SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa sessão instável, o dólar operou em forte alta e chegou a bater os R$ 5,430 na máxima desta quarta-feira (12), em meio a ruídos sobre o cenário fiscal brasileiro, que seguem pesando contra os ativos locais. À tarde, no entanto, a moeda americana desacelerou, após o banco central americano ter decidido manter os juros dos Estados Unidos inalterados e sinalizado um corte na taxas neste ano.
Já a Bolsa brasileira registra forte queda desde o início do dia, caminhando para fechar o pregão no patamar dos 119 mil pontos.
Incertezas sobre a condução da política econômica vêm assustando investidores e descolando os índices locais dos mercados globais. O enfraquecimento político do ministro Fernando Haddad (Fazenda), que sofreu uma série de derrotas nas últimas semanas, tem sido mencionado por agentes do mercado.
“O mau humor continua ligado ao desgaste do governo com o mercado, particularmente pela condução da política fiscal. Há um temor crescente de que a visão mais ponderada de Haddad está perdendo força dentro do governo”, diz Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad.
No revés mais recente, o Congresso Nacional recusou na terça-feira (11) a medida criada pelo governo para restringir o uso de créditos tributários por parte de empresas.
A MP (medida provisória) que entra em vigor imediatamente, mas precisa ser aprovada posteriormente pelo Congresso havia sido enviada pelo governo aos parlamentares apenas uma semana antes, alterando regras do PIS/Cofins.
“Se, por um lado, o fracasso da MP dá algum conforto para setores produtivos que seriam mais impactados com a limitação dos tributos federais, por outro segue o enorme desafio de equilibrar as contas públicas em 2024 e nos próximos anos”, diz a equipe da Levante Investimentos.
Além disso, declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em evento no Rio de Janeiro também pesaram contra os negócios.
O chefe do Executivo afirmou que o governo está “arrumando a casa e colocando as contas públicas em ordem para assegurar o equilíbrio fiscal”, mas sugeriu que o ajuste deve ocorrer com um aumento ainda maior na arrecadação, sem mencionar corte de gastos.
“O aumento da arrecadação e a queda da taxa de juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento público”, disse o presidente.
Com isso, às 15h45, o Ibovespa caía 1,48%, aos 119.823 pontos, enquanto o dólar subia 0,32%, cotado a R$ 5,378.
Os indicadores iam na contramão do exterior. Nos EUA, o S&P 500 e o Nasdaq subiam mais de 1%, e o índice DXY, que mede o desempenho do dólar ante outras moedas fortes, caía cerca de 0,70%.
O otimismo nos mercados americanos teve como catalisador a divulgação do índice de inflação CPI (Índice de Preços ao Consumidor, na sigla em inglês), que caiu para 3,3% em maio, levemente abaixo das previsões do mercado, de 3,4%, segundo o Departamento do Trabalho dos EUA.
“Vínhamos observando sinais de desaquecimento no mercado de trabalho, imóveis e serviços, mas o dado que realmente importa é o CPI. E hoje ele mostrou que a história de desaceleração é a mais provável”, diz Beto Saadia, diretor de investimentos da Nomos.
O número teve impacto imediato nos indicadores globais, e o Brasil conseguiu surfar brevemente na onda de otimismo. O dólar, que havia começado o dia em leve alta, engatou queda momentânea após a divulgação do CPI de maio, por volta das 9h30, e os rendimentos dos títulos do Tesouro americano, os chamados “treasuries”, também caíram. As Bolsas americanas abriram em níveis recordes.
As projeções sobre corte de juros nos EUA também melhoraram. Agora, negociadores passaram a atribuir 84% de chance de uma redução nas taxas americanas em setembro, aumento considerável em relação aos 60% registrados anteriormente. Eles preveem, ainda, que o Fed deve realizar dois cortes de juros neste ano.
“Os dados do CPI, apesar de registrarem reduções marginais, renovam as esperanças para a retomada do processo de desinflação. Depois de uma semana bastante agitada por conta dos dados fortes de contratações, números abaixo da expectativa reanimam as apostas de que os cortes na taxa de juros podem iniciar em setembro”, afirma Igliori, da Nomad.
A euforia manteve-se mesmo após a divulgação da nova decisão sobre juros do Fed, que confirmou as expectativas do mercado e manteve as taxas inalteradas na faixa entre 5,25% e 5,50%, além de ter sinalizado apenas um corte de juros neste ano.
Os membros do Fomc (comitê de política monetária americano) reconheceram que “houve progressos adicionais modestos” em direção ao seu objetivo de inflação de 2%, numa afirmação mais confiante do que na sua última reunião, em maio.
Quatro membros do comitê, no entanto, disseram que não esperavam fazer nenhum corte, enquanto sete projetaram apenas um corte de 0,25 pontos percentual. Oito dos 19 membros apoiaram dois cortes.
A postura cautelosa já era esperada pelo mercado, em especial considerando que os últimos dados de emprego nos EUA, divulgados na última sexta (7), mostraram força da economia.
O último relatório de emprego americano, conhecido como “payroll”, mostrou que foram criadas 272 mil novas vagas de trabalho nos EUA em maio, bastante acima das expectativas de 180 mil postos de economistas consultados pela Bloomberg.
Marcelo Vieira, chefe da mesa de renda variável da Ville Capital, lembra que o mercado de trabalho costuma ser acompanhado de perto pelo Fed e é um dos principais fatores que influenciam as decisões de juros da autoridade monetária.
“O mercado de trabalho aquecido gera mais custos para as empresas, que terão que repassar esses valores. Além disso, há o aumento de renda, que gera mais consumo. São dois fatores muito fortes para a inflação”, diz Vieira.
Ele afirma, ainda, que a proximidade das eleições americanas deve limitar o poder de ação do banco central americano, que costuma se manter fora das discussões políticas. A previsão de desastres naturais com a temporada de tempestades americanas, que pode gerar picos inflacionários, também está no radar.
Além disso, o dado de inflação desta manhã não foi apreciado pelos diretores durante a decisão e pode amenizar o cenário para os próximos meses.
Vale lembrar que, antes do CPI desta terça, previsões mais pessimistas já consideravam que não haveria nenhum corte nas taxas americanas neste ano. Por isso, a sinalização do Fed de uma redução foi encarada com otimismo por parte do mercado.
MARCELO AZEVEDO / Folhapress