‘Terreno de marinha protege o Brasil de invasões das forças da natureza’, diz ministro do STJ

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Presidente eleito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o ministro Herman Benjamin afirma que a chamada “PEC das Praias” ameaça o bioma costeiro e diminuiu a proteção do país contra o avanço das marés provocado pelo aquecimento global. Diz ainda que, se a aprovada, a proposta vai restringir o acesso da população às praias, sim.

Benjamin, que foi promotor e procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo antes de ser nomeado para o STJ, é considerado uma referência em direito ambiental no país, tendo sido coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente do MP-SP. Também foi integrante do Conselho Nacional do Meio Ambiente nomeado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e reconduzido para o cargo pelo presidente Lula (PT) em seu primeiro mandato.

Para o ministro, o texto da PEC não é abrangente ao tratar o laudêmio no litoral de forma diferente de outras regiões onde a taxa também é cobrada e abre brechas para que as prefeituras avancem sobre áreas não ocupadas e para que ocupantes ilegais sejam anistiados.

A pedido da Folha, Benjamin analisou o texto original da PEC, aprovado pela Câmara dos Deputados, e o relatório do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e fez suas ponderações sobre o tema:

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PROTEÇÃO CONTRA AVANÇO DAS MARÉS

“O terreno de marinha foi criado há mais de 150 anos para uma proteção militar do território brasileiro contra invasões estrangeiras. Apesar de o risco não ser mais o mesmo, estamos com uma nova invasão nas áreas de costeiras que é da força da natureza. Há um aumento significativo de catástrofes naturais, com o avanço da água em áreas litorâneas. Inclusive com a destruição de casas que foram construídas, em alguns casos irregularmente, em terrenos de marinha. Existe uma função hoje que é a defesa da costa em relação a catástrofes naturais cientificamente comprovadas. E a gente sabe que, depois, quem terá de fazer as obras de contenção para preservar as casas e os resorts será o poder público. Um dinheiro que irá faltar em investimentos para as parcelas da população que mais precisam.”

‘OLHAR SELETIVO’

“A PEC mostra um olhar seletivo ao acabar com uma enfiteuse (o laudêmio e a taxa de foro) que é pago para a União, sem mexer naquele que é pago para a família real, em Petrópolis, na região serrana do Rio, por exemplo. É contraditório dizer que uma taxa da época do império é arcaica quando é paga ao poder público, mas não é quando quem recebe são pessoas, como é o caso dos herdeiros da família real. Em geral, os fundamentos da PEC não são totalmente incorretos quando lidos rapidamente, mas são incompletos, olham apenas para um aspecto de um problema que é muito maior. A PEC é juridicamente preocupante ao generalizar que o velho é incompatível com a necessidade atual. No Brasil, o novo tem se mostrado muitas vezes incompatível com a realidade de hoje e, em especial, com a de amanhã.”

DEMORA NA DELIMITAÇÃO

“Por mais que seja verdadeiro que muitos municípios cresceram ao longo do litoral, a PEC não se aplica apenas à área deles, mas a todos os mais de 7.000 quilômetros da costa brasileira. Isto inclui regiões remotas, de difícil acesso, e paisagens paradisíacas propícias para a construção de resorts, por exemplo. Assim como existe a morosidade da União, que não delimitou todos os terrenos de marinha, o que pode causar insegurança jurídica. O argumento é válido, mas o remédio, não. É uma situação que poderia ser resolvida dando prazo, com sanções para que a União terminasse de fazer as delimitações.”

TRIBUTAÇÃO EXAGERADA E DESENVOLVIMENTO

“É legítimo dizer que o laudêmio seria injusto porque causa uma tributação exagerada. Mas precisamos ver para quem esta cobrança é exagerada. Não dá para afirmar algo assim sem fazer uma distinção entre quem é pobre e os condomínios de luxo que ocupam esta área. O argumento de que estes terrenos engessam o desenvolvimento não me parece verdadeiro, pelo número de cidades grandes e capitais que temos em regiões litorâneas e até mesmo em ilhas, como é o caso de São Luís e Florianópolis.”

PERMISSÃO DE PRIVATIZAÇÃO DAS PRAIAS

“Hoje, municípios já fazem licenciamentos em áreas de terreno de marinha. Em muitos casos, com a privatização indireta das praias. Veja o exemplo de Balneário Camboriú (SC), onde foi permitida a construção de prédios altos na orla que provocaram sombra nas praias. Ora, o brasileiro não vai para a praia em busca apenas de água e areia. Ele vai tomar sol. Tirar o sol da praia é uma forma indireta de privatizar aquela área. Existe uma permissão para grandes empreendimentos, que muitas vezes ocupam manguezais, dunas e restingas. Temos várias ações que tramitam em primeira instância sobre apropriação de praias.”

ACESSO NÃO COMEÇA NA AREIA

“Os terrenos de marinha são o limite entre a área de praia e o território geral. Se este terreno for privatizado, o acesso é fechado. Não basta dizer que a praia continua pública se as pessoas não conseguem chegar nela. Existem muitas ações também que tratam do fechamento de praias. Antes, era feito com muros e cancelas. Hoje existe uma privatização inteligente, feita de forma indireta. Existe um loteamento lá no Guarujá [Iporanga], litoral paulista, que reúne só peso-pesado do PIB e da política. Eles tinham uma cancela e foram derrotados na Justiça depois de muita luta. Eles fizeram um acordo com a prefeitura para serem responsáveis pela proteção do meio ambiente e da mata. Sob esse argumento, conseguiram manter o controle de entrada na área.”

ANISTIA PARA OCUPAÇÃO IRREGULAR

“Quando amplia a transferência de áreas de terreno de marinha para particulares não inscritos desde que eles estejam no local há cinco anos e tenham o ocupado de boa-fé, a PEC dá uma anistia a quem ocupa a área de maneira irregular e lhe dá os mesmos direitos de quem estava legalmente na área. Além disso, vai permitir que os ocupantes descontem do pagamento pela área os valores que gastaram nos últimos cinco anos com o pagamento de laudêmio.”

ÁREAS PARA MUNICÍPIOS

“Existe uma pegadinha no texto sobre as áreas que serão transferidas aos municípios. Primeiro, restringe apenas às que são ocupadas. Mas, depois, permite que os municípios incluam as áreas desocupadas desde que considerem que elas são ‘expansão do perímetro urbano’. Ou seja, dá com uma mão e tira com as duas. Ubatuba [SP], por exemplo, já considera todas as áreas do município como expansão do perímetro urbano para poder cobrar IPTU na cidade toda. Os demais municípios farão o mesmo.”

LEONARDO FUHRMANN / Folhapress

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