RÁDIO AO VIVO
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO Ícone TV
RÁDIO AO VIVO Ícone Rádio

Proibição não freia abortos nos EUA, mas piora serviços de saúde e desigualdade

WASHINGTON, None (FOLHAPRESS) – Dois anos após a revogação do direito constitucional ao aborto nos EUA, o escopo de impactos da mudança vai muito além da interrupção da gravidez, atingindo áreas como mortalidade materna e desigualdade racial, segundo pesquisas recentes. E, na contramão do desejado por quem defende a proibição, o número de procedimentos no país continuou subindo.

Em 2023, 1 milhão de abortos foram realizados no sistema formal de saúde, um aumento de 11% em comparação com 2020, último ano com estatísticas completas, segundo o Instituto Guttmacher.

A sentença da Suprema Corte conhecida como Dobbs, de junho de 2022, deu autonomia aos estados para legislarem sobre o procedimento, voltando atrás no entendimento que vigorou por quase 50 anos e garantia o direito em todo o território nacional.

Atualmente, o aborto é ilegal em 14 estados e não protegido por lei em quatro. Outros 11 possuem uma legislação hostil ao procedimento, segundo análise do Centro para Direitos Reprodutivos, estabelecendo por exemplo prazos curtos para sua realização. O caso mais recente é o da Flórida, que definiu um limite de seis semanas de gestação.

Um dos principais efeitos é a piora nos serviços de saúde materna com o aumento dos chamados “desertos de atendimento”, área que corresponde aos estados que baniram o aborto e já tinham um desempenho ruim antes da mudança na lei, segundo mapeamento publicado no mês passado pela revista científica The Lancet.

Segundo o artigo, assinado por 16 autores ligados ao Comitê Permanente sobre Saúde Reprodutiva, Equidade e Sociedade da Academia Nacional dos EUA, a taxa de mortalidade materna nesses locais é duas vezes a observada naqueles onde não há restrições. A proporção de obstetras para nascidos vivos também era 32% menor ao final de 2022.

Esse cenário tende a se agravar com os banimentos, diante da fuga de especialistas dessas regiões, que temem ser responsabilizados por eventuais infrações à lei –mesmo nas exceções previstas, como em caso de risco de morte da gestante, há batalhas judiciais para obter a autorização.

Segundo análise da Associação de Universidades de Medicina Americanas, houve queda de 10,5% entre 2022 e 2023 nas inscrições para residência em ginecologia e obstetrícia em estados que baniram o aborto. Considerando todas as especialidades, a queda foi de apenas 3%. Para comparação, onde a interrupção da gravidez é permitida após 22 semanas de gestação, as inscrições caíram apenas 5,3% e 1,9%, respectivamente.

A restrição de acesso ao aborto afeta desproporcionalmente mulheres negras, com 7 em cada 10 vivendo nos 29 estados onde o procedimento foi banido, restrito ou não é protegido, segundo o artigo. O impacto também é maior sobre a camada mais pobre da população –pesquisas globais apontam que preocupações financeiras são o motivo principal para interromper a gravidez para 40% das que fizeram essa escolha.

Por isso, a retirada do direito tende a deteriorar as condições socioeconômicas dessas mulheres, afetando sua participação no mercado de trabalho e sua formação educacional. Em conjunto, o aumento da pobreza, a queda da participação na força de trabalho e o aumento da rotatividade e ausências no emprego têm um custo anual estimado para as economias estaduais de US$ 105 bilhões, de acordo com o Instituto para Pesquisas sobre Políticas para Mulheres.

Outra consequência observada foi a permanência em relacionamentos violentos. Pesquisas apontam que mulheres nessa situação têm maior dificuldade para evitar gestações indesejadas. Aquelas que tiveram o direito ao aborto negado afirmam com maior frequência que estão em relações ruins quando comparadas àquelas que puderam realizar o procedimento.

Para contornar as restrições, mulheres precisam viajar para realizar o procedimento. O percentual daquelas que se deslocaram dobrou: enquanto elas representavam 1 em cada 10 antes de Dobbs, passaram para 1 em cada 5. O tempo médio de viagem, por sua vez, mais que triplicou: foi de 27,8 minutos para 100,4 minutos.

APELO ELEITORAL E AMEAÇA A MÉTODOS CONTRACEPTIVOS

O direito ao aborto é uma das principais pautas das eleições americanas neste ano. A bandeira da retomada da garantia em todo o país é um eixo central da campanha do presidente Joe Biden, que acusa o adversário Donald Trump de querer instituir uma proibição nacional.

O republicano tem sido ambíguo no tema, ciente do apoio majoritário no eleitorado à liberdade de escolha. Ao mesmo tempo em que reclamou para si a responsabilidade pela decisão da Suprema Corte –a maioria conservadora de juízes foi alcançada por meio de nomeações feitas pelo empresário–, ele declarou recentemente que apoia deixar a legislação a cargo de cada estado.

Mas, em uma entrevista no mês passado, Trump disse que está avaliando restrições ao direito à contracepção e que uma política sobre isso seria divulgada em breve por sua campanha. Ele rapidamente voltou atrás no comentário e disse que foi mal interpretado. Democratas, no entanto, têm explorado a fala para atacar o republicano.

O temor de que conservadores consigam também restringir o acesso a métodos contraceptivos não é infundado –em seu voto no caso Dobbs, o juiz Clarence Thomas defendeu que a Corte deveria reconsiderar outros precedentes, como o casamento homossexual e o direito à contracepção.

Nesta quarta, democratas no Senado tentaram, sem sucesso, aprovar uma lei garantindo esse direito em todo o território nacional. Sabendo que as chances de o projeto ser aprovado seriam mínimas, o plano era justamente expor adversários republicanos que votassem contra o projeto.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS