Concentrações da cracolândia voltam a diminuir, e usuários passam a andar pelo centro de SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao menos duas vezes por dia, equipes da gestão municipal percorrem com drones a aglomeração de usuários de drogas em ruas do centro de São Paulo, conhecida há mais de 30 anos como cracolândia, para contar o número de frequentadores. Há seis semanas a média que beirava 600 pessoas por dia ficou abaixo de 400, no período da tarde.

As contagens são feitas na rua dos Protestantes, na Santa Ifigênia, onde está fixada a principal aglomeração desde julho do ano passado, e também em ruas ocupadas pela cracolândia anteriormente.

Em quase um ano, uma série de mudanças da gestão da cracolândia por parte dos entes públicos impactou o comportamento dos dependentes. Em vez de ficarem o dia no mesmo ponto, grupos maiores passaram a se movimentar com mais frequência pelo centro.

Aumento das prisões, sobrevoo constante de drones e a proibição por parte da polícia de acessarem a rua dos Protestantes com mochilas, sacolas, bolsas ou bicicletas, usadas supostamente para esconder a droga, estão entre os motivos apontados por usuários ouvidos pela reportagem sobre a predileção pela rotina itinerante.

De janeiro a maio deste ano, mais de 560 pessoas foram presas na cracolândia, sendo que 161 responderam pelo crime de tráfico de drogas.

Houve também centenas de detenções de frequentadores com medidas cautelares vigentes. São pessoas condenadas por crimes de menor potencial ofensivo –como furto ou porte de pouca quantidade de drogas–, que obtiveram o benefício de cumprir a pena em liberdade ou com tornozeleiras eletrônicas. Nesse caso, porém, é proibido frequentar locais onde há consumo de drogas e bebidas alcoólicas. Segundo a Polícia Civil, cerca de 70% do fluxo de usuários está nessa situação.

A maior retração na contagem de frequentadores ocorreu em maio, mês em que foi registrada a menor média diária dos 12 meses anteriores, quando o fluxo ocupou ruas da Santa Ifigênia, após meses de dispersão de usuários pelo centro.

A mudança da cracolândia do entorno da praça Júlio Prestes, onde ficou por mais de 20 anos, e, depois, para a praça Princesa Isabel, alvo de megaoperação policial em maio de 2022, deflagrou o vai e vem constante de dependentes químicos.

Após se fixar na Santa Ifigênia, a proximidade dos usuários com o centro comercial de produtos eletrônicos levou a uma série de cenas de violência e confusão, sucessivos saques nas lojas e protesto de comerciantes por mais segurança.

Foi quando a quantidade de frequentadores que tinha despencado no período de abril a junho do ano passado teve um pico no mês seguinte -mais de mil pessoas foram contabilizadas em um único dia na parte da tarde. As contagens são feitas diariamente nos períodos matutino e vespertino, sendo que a concentração mais acentuada sempre ocorre a tarde.

Após dias de instabilidade na cracolândia e o reflexo na queda de movimento de clientes na Santa Ifigênia, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a gestão Ricardo Nunes (MDB) deflagraram uma série de novas ações em relação aos usuários, como a identificação de pessoas com pendências judiciais, além da instalação de câmeras com reconhecimento facial capazes de registrar imagens ampliadas e nítidas da movimentação de suspeitos de serem traficantes.

Imagens de monitoramento passaram a embasar inquéritos policiais, que passaram a identificar os traficantes também como suspeitos por formação de organização criminosa. Segundo o vice-governador Felício Ramuth (PSD), a estratégia se converteu em aumento da manutenção das prisões pela Justiça.

Antes, a maioria dos acusados era solta porque quase sempre são presos com pouca quantidade de drogas e são considerados dependentes químicos, diz Ramuth.

Procurada, a Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo disse ter conhecimento sobre as prisões legítimas, como de procurados pela Justiça, mas relatou outros casos que não cumprem protocolos judiciais.

“Nas operações que a polícia tem feito e que tem prendido pessoas na cracolândia, 90% acabam depois sendo absolvidas ou acabam sendo soltas, de tanta irregularidade que tem no processo de prisão. Mesmo ela cumprindo medidas cautelares tem diversas formas de abordagens, porque tem esculacho, tem agressão física”, disse o advogado Rildo Marques de Oliveira, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e coordenador do Núcleo de Movimentos Sociais e População de Rua.

Durante passagem pela cracolândia, a reportagem registrou o momento em que policiais militares usaram aparelhos de celular para fotografar o rosto de frequentadores do fluxo. Usuários confirmaram que a prática tem sido recorrente.

A Secretaria da Segurança Pública da gestão Tarcísio disse que se trata de uma forma de identificação. “Caso o indivíduo não apresente documentos ou reste dúvidas sobre sua identificação, o registro fotográfico é realizado de maneira a preservar seus direitos, evitando sua condução à delegacia para legitimação”, informou o órgão em nota.

Oliveira afirmou que o registro fotográfico é ilegal. “Decisão no Supremo Tribunal Federal (STF) tornou ilícito extrair dados de celulares das pessoas, assim como não é lícito a Polícia Militar fotografar pessoas e construir o seu próprio banco de dados”, diz o advogado. “Aliás, isso não é uma novidade da cracolândia, acontece muito na periferia, na abordagem que a polícia tem feito em diversas comunidades.”

Questionada após a fala de Oliveira, a SSP disse que a identificação dos usuários é rigorosamente realizada dentro da lei e que as pessoas detidas têm seus direitos garantidos. “Por meio destas ações, aliadas ao uso de tecnologia e inteligência, tem sido possível localizar e prender, entre outros, líderes do tráfico de drogas, receptadores de celulares, foragidos da Justiça e criminosos em liberdade provisória ou em ‘saidinha’ temporária que descumprem as medidas legais”.

As prisões foram questionadas pelo Ministério Público, que acusa a Polícia Civil de não seguir as medidas legais. “Na resposta, ressaltamos sobre a importância de manter as prisões e estamos aguardando decisão da Justiça”, diz Ramuth.

Apesar do aumento das detenções, o vice atribui ao monitoramento de câmeras de vigilância e à presença mais constante de agentes de saúde a tendência de redução do número de pessoas no fluxo.

Segundo ele, entre os frequentadores, cerca de 120 pessoas estão em situação crítica de abuso de drogas. “As pessoas não estão lá se divertindo, não é uma cracolândia, é uma cena aberta de uso”, diz o vice-governador, que insiste na mudança de alcunha da aglomeração de usuários.

A gestão Nunes disse que houve redução de 27% na estimativa do número de pessoas na rua dos Protestantes entre abril e maio. No mesmo período, a Guarda Civil Metropolitana afirmou ter executado 137 prisões na cracolândia em parceria com a Polícia Militar. As equipes de saúde fizeram mais de mil encaminhamentos a unidades de saúde nos dois meses.

MARIANA ZYLBERKAN E PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTICIAS RELACIONADAS