LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – A invasão da Ucrânia pela Rússia abriu uma nova era na Europa e deve permear as ações da União Europeia em um provável segundo mandato de Ursula Von der Leyen à frente do bloco. É a opinião do analista português de política internacional Bernardo Pires de Lima, pesquisador da Universidade Nova de Lisboa e consultor do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Daí o título de seu novo livro, “O Ano Zero da Nova Europa”.
Pires de Lima diz que a defesa deve ser um dos temas permanentes na agenda após as eleições para o Parlamento Europeu, que se encerram neste domingo (9) com o voto de Portugal e da maioria dos 27 países-membros.
Outro desafio da próxima legislatura do bloco é a incorporação de novos países, incluindo a Ucrânia. O especialista, no entanto, discorda da ideia de que isso possa aumentar a tensão com Moscou. “Não é o avanço da Otan que tira o sono de [Vladimir] Putin. A Rússia tem 1.300 quilômetros de fronteira com a Otan na Finlândia, e ele não acorda todos os dias dizendo que há uma ameaça territorial. O que tira o sono de Putin é a possibilidade de ter, na Ucrânia, mais uma democracia ao seu lado”, diz o autor à Folha de S.Paulo.
Pires de Lima afirma que o mundo se divide em quatro grandes forças, cada uma representando um modelo de desenvolvimento. De um lado, Estados Unidos e União Europeia. De outro, China e Rússia. Enquanto EUA e UE se afastaram, China e Rússia se aproximaram –e a Guerra da Ucrânia intensificou essa aproximação.
O distanciamento entre americanos e europeus, segundo ele, deu-se a partir de dois fatos políticos: a eleição de Donald Trump e o referendo do brexit, ambos em 2016. Há o risco de 2024 repetir 2016, com uma possível vitória de Trump. “Apesar do poder da Casa Branca, os países europeus têm várias relações bilaterais com outras instâncias americanas. Isso não irá se perder”, afirma.
Em “O Ano Zero da Nova Europa”, Pires de Lima aponta assimetrias na relação entre China e Rússia que o Ocidente pode explorar. Enquanto Pequim tem uma economia diversificada e se beneficia da estabilidade e do comércio com o mundo inteiro, Moscou investe cada vez mais na extração de combustíveis fósseis e, com a guerra, queimou pontes com a Europa. “Há interesses comuns entre UE e China: segurança nuclear, segurança alimentar, além da adesão à Carta das Nações Unidas sobre a integridade territorial dos Estados e das fronteiras. Essas afinidades ajudam numa aproximação com a China, o que isolaria a Rússia.”
O analista português não vê a ascensão de partidos de ultradireita como ameaça concreta ao modelo europeu de democracia e bem-estar social. “As pesquisas de opinião mais recentes mostram que a maioria de centro que existe hoje em dia, entre os partidos social-democratas, liberais e conservadores, vai se manter”, diz. “Talvez se tenha criado uma expectativa apocalíptica sobre o crescimento inexorável da direita radical.”
Apesar dos sinais de aproximação entre a líder francesa da ultradireita, Marine Le Pen, e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, Pires de Lima aposta nos pontos de divergência entre as duas. “Recentemente Le Pen veio a público dizer que é solidária com a luta ucraniana. Ninguém acredita nisso, não só pelo seu histórico de relações e até uma certa idolatria em relação ao Kremlin e a Putin, mas também pela própria sobrevivência de seu partido por via do financiamento russo.”
Já Meloni, em sua visão, segue outro caminho. “Ela tem demonstrado um apoio de 100% à Ucrânia e um alinhamento 100% aos Estados Unidos. Meloni tem a possibilidade de ser um fator decisivo nos equilíbrios partidários que resultarem da eleição europeia e teria muito a perder se ficar refém de Le Pen ou de outros partidos que estejam ali naquela órbita.”
JOÃO GABRIEL DE LIMA / Folhapress