SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sair sozinha pode parecer algo do dia a dia. Mas, para algumas mulheres, uma ação tão simples pode virar uma jornada de autoconhecimento que passa pela descoberta da vontade de aproveitar a própria companhia em atividades que vão desde um cinema a um jantar. O gesto de sair sem a companhia de ninguém bombou nas redes sociais sob a etiqueta de “dates solo”.
O termo vem do inglês “solo date”, ou encontro sozinho, e resume a ideia de não ter um problema em sair sozinho. É o caso de Natália Paixão, 29, publicitária natural de Belém, que hoje compartilha sua rotina de “encontros com ela mesma” nas redes sociais.
“Eu não queria deixar de fazer determinadas coisas porque não tinha ninguém para me acompanhar”, afirma Paixão, que começou a sair sozinha depois da pandemia.
A cerca de 2.900 km de distância de seus amigos e familiares que ficaram na capital paraense. Paixão se mudou para São Paulo há quatro anos em busca de melhores oportunidades de trabalho e viu que se não fosse sozinha, não faria as atividades que deseja. Hoje seus roteiros passam por cinemas, cafés e bares.
“No começo, tive medo de as pessoas acharem que eu estava abandonada ou algo do tipo”, diz a publicitária.
A ideia não é infundada. A psicóloga e fundadora do Psifem (Núcleo de Estudos em Psicologia Feminista), Lavínia Palma diz que esse pensamento é popular porque antes não era comum que a mulher fosse vista sozinha, processo que, hoje, vem sendo ressignificado.
“Até então, estar sozinha era entendido como uma mulher que não tinha sido escolhida. Então muitas não conseguiam sair, viajar, ir num restaurante, porque podiam ser lidas como alguém que ninguém quis”, afirma Palma.
Ainda de acordo com a psicóloga, a divisão entre o que é determinado como atividade de mulher ou de homem define como o gênero feminino é julgado a partir das atividades que decide fazer.
“Para nós, mulheres, o que é destinado é basicamente o caminho do amor e da maternidade, que é o que vai chancelar se essa mulher tem valor ou não.”
Desde muito cedo, as mulheres são colocadas em uma posição de vulnerabilidade e de dependência do parceiro, diz a especialista, mas, segundo ela, hoje há essa busca feminina por individualidade.
Para a publicitária, o processo em tentar se descobrir começou, justamente, quando ficou solteira de um longo relacionamento.
“Eu fazia tudo para essa pessoa, fiquei extremamente dependente e só percebi o que eu tinha me tornado depois que a gente terminou. Foi ai que entendi que mesmo antes dessa pessoa aparecer na minha vida, eu já existia”, afirma Paixão.
Decisões como qual filme assistir ou qual prato comer eram sacrifícios que Paixão fazia pelo relacionamento.
Terminado o relacionamento, ir ao cinema foi a primeira atividade que ela fez sozinha. E, para ela, o roteiro simplificado ajudou. “Você escolhe o filme, compra a sua pipoca, seleciona sua poltrona e assiste o filme, não vai precisar conversar com outras pessoas.”
Sair sozinha para turistar em uma cidade nova também foi uma das atividades que Lívia Freire, 26, decidiu fazer. A administradora, vive há dois anos em Campinas, no interior de São Paulo, e diz ter achado desafiador não ter com quem compartilhar o que via.
“Ao mesmo tempo foi legal porque entendi que era possível me distrair comigo mesma e me divertir de outra forma.”
Apesar de ter mudado de cidade junto com sua família, Freire se sentia sozinha para sair e lembra que a coragem para dar esse pontapé inicial veio das redes sociais.
“Sou mais introvertida, então essa decisão de fazer esses ‘dates solo” foi uma das formas que encontrei de aproveitar minha própria companhia e não ficar lamentando que eu não conheço ninguém na cidade nova”, diz.
Com a experiência, ela fez uma lista de cem lugares para conhecer sozinha e compartilhou em suas redes sociais.
Parte dos lugares citados por ela foi pensado justamente para causar desconforto, tipo um jantar em restaurante sozinha passeio ao qual ela diz que pretende ir em breve.
Para sair, Lívia Freire procura se arrumar do seu jeito, com uma maquiagem mais natural, mas como como se fosse para um encontro com outra pessoa mesmo. “Acho que faz parte dessa experiência do date.”
Um “date solo”, inclusive, não precisa acontecer, necessariamente, em algum lugar público, na visão dela.
“Eu posso muito bem me arrumar, colocar um pijama arrumadinho, fazer um skincare e ver um filme que quero para ter esse momento de aproveitar minha própria companhia”, afirma Freire.
O ritual de se arrumar para esses encontros também faz parte da rotina de Paixão, mas depende muito do local a ser visitado. Geralmente ela diz que gosta de se arrumar, fazer uma maquiagem e usar uma roupa que faz parte do seu estilo, tudo isso enquanto escuta uma playlist de acordo com a ocasião. “Me arrumo como se fosse a protagonista do meu próprio filme”, diz.
Das musicas que a acompanham enquanto se prepara para o passeio, não sai do ouvido “Dona de Mim”, da cantora Iza. “Sei que é clichê, mas essa música tem um papel muito fundamental aqui porque ela vai guiar meu rolê”.
Solteira, a publicitária diz que caso volte a se relacionar novamente, pretende continuar seguindo com esses momentos de individualidade.
“Acho que precisamos entender que já existíamos antes. E se uma pessoa aparecer, é para me complementar, ou seja, me incentivar a fazer coisas até mesmo sozinha porque em um relacionamento eu ainda quero ter minha individualidade.”
Esse processo de despertar e praticar a solidão, de acordo com a psicóloga Lavínia Palma, tira o homem do lugar central das relações e, na visão dela, dificulta o desenvolvimento de dependência afetiva.
“É fundamental que mulheres, mesmo após relacionamentos, continuem tendo esses momentos. Desenvolver essa capacidade de ficar sozinha em meio a tantos papeis que desempenhamos é um dos ingredientes fundamentais para uma vida plena”, afirma a psicóloga.
ANDREZA DE OLIVEIRA / Folhapress