SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do presidente da França, Emmanuel Macron, de dissolver o Legislativo e convocar novas eleições após os fortes ganhos da ultradireita no pleito para o Parlamento Europeu neste domingo (9) levou a fortes questionamentos e hipóteses sobre qual pode ser a estratégia do chefe do Executivo.
Segundo a imprensa francesa, membros do próprio governo souberam da medida com pouca antecedência e foram contrários a ela. Já o partido de Marine Le Pen, cujo bom resultado eleitoral precipitou a dissolução da Assembleia Nacional, comemorou o anúncio e espera ganhar terreno na votação, que vai acontecer no dia 30 de junho em primeiro turno e 7 de julho em segundo.
Segundo as projeções, a RN (Reunião Nacional), sigla de Le Pen, obteve 31,4% dos votos, mais que o dobro da aliança de Macron, que ficou com 14,6%. Foi um crescimento de mais de oito pontos percentuais, tanto em relação ao voto europeu de 2019 quanto ao primeiro turno da eleição presidencial de 2022, quando o RN ficou na casa dos 23%.
“É muito improvável que Macron consiga uma maioria parlamentar em 7 de julho. Depois de reformas como a da previdência, ele é um presidente impopular. E é certo que a extrema direita vai crescer. Mas ele fez algumas apostas com esse anúncio”, afirma Thomás de Barros, doutor em teoria política pela universidade Sciences Po, em Paris.
“Ele acha que vai haver uma desorganização da esquerda, que nas eleições de 2022 se juntou em um bloco único e se tornou o segundo maior bloco parlamentar. Desde então, essa unidade de esquerda rachou, principalmente por divergências em relação à guerra entre Israel e o Hamas. Macron quer se aproveitar desse fato para tentar isolar os setores moderados desse campo, formar uma coalizão com eles e garantir uma maioria”, explica.
Também por isso o curto espaço anunciado pelo presidente para as eleições -com o primeiro turno marcado em apenas 20 dias, o prazo para formalização das candidaturas termina no próximo domingo (16), deixando apenas uma semana para que a esquerda tente formar uma frente única.
Eleito em 2017 e reeleito em 2022, Macron governa atualmente sem maioria no Parlamento, e é forçado a recorrer a um dispositivo constitucional que o permite driblar certas votações no Legislativo -o artigo 49.3, altamente polêmico e impopular.
Se for bem-sucedido na tentativa de rachar a esquerda e atrair para si membros moderados, Macron teria uma situação mais estável na Assembleia Nacional –entretanto, na noite desta segunda-feira (10), o bloco parlamentar de esquerda anunciou que vai apresentar candidaturas únicas, um primeiro passo em direção a uma união parlamentar e um desdobramento que enfraquece a estratégia de buscar uma coalizão com membros isolados desse grupo.
“Há quem diga que o objetivo de Macron seria deixar a extrema direita ganhar, se desgastar e fortalecer um eventual sucessor em 2027 [ano em que termina o mandato de Macron, que não pode concorrer à reeleição outra vez]”, diz Barros. “Acho isso improvável. Além de ser uma irresponsabilidade, não há certeza que um eventual governo de extrema direita seja impopular.”
Mas a principal razão, explica o especialista, é que o sistema eleitoral francês não favorece que esse campo político consiga uma maioria. Isso porque a Assembleia Nacional tem 577 cadeiras, cada uma representando um distrito eleitoral, e há primeiro e segundo turno nos distritos caso nenhum candidato obtenha ao menos 50% dos votos.
“Imaginar que a RN vá vencer em mais da metade dos distritos por mais da metade dos votos é muito difícil. Não é impossível, mas não acho que a estratégia de Macron conte com esse resultado. Agora, se ele continuar sem maioria no Parlamento, o que eu acredito que é o mais provável, só vai agravar o problema que tem hoje, e se tornaria difícil de governar o país”, diz Barros.
“É um cenário de muita incerteza, e Macron parece ter construído uma armadilha para si mesmo. As eleições em junho e julho devem ser mais um momento em que a extrema direita mostra sua força na Europa -e uma França com a extrema direita crescente significa uma União Europeia fragilizada. A ideia de que a extrema direita está se aproximando do governo em um país tão central [para a UE] é bastante grave.”
VICTOR LACOMBE / Folhapress