SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O balão em formato de cigarro de 20 metros, com os dizeres “fogo na bomba” e “legalizar o futuro” anuncia a Marcha da Maconha, que acontece pela primeira vez em um domingo, dia em que a avenida Paulista fica fechada para carros e a cidade de São Paulo tem ônibus gratuitos. Neste ano, o balão dividia espaço com cartazes em repúdio à PEC das Drogas e ao PL Antiaborto por Estupro.
O público que acompanha a marcha se concentrou em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo), às 14h20. Depois, deu início a uma caminhada até a rua da Consolação e, depois, com destino à praça da República. Cem mil sementes de maconha eram distribuídas.
O abre-alas da marcha foi o bloco terapêutico, onde estavam o deputado estadual Eduardo Suplicy e Cidinha Carvalho, presidente da Cultive, associação que defende o uso medicinal da Cannabis.
“A PEC é um atraso”, disse Suplicy sobre a proposta de emenda à Constituição que determina que é crime possuir ou carregar drogas independentemente da quantidade e da substância. A PEC foi aprovada na última quarta (12) pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados.
“Vai na direção contrária a inúmeros países da Europa e dos Estados Unidos, onde a Cannabis é respeitada e utilizada com base em estudos científicos”, afirmou o deputado.
A fumaça dos cigarros se misturava ao tradicional cheiro de churrasquinho na av. Paulista, vendido junto a brigadeiros, brownies e trufas com a substância a maioria a R$ 10.
“Querem falar de crime no trecho da Constituição que fala de direitos fundamentais”, disse Lara Portugal, 37, integrante da organização da Marcha da Maconha. “Marchamos hoje pela liberdade e, cada vez mais, pelo direito de existir.”
Sob o mote “Bolando o Futuro sem Guerra”, a organização anunciava a marcha como “o maior ato de desobediência civil do país”, já que o consumo de maconha é proibido, ainda que não seja crime.
“Vão para trás da faixa, lá vocês podem fumar, lá a gente garante”, dizia a organização pelo alto-falante.
Os manifestantes alternavam os gritos de guerra “arroz, feijão, maconha e educação”, “ei, polícia, maconha é uma delícia” e “sou maconheiro, com muito orgulho, com muito amor”.
“Perdi meu filho, mas não vou parar”, afirmou Ricardo Bordingnon, 48, pai de Samuel Ladário, que morreu em fevereiro, aos 17 anos.
Segundo Bordingnon, um processo impediu que sua família seguisse cultivando Cannabis para o tratamento de epilepsia e autismo. O habeas corpus que sustentava o cultivo foi suspenso e, sem o tratamento, o filho ficou agressivo, teve engasgos e convulsões.
“A Cannabis deu qualidade de vida ao Samuel, viemos aqui representar essa luta”, disse Bordingnon.
No Brasil, o uso da Cannabis é autorizado somente para fins medicinais, por exemplo, em produtos à base de canabidiol (CBD) ou THC (tetra-hidrocanabinol). O acesso, no entanto, não é simples, e o paciente precisa enfrentar um processo que pode durar meses, seja para importar produtos à base de maconha ou para obter autorização para cultivar a planta e produzir seu próprio óleo medicinal.
É o 16º ano em que a Marcha da Maconha pede a legalização do uso da substância, mas o protesto hoje abraça outras pautas da agenda política no país.
Entre eles, o julgamento da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, que está parado no STF (Supremo Tribunal Federal), e o PL Antiaborto por Estupro, que também avançou nesta semana na Câmara.
O projeto de lei foi alvo de outro protesto um dia antes na mesma av. Paulista. Pelo menos 5.000 pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, manifestaram-se contra a proposta de restringir o aborto legal no país e tiveram como alvo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Outra pauta da Marcha da Maconha é a violência policial no estado de São Paulo, principalmente após as mortes das operações Escudo e Verão.
“A luta é transversal. Todos estamos contra o controle do Estado sobre nossos corpos e contra o moralismo das igrejas”, afirma Gabriela Moncau, 35, integrante da organização da Marcha. “Queremos um mundo mais justo e isso não acontece só legalizando drogas.”
GABRIELA CASEFF / Folhapress