dos exames de triagem neonatal oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Aos 3 anos, Miguel não resistiu às complicações da doença e morreu. As outras filhas de Silva Sophia, 4 anos, e Esther, 5 meses, permanecem em tratamento. Até o momento, as irmãs vivem bem, sem os sinais e sintomas de progressão da doença, segundo a dona de casa, residente em Minas Gerais, contou ao jornal.
A AME é uma doença rara neurodegenerativa que pode levar à morte, principalmente nos casos em que o início dos sintomas é precoce, devido ao comprometimento respiratório e da deglutição. A condição também causa perda de força e firmeza muscular nas mãos, braços e pernas, e atinge a coluna. A AME se dá pela alteração de um gene dos pais. A chance de acometimento é de 25% para cada filho.
Em 26 de maio de 2021, o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), sancionou a Lei nº 14.154, que ampliou o rol de patologias detectáveis por meio do teste do pezinho no SUS. Em vigor um ano depois, a legislação estendeu para 50 o número de doenças identificadas, mas propôs a ampliação em cinco etapas. Bolsonaro concedeu aos estados cinco anos para a expansão do exame.
Presente na última etapa, a AME ainda não é rastreada, exceto em poucos locais, como por exemplo, no Distrito Federal e em Minas Gerais.
Para a neurologista infantil Juliana Giannetti, presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil e professora do Departamento de Pediatria da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com o diagnóstico pelo teste do pezinho, o tratamento começa mais rápido. “Essa é a diferença crucial da ampliação da triagem neonatal, porque essas crianças passariam pela consulta com o pediatra ou neurologista infantil e não seria identificado nenhum sinal da doença. Então, quando retornassem ao médico, já poderiam apresentar fraqueza, dificuldade para mamar ou respirar”, explica.
“Diagnosticar no tempo certo vai fazer toda a diferença na vida das crianças e das famílias”, ressalta a médica.
As doenças já incluídas no teste eram: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. A toxoplasmose congênita completa a primeira fase.
Na segunda, estão as galactosemias, aminoacidopatias, distúrbios do ciclo da ureia e distúrbios da betaoxidação dos ácidos graxos. Doenças lisossômicas, imunodeficiências primárias e AME entram nas etapas três, quatro e cinco, respectivamente.
O estado de São Paulo está finalizando a primeira etapa, mas a capital paulista e Cidade do Tietê, Descalvado, Cerquilho e Jumirim, no interior, realizam o teste ampliado, segundo a Secretaria Estadual da Saúde.
Na cidade de São Paulo, conforme a Secretaria Municipal da Saúde, em todos os recém-nascidos na rede municipal de saúde é feita a triagem para 27 doenças. Os bebês sintomáticos ou internados em UTI neonatal realizam o teste ampliado para 50. Ainda não há rastreio para AME.
Desde o final de janeiro deste ano, em Minas Gerais, as amostras dos recém-nascidos são testadas para 15 doenças, inclusive a AME. Sete casos da doença já foram confirmados graças ao rastreamento.
O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que cabe ao gestor estadual a avaliação das estruturas de saúde para a realização da triagem neonatal e as condições epidemiológicas para a solicitação de habilitação do programa no território, assim como a garantia do funcionamento.
O governo federal encaminha recurso via Fundo Nacional de Saúde para execução dos procedimentos da triagem neonatal inseridos na tabela de procedimentos do SUS.
O órgão disse, ainda, que as principais questões do aperfeiçoamento do Programa Nacional de Triagem Neonatal estão em curso, como a inserção da tecnologia de espectrometria de massas em Tandem para a triagem neonatal, novos medicamentos e fórmulas alimentares para as doenças que serão identificadas por meio do exame, entre outras ações.
“Quando falamos em teste do pezinho e triagem neonatal, é importante colocar que não é simplesmente fazer o teste. Então, por isso a dificuldade [de ampliação]. Você tem que fazer o teste e depois exames confirmatórios do diagnóstico e oferecer uma linha de cuidados. Para cada doença que você inclui no teste do pezinho, tem que ter toda essa estrutura. Então, tem que ser programado, né? Se fosse só o teste seria muito fácil”, finaliza a professora.
COMO É FEITO O TESTE DO PEZINHO?
Para a realização do teste são coletadas gotas de sangue do calcanhar do recém-nascido, entre o terceiro e o quinto dia de vida. O objetivo é identificar doenças metabólicas, hereditárias e genéticas.
Associações pedem urgência na implementação nacional da Triagem Neonatal Ampliada
Nesta quinta (6), Dia Nacional da Triagem Neonatal, mais de 25 associações de pacientes, sociedades médicas e parlamentares assinaram o “Manifesto do Pezinho”, que será enviado à ministra da Saúde, Nísia Trindade.
O documento pede urgência na implementação nacional da Triagem Neonatal Ampliada, que pode identificar até 52 doenças. Três anos após a publicação da lei nº 14.154/21, apenas o Distrito Federal já tem a testagem completa. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Goiás e Paraíba iniciaram a ampliação.
“O Brasil tem cerca de 13 milhões de pessoas com doenças raras e muitas delas não tiveram a oportunidade de serem diagnosticadas ao nascer. Existe a necessidade de um processo de escuta ativa do governo e autoridades para que possamos acompanhar e contribuir com o processo de implementação da lei de expansão da triagem. Uma lentidão injustificável, que pode comprometer muitas vidas”, afirma Aline Giuliani, membro do Universo Coletivo AME.
PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress