BOA VISTA, RO (FOLHAPRESS) – Entre a surpreendente eleição para o Parlamento Europeu e os Jogos Olímpicos de Paris, os franceses terão 20 dias de campanha política para reeleger os 577 ocupantes de seu Parlamento, após o presidente Emmanuel Macron dissolver a Casa no domingo (9).
Não por acaso, o grande vencedor do pleito europeu, o candidato da ultradireita Jordan Bardella (Reunião Nacional), afirmou logo após as primeiras projeções de vitória -e antes mesmo da medida tomada pelo presidente– que o resultado era o primeiro dia da “era pós-Macron”.
A primeira pesquisa de intenção de voto para o novo pleito indica à frente o RN, que ganharia de 235 a 265 cadeiras no Legislativo. Divulgada já nesta segunda (10), a sondagem feita pela empresa de pesquisas Harris Interactive-Toluna indica que a aliança governista de Macron pode perder metade das 250 cadeiras que ocupa atualmente.
A esquerda, por sua vez, que faz oposição a Macron, mas ideologicamente é ainda mais avessa ao Reunião Nacional (RN), definiu que vai unir candidaturas.
O Partido Socialista, encabeçado por Raphael Glucksmann, terminou com 13,8% no pleito europeu, cerca de um ponto percentual a menos do que a coligação de Macron.
Manon Aubry, a candidata do partido de esquerda radical França Insubmissa ao Parlamento Europeu, que terminou com cerca de 9% dos votos (ante 31% do RN), também se referiu a uma era pós-Macron, como Bardella, para pedir união das esquerdas contra a ultradireita. Assinam ainda a carta que anunciou a aliança os ecologistas, o Partido Comunista Francês e outros agrupamentos.
A eleição terá um primeiro turno no dia 30 de junho. Cada cadeira da Casa representa um distrito eleitoral, e ganha o candidato que obtiver ao menos 50% dos votos, desde que haja participação de pelo menos 25% do eleitorado. Caso isso não ocorra, um segundo turno com postulantes que obtiveram ao menos 12,5% dos votos ocorre no dia 7 de julho. Os Jogos de Paris começam em 26 de julho.
A dissolução da Assembleia Nacional é uma medida prevista pelo artigo 12 da Constituição da França e foi tomada outras cinco vezes durante a Quinta República, cuja Carta é de 1958: duas por Charles de Gaulle (1962 e 1968), duas por François Mitterrand (1981 e 1988) e uma por Jacques Chirac (1997).
A ideia por trás do mecanismo é dar aos eleitores a chance de refazer escolhas políticas em meio a situações de conflito entre Executivo e Legislativo, ou mesmo de discrepâncias entre a vontade popular e os eleitos que indique um cenário de crise nacional e obstáculos de governabilidade.
A medida é também um tanto discricionária, e há poucos impedimentos para que o ato seja tomado pelo chefe de Estado: ele precisa apenas consultar o primeiro-ministro e o presidente da Assembleia.
A dissolução não pode ser feita em caso de Presidência interina (quando o líder do Senado assume, por exemplo, em caso de morte do presidente durante o mandato) e quando o chefe de Estado ativar um mecanismo da Carta que confere a ele plenos poderes por tempo limitado. Uma outra dissolução só pode ocorrer um ano após o novo pleito.
Em 1962, o recém-empossado premiê Georges Pompidou recebeu uma moção de censura, também prevista na Carta, cujo fim esperado pela coalizão de oposição que a aprovou era a derrubada do governo. Charles De Gaulle, no entanto, fez uso do poder presidencial para dissolver a Assembleia e convocar eleições. O resultado foi o crescimento das forças governistas na Casa, o que garantiu maioria e afastou o impasse político.
Newsletter China, terra do meio Receba no seu email os grandes temas da China explicados e contextualizados *** Foi no fim de maio de 1968, mês de grande agitação social e cultural, marcado por manifestações estudantis e greves, que De Gaulle usou novamente a medida e convocou um novo pleito: mais uma vez uma vitória do governo, já majoritário àquele momento, ampliando sua base na Casa.
Depois, François Mitterand, o primeiro presidente de esquerda do país, usou o dispositivo diante de uma Assembleia com maioria à direita do espectro político. Se em 1981 ele recebeu o aval dos franceses com a eleição de uma maioria governista, em 1988 o ocupante do Palácio do Eliseu perdeu a vantagem absoluta e teve de governar com uma oposição forte.
Como Mitterrand naquele momento, Macron não possui maioria na Assembleia Nacional desde 2022. Os últimos dois anos foram marcados pelo uso de um controverso dispositivo constitucional, conhecido como artigo 49.3, que permite driblar certas votações no Legislativo -como no caso da reforma das aposentadorias, em 2023.
Não por acaso, foram os primeiros-ministros sob Mitterrand e Macron (Michel Rocard e Elisabeth Borne, respectivamente) os que mais utilizaram, de longe, o dispositivo desde o início da Quinta República: 28 e 23 vezes cada um, contra 8 do terceiro que mais apelou para o drible.
Com a dissolução do Legislativo neste domingo, Macron tenta galvanizar eleitores temerosos da direita radical. A jogada arriscada pode aproximá-lo de Jacques Chirac, presidente de 1995 a 2007.
Eleito em 1995, Chirac se antecipou ao pleito legislativo previsto para 1998 e dissolveu, em 1997, a Assembleia Nacional. A eleição que se seguiu, porém, terminou com grande crescimento da esquerda e a nomeação do socialista Lionel Jospin para primeiro-ministro.
Embora fortalecida naquele momento, a esquerda não conseguiu levar Jospin ao segundo turno no pleito presidencial de 2002. A disputa ficou entre Chirac e Jean-Marie Le Pen, pai da atual líder do RN, Marine Le Pen -e Chirac terminou eleito.
GUILHERME BOTACINI / Folhapress