SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seis em cada dez brasileiros são favoráveis ao aumento de impostos e do preço das bebidas alcoólicas como forma de reduzir o consumo e ajudar as pessoas a beber menos. A maioria (67%) considera barato o preço desses produtos.
O apoio a outras medidas preventivas também é grande. Dois terços (66%) da população, por exemplo, defendem o aumento da idade legal para beber, 58% defendem a proibição de publicidade na TV, rádio e redes sociais e 57% são a favor da redução do horário em que bebidas alcoólicas possam ser compradas e consumidas.
A conclusão é de um levantamento nacional realizado pela Vital Strategies, organização internacional de saúde pública que atua em 73 países. Foram ouvidos 1.001 brasileiros com 18 anos ou mais, de modo a representar todo o país, entre 8 de março e 11 de abril deste ano. A margem de confiança é de 95%.
A pesquisa subsidia a campanha “Quer uma dose de realidade?”, que a Vital Strategies e a ACT Promoção da Saúde lançam nesta terça (18), em Brasília, para sensibilizar parlamentares para a regulamentação do imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas na reforma tributária.
O texto da reforma está na Câmara dos Deputados para as revisões finais. Entre as mudanças previstas, está a tributação de bebidas por volume e teor alcoólico, com alíquotas que serão definidas até 2026. A ideia é que a alíquota do chamado “imposto do pecado” seja maior sobre um litro de vodca (com teor alcoólico de 50%) do que sobre um litro de cerveja (5%), por exemplo.
A campanha, que inclui outdoors e painéis no aeroporto de Brasília, nas vias de acesso à Esplanada dos Ministérios, Banco Central e Congresso Nacional, apresenta imagens de pessoas impactadas pelos danos causados pelo álcool, com legendas como: “O álcool é um dos maiores causadores de câncer de mama e de cólon Parlamentar, se o álcool provoca mortes, tem que pagar mais imposto”.
Quase metade (46%) dos entrevistados na pesquisa considera o consumo de álcool um grande problema social. Entre os danos à saúde pública, são mencionados aumento no risco de acidentes de trânsito (96%), violência contra a mulher (95%) e abuso infantil (85%), maior risco de quedas e lesões (93%), doenças hepáticas (91%) e homicídios (90%).
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o álcool está associado a mais de 3 milhões de mortes no mundo por ano e contribui com mais de 5% da carga global de doenças e lesões. Ele também é um importante fator de risco para as DCNTs (Doenças Crônicas Não Transmissíveis), entre elas câncer e doenças cardiovasculares, além de distúrbios mentais e comportamentais.
“Chama a atenção a percepção muito clara da população sobre os diversos tipos de danos sociais causados pelo álcool e a compreensão de que a tributação é um instrumento hábil para dar conta disso”, diz Pedro de Paula, diretor-geral da Vital Strategies Brasil.
Ao menos 148 países no mundo já aplicam impostos especiais como forma de desincentivar o consumo. Antes da guerra, por exemplo, a Ucrânia era um caso sucesso, com uma redução de venda de bebidas destiladas na ordem de 63% em oito anos_a alta de preço nas vendas foi de 120% no mesmo período.
Segundo Pedro Paula, ao colocar um tributo que tem um valor relativo por quantidade de álcool, a população vai perceber o que faz mal na bebida. “Qualquer quantidade faz mal e, progressivamente, quanto mais álcool você beber, mais mal fará.”
Para a OMS (Organização Mundial de Saúde), não existem limites seguros para o consumo de álcool. É considerado consumo regular a ingestão de álcool em três ou mais dias na semana; já o uso abusivo é caracterizado pela ingestão de quatro ou cinco doses em uma mesma ocasião, para mulheres e homens, respectivamente.
Segundo 84% dos entrevistados na pesquisa da Vital, as atuais leis sobre álcool são mal aplicadas. Mais da metade (58%) acredita que as empresas de álcool devam assumir a responsabilidade pelos danos causados pela bebida. Para 77%, o governo é responsável pelo enfrentamento desses prejuízos.
Dados do Observatório da Atenção Primária à Saúde, da Umane, mostram que o consumo de álcool no Brasil se mantém em altos patamares há quase duas décadas. De 2006 a 2023, o percentual de adultos nas capitais brasileiras que ingerem bebida alcoólica em pelo menos um dia da semana se manteve acima de 25%.
O Brasil assumiu um compromisso dentro dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), das Nações Unidas, de reduzir o consumo de álcool em 10% até 2030. Depois, fez um adendo elevando essa meta para 20%.
Quase a totalidade (94%) dos entrevistados na pesquisa da Vital defende a importância da educação de jovens sobre os danos do álcool, e 85% apoiam alertas nos rótulos dos produtos alcoólicos.
Além dos danos à saúde, outros estudos já mediram o impacto do álcool na produtividade das pessoas. A última edição da Covitel, outra pesquisa organizada pela Vital Strategies, mostrou que 900 brasileiros deixam de trabalhar ou tem o rendimento prejudicado uma vez por semana devido ao consumo de álcool.
“A indústria tem tentado emplacar o argumento do impacto econômico [que haveria com a incidência de mais tributação], mas isso é incomparável ao custo que se tem hoje sobre toda a saúde, a previdência e a produtividade”, diz o diretor da Vital.
Atualmente, a maior prevalência no uso de bebidas alcoólicas nas capitais brasileiras está na faixa etária que vai dos 25 aos 34 anos, com 35,4% dessa população ingerindo bebidas alcoólicas, segundo dados do Vigitel, sistema de fatores de risco para doenças crônicas por inquérito telefônico.
A pesquisa da Vital foi realizada com amostras representativas de adultos com cotas estabelecidas (idade, gênero, região, educação). As entrevistas foram conduzidas utilizando o sistema de Cati (entrevista telefônica assistida por computador).
O levantamento faz parte da iniciativa Reset Álcool, que reúne governos, sociedade civil, instituições acadêmicas e líderes globais de saúde pública. A proposta é promover as três melhores práticas recomendadas pela OMS para reduzir os danos causados pelas bebidas alcoólicas: aumentar a tributação do álcool, regular a disponibilidade e restringir a comercialização.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress