SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após uma sessão de alívio na véspera, o dólar voltou a registrar forte alta nesta sexta-feira (7), disparando 1,43% após a divulgação de dados de emprego mais fortes que o esperado nos Estados Unidos e em meio a temores sobre a situação fiscal do Brasil. Com isso, a moeda americana fechou a sessão cotada a R$ 5,324, renovando seu maior valor desde janeiro de 2023.
Rumores sobre uma possível mudança no arcabouço fiscal, que passaram a circular após uma reunião do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com integrantes do setor financeiro, também afetaram o mercado, elevando os juros.
O relatório de emprego americano, conhecido como “payroll”, mostrou que foram criadas 272 mil novas vagas de trabalho nos EUA em maio, bastante acima das expectativas de 180 mil postos de economistas consultados pela Bloomberg. A taxa de desemprego, por outro lado, subiu levemente, de 3,9% para 4%.
Os novos dados vieram na contramão de números secundários divulgados nesta semana que mostraram desaceleração da economia americana e deram otimismo momentâneo a investidores.
Com o payroll desta sexta, o dia foi negativo para os mercados globais, já que o relatório mostra que o mercado de trabalho dos EUA segue aquecido e pode influenciar na decisão do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) de manter os juros mais altos por mais tempo no país.
O relatório também afetou as curvas de juros no Brasil, que engataram alta após a divulgação, pela manhã.
Foi durante a tarde, no entanto, que os contratos futuros aceleraram, enquanto o mercado acompanhava sinalizações do ministro Fernando Haddad sobre o futuro da política econômica do Brasil.
Haddad participou de uma reunião com Mario Leão, CEO do Santander Brasil, e gestores do mercado financeiro nesta sexta.
Participantes do encontro disseram a jornalistas que o ministro teria dito que iria mostrar ao Congresso não ser possível aumentar gasto sem fonte. Também que eventual contigenciamento de gastos dependeria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que o arcabouço fiscal poderia até ser mudado.
No final da tarde, após reportagens citando a reunião, Haddad se mostrou irritado e afirmou que houve uma quebra de protocolo, uma vez que a condição do encontro era que as pessoas não interpretassem o que ele falasse.
“A pessoa que vazou a informação vazou uma informação falsa. Quando fui perguntado se um aumento da despesa obrigatória poderia ensejar o contingenciamento, eu disse que simbolizaria como determina o arcabouço [fiscal].”
Irritado, considerou o vazamento “muito grave” e uma “irresponsabilidade”. “Não se pode vender ao mercado algo que não foi dito. O que venderam e o que eu disse foram duas coisas completamente diferentes”, completou, não querendo se comprometer com a afirmação de que houve uma tentativa de manipulação do mercado.
“Tinha gente muito séria aqui. Tinha um CEO [do Santander]… Sinceramente, lamento muito esse tipo de comportamento. Repito: estava o CEO do Santander aqui. Eu não estou dizendo que foi alguém do Santander. Estou dizendo que o que estou dizendo pode ser checado com o CEO do Santander. Ele ouviu o que eu falei”, repetiu, para corroborar sua versão.
Procurado, o Santander não se manifestou.
A confusão estressou ainda mais o mercado doméstico, num momento em que operadores já vinham apresentando ceticismo sobre o cumprimento das regras fiscais no país.
No fim da tarde, os contratos de juros com vencimento em janeiro de 2025 iam de 10,44% para 10,59%, enquanto os para 2027 subiam de 11,16% para 11,62%. Nas curvas mais longas, os juros para 2029 saíam de 11,58% para 11,95%.
A alta nas curvas derrubou ainda mais o Ibovespa, que caiu 1,73%, fechando aos 120.767 pontos nesta sexta.
“O mercado está sendo cada vez menos crente no arcabouço, que já teve mudanças depois de apenas um ano, e já não acredita que a meta de déficit fiscal desse ano será cumprida”, diz Rodrigo Alvarenga, sócio da One Investimentos.
Para além dos rumores sobre uma suposta sinalização de Haddad sobre o arcabouço, houve a percepção entre agentes do mercado de que o ministro está sem força dentro do governo. Por isso, mesmo que uma agenda de redução de despesas seja mantida, a avaliação é de que ela encontrará barreiras no Executivo.
No acumulado da semana, o principal índice da Bolsa brasileira registra queda de 1,09%, renovando seu menor patamar do ano. Já o dólar teve valorização de 1,41% no período.
ECONOMIA AMERICANA SEGUE EM FOCO
Embora o mercado de trabalho americano tenha desacelerado nos últimos meses, o seu ritmo de crescimento ainda sólido permitiu ao Fed adiar um possível corte nas taxas do país.
Na próxima semana, diretores do banco reúnem-se para uma nova decisão sobre juros, e a expectativa é que as autoridades mantenham as taxas inalteradas na faixa entre 5,25% e 5,50%.
Apesar do número forte desta sexta, existem alguns outros sinais de que o mercado de trabalho está começando a relaxar de forma mais constante.
A produção econômica dos EUA no primeiro trimestre cresceu à taxa mais lenta em quase dois anos, e os dados deste trimestre, no geral, têm sido mais fracos do que o esperado.
Dados secundário do início desta semana, por exemplo, mostraram que as vagas de emprego diminuíram em abril e o número de empregos disponíveis por candidato atingiu o nível mais baixo desde junho de 2021.
Os números haviam levado certo otimismo ao mercado. Na quinta (6), apesar de ter começado o dia em leve alta, chegando a ultrapassar os R$ 5,30 na máxima da sessão, o dólar devolveu os ganhos e fechou em queda de 0,88%, cotado a R$ 5,249.
Com o payroll desta sexta, o mercado virou.
“Os primeiros dados pareciam indicar o início de uma desaceleração. No entanto, a divulgação do payroll surpreendeu indicando um mercado de trabalho ainda resiliente. A maior possibilidade de manutenção de juros aumenta a demanda por dólares, valorizando a moeda”, afirma André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online.
Ele cita, ainda, que até existe uma pequena possibilidade de que o início do ciclo de corte de juros nos EUA comece em setembro, mas que as apostas de que as taxas mantenham-se inalteradas neste ano ganharam mais força após os dados de emprego desta manhã.
Já Seema Shah, estrategista-chefe global da Principal Asset Management, diz que ainda espera um corte nas taxas em setembro, mas que outro conjunto de dados como os desta sexta tiraria essa possibilidade da mesa.
“Os dados de emprego de hoje minam a mensagem que outros dados econômicos recentes têm transmitido sobre o desaquecimento da economia dos EUA e fecham a porta para um corte na taxa de juros em julho. Não apenas o número de empregos criados explodiu novamente, como também o crescimento dos salários surpreendeu positivamente”, diz Sah.
O estrategista menciona, por outro lado, que os dados afastam a possibilidade de uma recessão na economia dos EUA.
ALEX SABINO E MARCELO AZEVEDO / Folhapress