SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após meses de ameaças nucleares relacionadas ao apoio ocidental à Ucrânia contra a invasão russa, a Otan mudou sua postura de considerá-las somente um blefe e entrou no jogo proposto por Vladimir Putin.
O secretário-geral da aliança militar ocidental, o norueguês Jens Stoltenberg, afirmou ao jornal britânico The Telegraph que o grupo está discutindo a retirada de parte de seu arsenal nuclear de depósitos, colocando as ogivas em prontidão para uso imediato.
“Eu não vou entrar em detalhes operacionais sobre quantas ogivas nucleares devem estar operacionais e quantas devem estar estocadas, mas nós precisamos nos consultar sobre essas questões. É exatamente isso que estamos fazendo. A transparência ajuda a transmitir a mensagem direta de que nós, é claro, somos uma aliança nuclear”, disse.
A resposta do Kremlin foi imediata. O porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, afirmou nesta segunda (17) que seu governo vê a frase como uma escalada nas tensões com a Otan. Já o chefe do serviço de inteligência internacional russo, Serguei Narichkin, disse à agência Tass que Stoltenberg “só quer nos intimidar”.
O fato é que essa foi a posição de Moscou desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, com Putin já em seu primeiro discurso em guerra ameaçando quem interviesse no conflito. Deu certo: a Otan até sugeriu, mas nunca de fato cogitou o envio de soldados para ajudar Kiev.
Ao longo da guerra, Putin e outras autoridades russas sempre voltaram ao tema, ora dizendo que o emprego de armas nucleares era impensável, ora defendendo mudança na doutrina de seu uso, e mais recentemente, afirmando que a escalada na ajuda militar ocidental aos ucranianos e a sugestão francesa de mandar tropas para o país invadido empurravam o mundo para conflito geral.
Quando autorizaram o uso de armas ocidentais contra alvos em solo russo, os Estados Unidos e seus aliados na Otan pagaram a aposta. Até aqui, não houve nada além de queixas de Putin, embora um número considerável de comentaristas e políticos russos insista que o país precisa dar alguma demonstração de força.
Stoltenberg não detalhou sobre quais armas falava, mas certamente se trata do arsenal de armas táticas em território europeu, que são objeto da política de compartilhamento nuclear criada pelos americanos.
Há ao menos cem bombas de menor potência e uso militar restrito ao campo de batalha, na teoria, em seis países da Otan na Europa. Elas ficam estocadas em cofres subterrâneos, só sendo colocadas em modo operacional, isto é, nos aviões que as lançam, em caso de conflito.
Durante a Guerra Fria, era diferente: caças e bombardeiros da Otan faziam patrulhas com as armas ativas, assim como seus rivais soviéticos. Stoltenberg não chegou tão longe a ponto de dizer que vai reativar a prática, mas sugere que as bombas devam estar em posição de serem carregadas imediatamente.
Tudo isso parece detalhe, mas é sinalização importante no mundo da diplomacia nuclear. Neste ano, a Holanda tornou-se o primeiro país a operar os novos caças americanos F-35 com capacidade de lançar versões da bomba B61. Até então, eram modelos F-16 que faziam o serviço, assim o Panavia Tornado na Alemanha.
O secretário-geral também não disse se Washington pretende transferir parte do arsenal tático que está em seu solo, estimado pela Federação dos Cientistas Americanos em outras cem ogivas. A referencial entidade diz que os russos têm 1.558 bombas táticas, todas estocadas.
Foi o emprego dessas armas que Putin testou ao longo das últimas semana, em exercícios que testaram a velocidade com que foram armados mísseis balísticos, navais, aviões de ataque e bombardeiros em uma área que foi das fronteiras da Ucrânia ao mar Báltico.
A manobra foi uma resposta direta à movimentação ocidental de retomada de apoio a Volodimir Zelenski.
Esse arsenal não deve ser confundido com o de ogivas estratégicas, mais potentes e que visam acabar com cidades inteiras. Tanto Rússia quanto EUA, que detêm 90% das bombas do planeta, ainda respeitam os limites do suspenso tratado Novo Start, com aproximadamente 1.700 ogivas do tipo prontas para serem disparadas de silos, lançadores móveis, submarinos e bombardeiros.
Na semana passada, o diretor de controle de armas da Casa Branca, Pranay Vaddi, havia feito comentários semelhantes ao de Stoltenberg, só que acerca de armas estratégicas, citando o risco de conflito não só com a Rússia, mas com a China, potência aliada de Moscou que hoje tem 520 ogivas e um arsenal em expansão.
“Salvo uma mudança nos arsenais adversários, nós deveremos atingir um ponto nos próximos ano em que o aumento do atual número de ogivas operacionais será necessário. Nós temos de estar totalmente preparados caso o presidente tome tal decisão”, disse.
Stoltenberg lembrou que “nós podemos enfrentar algo que nunca enfrentamos antes, dois potenciais adversários com armas nucleares, China e Rússia”. “É claro que isso tem consequências”, afirmou.
A China foi duramente criticada pelos líderes ocidentais por ter se recusado a participar da conferência sobre a paz na Ucrânia na Suíça, neste fim de semana. Pequim considerou o encontro, sem um convite à Rússia, inócuo. Os EUA têm acusado os chineses de apoiar a indústria militar russa, embora não tenham falado em envio de armas.
IGOR GIELOW / Folhapress