SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A mudança de presidência do Banco Central e a forma como a autarquia pautará suas decisões com um indicado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao comando será um grande teste para os rumos da economia do Brasil. A avaliação é de Manuel Orozco, analista de Brasil da S&P Global.
A declaração ocorreu em conversa com a reportagem, após o executivo ser questionado sobre a possibilidade de uma volta “ao passado”, com medidas que deterioraram as contas públicas, como a interferência em decisões de juros do BC, e que levaram a uma sequência de cortes na nota de crédito soberano do Brasil.
Orozco afirma que a autonomia do BC foi uma das reformas dos últimos anos que ajudaram a dar consistência ao crescimento econômico do Brasil e que contribuíram para a última melhora na classificação do país.
No fim do ano passado, a S&P Global Ratings elevou a nota de crédito do Brasil de BB- para BB. A melhora na classificação aconteceu logo após a aprovação da reforma tributária.
Orozco e uma equipe de diretores da S&P estiveram em São Paulo nesta quarta-feira (12) para um evento com investidores brasileiros. À reportagem, o analista afirmou que as condições que levaram à melhora na nota do país permanecem.
Ele disse acreditar que os ruídos que têm feito com que as expectativas do mercado para a inflação estejam desancoradas são de curto prazo. Mas alertou que vários ruídos seguidos podem comprometer não apenas as projeções mas a própria economia do país por um período maior.
“Primeiro é PEC Kamikaze [no governo passado], depois a PEC da Transição, dúvidas sobre o novo arcabouço fiscal, mudança de meta fiscal, piora do déficit… Daqui a pouco não vai ser mais só algo momentâneo”, diz o analista.
Orozco afirma que a política monetária atualmente é um dos pontos positivos do país, apesar do patamar alto da taxa básica de juros. Segundo ele, é importante manter os parâmetros técnicos nas decisões, mesmo após a saída de Roberto Campos Neto da presidência do BC, em dezembro deste ano.
Alguns fatores têm elevado as taxas dos contratos de juros futuros, assim como o prêmio de risco cobrado pelos investidores para tomar títulos de dívida de longo prazo do governo brasileiro. O dólar também tem subido a cada sessão e atingiu o patamar dos R$ 5,40.
Um dos fatores que têm provocado essa reação do mercado é a certeza de que os juros nos Estados Unidos permanecerão altos por mais tempo. Nesta quarta-feira, o Federal Reserve, banco central americano, indicou apenas um corte de juros em 2024, sendo que no começo do ano o mercado esperava ao menos três cortes.
Mas a economia doméstica também tem pesado no humor dos investidores. O racha na decisão de juros do último Copom (Comitê de Política Monetária) entre diretores indicados pelo atual governo e os indicados pela gestão anterior também fez com que investidores duvidassem se o BC permanecerá ferrenho na luta contra a inflação após a saída de Campos Neto.
Além disso, a mudança de meta de resultado primário, de superávit para déficit zero em 2025, também trouxe dúvidas sobre a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal. O fato de o governo focar o ajuste das contas públicas no aumento da arrecadação desperta temor no mercado.
Orozco diz que uma organização definitiva das contas públicas é o que falta para o Brasil voltar a alcançar o grau de investimento (faltam dois níveis para o país atingir esse patamar).
O país chegou a esse nível pela última vez em abril 2008, durante o segundo mandato de Lula, mas perdeu em setembro de 2015, em meio a uma deterioração fiscal durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
Questionado sobre qual a diferença das condições em 2008 e agora que nos distancia do grau de investimento, Orozco menciona a dívida pública líquida, que está em 61,2% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto naquela época estava em 35%.
Para Gregg Lemos-Stein, diretor de análise da S&P que também participou da conversa, a deterioração fiscal é uma questão observada nas principais economias do mundo, algo que se agrava com o patamar elevado dos juros.
“Esse é um desafio que precisa ser enfrentado globalmente. Com a perspectiva de juros altos por mais tempo, o custo da dívida também aumenta. É um dos riscos emergentes no mundo”, diz.
STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress