BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – As defesas dos acusados de serem os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) se queixam de não terem tido recebido todos os documentos que integram o processo. Segundo os advogados, o julgamento terá início sem que eles tenham acessado elementos relevantes para construir as respostas às acusações e para a elucidação do caso.
A análise da denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) está na pauta da 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) desta terça-feira (18).
Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio, e o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) foram denunciados sob acusação de encomendarem a morte da vereadora. O motorista da vereadora, Anderson Gomes, também foi morto na ação.
O ex-chefe de Polícia Civil Rivaldo Barbosa e os policiais militares Robson Calixto Fonseca, o Peixe, e Ronald Pereira são acusados de ajudar no planejamento do crime. Os dois últimos não haviam sido indiciados pela Polícia Federal no relatório final apresentado em março, mas foram presos a pedido da Procuradoria.
Um dos pontos centrais dos pedidos dos Brazão é o envio integral da delação do ex-policial militar Élcio Queiroz, que dirigia o carro para Lessa realizar os disparos contra a vereadora e o motorista. A colaboração é anterior à firmada pelo ex-PM Ronnie Lessa. Há indícios de contradições entre as versões dos dois colaboradores, o que poderia ser usado para questionar a veracidade das informações.
A Folha de S.Paulo identificou uma potencial divergência. Lessa afirmou aos investigadores que informou a Queiroz sobre a existência de terrenos como contrapartida pelo assassinato de Marielle.
“Falei para ele que daria para ele cinco terrenos, mas eu não disse onde era”, afirmou Lessa.
Queiroz, em dos anexos, disse que Lessa negou ter qualquer valor a receber pelo homicídio da vereadora. “Ele jurava que não tinha levado um centavo nisso daí. Isso ele jurou de pé junto o tempo todo.”
Não é possível saber, porém, se Queiroz mencionou os terrenos em outros anexos não divulgados ou numa eventual complementação de depoimento.
Ao relator do caso no STF, ministro Alexandre de Moraes, as defesas dos irmãos Brazão afirmam que a investigação é composta por uma rede complexa de procedimentos que tramitaram em diversas instâncias e foi resumida no relatório da Polícia Federal.
Depois da apresentação da denúncia pela PGR, em 9 de maio, a defesa de Domingos afirma que pediu acesso aos procedimentos sigilosos que lastrearam a denúncia, com ênfase na delação de Élcio Queiroz. Pediu, ainda, a garantia de entrevista reservada com o denunciado por mais tempo. Mas os pedidos foram indeferidos.
“Curiosamente, no curso do prazo para a manifestação defensiva, a autoridade policial juntou inúmeros documentos, inclusive sobre o resultado da análise dos equipamentos apreendidos, demonstrando que as condutas imputadas ainda estão sendo investigadas”, diz a peça assinada pelo advogado Márcio Gesteira Palma.
Depois da denúncia, Moraes levantou o sigilo da delação de Lessa.
Ainda que essa delação tenha sido disponibilizada, a defesa afirma que “inúmeros elementos formalmente citados nos autos” não o foram.
A defesa relata um segundo pedido, com uma lista de 17 itens, dentre eles, outros inquéritos, os autos e a delação de Queiroz, incluindo os vídeos, os autos relacionados à colaboração que tramitam na Justiça do Rio, as mídias apresentadas pelos peritos.
Moraes negou os pedidos. De acordo com o ministro, as defesas já têm acesso aos documentos necessários.
“Desde o oferecimento da denúncia pela PGR e o levantamento do sigilo dos autos, os requerentes possuem pleno acesso a todos os documentos necessários para a apresentação da resposta à acusação, incluídos os autos principais do inquérito, bem como a todos os apensos e mídias relacionados aos autos principais”, disse o ministro, em 17 de maio.
A defesa novamente contestou, usando a delação de Élcio Queiroz como exemplo. E afirma que a negativa viola a ampla defesa e o contraditório.
“A denúncia apresentada pela PGR arrola Élcio Queiroz, corréu colaborador, junto ao rol de testemunhas. Apesar disso, a defesa técnica não teve conhecimento dos termos da colaboração, tampouco dos registros em áudio e vídeo do acordo celebrado, estando impossibilitada de confrontar a versão do colaborador”, afirma.
O advogado de Chiquinho Brazão, Cleber Lopes, também se queixou da resposta. De acordo com ele, o próprio STF define, em súmula vinculante, que é direito do defensor ter amplo acesso aos elementos de prova já documentados.
“Não cabe, dessa forma, ao órgão acusatório, tampouco ao julgador, analisar o material e conceder acesso apenas à parte que entende ser necessária ao exercício da defesa, naturalmente porque filtrar o acesso às provas existentes a pretexto de avaliar a suficiência para a resposta não encontra previsão constitucional ou legal”, disse ao relator.
Lopes afirmou, ainda, que embora seja evidente a imensidão das investigações e o volume de elementos probatórios, o ônus de analisar todo o conteúdo é exclusivo da defesa, “não havendo que se falar em acesso apenas ao que o julgador considera necessário ou ‘suficiente'”.
Para ele, não basta que os advogados tenham acesso apenas aos autos principais que foram remetidos ao STF. É necessário o acesso a tudo que foi produzido que diz respeito à acusação.
“O relatório final apresentado pela autoridade policial conta com inúmeras referências diretas a procedimentos e provas dos quais a defesa não tem conhecimento”, afirmou.
O advogado também faz uma lista de documentos pedidos a Moraes, com 20 itens. Novamente, um dos destaques é a delação de Élcio Queiroz.
Ainda que não alegue cerceamento do direito de defesa, o advogado de Ronald, Igor Luiz de Carvalho, também pede mais informações caso a corte receba a denúncia.
ANA POMPEU E ITALO NOGUEIRA / Folhapress