SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil passou os quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL) com a taxa de homicídios estagnada no país, desperdiçando um período em que o envelhecimento da população e algumas políticas bem-sucedidas de segurança pública favoreciam a diminuição da violência.
A conclusão é do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública na nova edição do Atlas da Violência, publicada nesta terça-feira (18).
Nos últimos dez anos, houve uma redução de 25% na taxa de homicídios registrados o país. A taxa era de 28,9 assassinatos a cada 100 mil habitantes em 2012, e passou para 21,7 a cada 100 mil habitantes em 2022 -ano com os dados mais recentes analisados pelo Atlas. Era uma taxa mais alta do que em ao menos nove países da América do Sul, segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, por exemplo.
O estudo mostra que, em 2022, o país teve exatamente a mesma taxa de homicídios por 100 mil habitantes do que em 2019. Isso ocorreu logo após uma queda expressiva nesse tipo de crime. O primeiro ano do governo Bolsonaro teve uma queda de 21% nos homicídios, em relação 2018.
Depois disso, houve variações muito menores. O ano de 2022 teve leva queda, de 3,6%, na comparação com 2021 -quando a relação foi de 22,5 mortes registradas por 100 mil habitantes.
“Entre 2019 e 2022, a variação da taxa de homicídio no país foi nula”, ressalta o documento. O Atlas destaca que, durante esse período, a taxa de homicídio cresceu 6% na região Nordeste e 1,2% no Sul. Houve uma redução significantes das mortes violentas no Centro-Oeste brasileiro, de 14%, mas não foi suficiente para levar a tendência nacional a uma redução.
Os pesquisadores do Ipea e do Fórum listam três fenômenos que poderiam ter contribuído mais para a redução dos homicídios no Brasil. Entre elas está a “maior transição demográfica da sua história, a partir do começo dos anos 2000, rumo ao envelhecimento da população”. Eles citam um estudo que calculou uma redução de sete homicídios a cada 100 mil habitantes devido ao envelhecimento, ao longo da década de 2010.
Quase metade (49,2%) dos homicídios registrados em 2022 tem como vítimas pessoas de 15 a 29 anos, mostra o Atlas. São 62 mortes violentas de jovens nessa faixa etária por dia no país, em média.
O número de homicídios nessa faixa em dez anos, de mais de 321 mil pessoas, é maior do que a população de cidades como Barueri, na região metropolitana de São Paulo, e Palmas (TO).
Outro fator que contribuiria para a redução dos homicídios, segundo o Atlas, é o controle de armas de fogo a partir de 2003 com o Estatuto do Desarmamento. Segundo uma pesquisa citada no documento, calcula-se em 14 mil vidas poupadas em quatro anos, entre 2004 e 2007, com a diminuição da circulação de armas de fogo produzida pela legislação.
Além disso, os pesquisadores citam mudanças na gestão da segurança pública, como o investimento em inteligência policial e programas focados em prevenção contra a violência.
No sentido contrário, porém, houve a expansão da atividade de facções criminosas, que resultou no aumento das disputas pelo controle de rotas do narcotráfico, por território para venda de drogas e outras atividades ilícitas.
“Não houve qualquer sinal de melhoria na conjuntura da segurança pública no Brasil no período Bolsonaro”, diz o documento, em sua análise da conjuntura da violência no país. “A tendência de queda das Mortes Violentas Intencionais se exauriu, no rastro de uma legislação armamentista negacionista.”
PAÍS PODE TER QUASE 6.000 HOMICÍDIOS NÃO REGISTRADOS EM UM ANO
Além do número alto de homicídios registrado no país, pode haver uma quantidade ainda maior de mortes que não entraram na estatística oficial. A estimativa do Atlas da Violência é que o Brasil teve 5.982 homicídios ocultos em 2022.
Essa estimativa é baseada no índice de mortes violentas cujas causas não foram definidas, a princípio porque não era possível determinar se ocorreram por acidente, homicídio ou suicídio. Quando isso acontece, as ocorrências são classificadas como MVCI (Mortes Violentas por Causa Indeterminada). É a partir dessa categoria que o Atlas calcula os homicídios ocultos.
Para isso, o Ipea compilou as características de todas as mortes violentas no país desde 1996 -um total de 3,6 milhões registros. Cada um deles contém dados sobre o local da morte, instrumento usado na morte, idade da vítima, sexo, cor da pele, escolaridade e estado civil, por exemplo.
Com isso, o instituto conseguiu traçar os padrões de homicídios, suicídios e acidentes de cada região do país. Isso foi feito através de programas de computador que analisaram os dados de todas as 3,6 milhões de ocorrências, para conseguir identificar as características mais comuns dos homicídios entre as MVCIs, e conseguir classificá-las dessa forma com algum grau de segurança
Informações como local da morte e instrumento utilizado são centrais para determinar se uma MCVI é um provável homicídio. “Por exemplo, um menino negro que morreu na rua, alvejado por arma de fogo. A gente não precisa de modelo estatístico para dizer que há grande chance de esse menino ter sido assassinado”, explica o pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, um dos coordenadores do Atlas da Violência.
Os dados reunidos na publicação são coletados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinam) -dados de violência de notificação compulsória- do Ministério da Saúde.
Cerqueira diz que muitas vezes a polícia consegue concluir, após investigação, que um caso inicialmente classificado com causa indeterminada foi um homicídio. É comum, no entanto, que essa informação não seja atualizada nas bases de dados oficiais do governo.
Dessa forma, o estudo projeta que o Brasil teve um total de 52.391 homicídios em 2022, e não o número oficial de 46.409 casos registrados.
Esse problema é mais grave em alguns poucos estados. São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais são responsáveis por 72% dos homicídios ocultos no país.
No período de 2019 a 2022, o total de homicídios ocultos chega a mais de 24 mil casos. “Tais homicídios, cujas causas verdadeiras o Estado não reconheceu, corresponderiam a tragédias invisibilizadas como a queda de 160 Boeings totalmente lotados sem sobreviventes”, diz o documento.
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19 estados têm taxa de homicídios acima da média nacional; DF, SP e SC puxam média para baixo
Taxa de homicídios por 100 mil habitantes (2022)
Unidade Federativa – Registrados – Estimados
Brasil – 21,7 – 24,5
AC (Acre) – 26,4 – 26,7
AL (Alagoas) – 33,7 – 34,9
AP (Amapá) – 40,5 – 41,8
AM (Amazonas) – 42,5 – 43,5
BA (Bahia) – 45,1 – 46,8
CE (Ceará) – 32,6 – 39,0
DF (Distrito Federal) – 11,4 – 11,7
ES (Espírito Santo) – 27,7 – 32,6
GO (Goiás) – 23,1 – 24,4
MA (Maranhão) – 27,1 – 27,6
MT (Mato Grosso) – 30,3 – 32,1
MS (Mato Grosso do Sul) – 19,7 – 22,9
MG (Minas Gerais) – 12,5 – 14,6
PA (Pará) – 32,9 – 33,6
PB (Paraíba) – 27,2 – 27,4
PR (Paraná) – 22,3 – 23,6
PE (Pernambuco) – 35,2 – 37,7
PI (Piauí) – 24,1 – 25,2
RJ (Rio de Janeiro) – 21,4 – 26,2
RN (Rio Grande do Norte) – 32,5 – 35,5
RS (Rio Grande do Sul) – 17,1 – 17,9
RO (Rondônia) – 33,0 – 33,7
RR (Roraima) – 38,6 – 41,8
SC (Santa Catarina) – 9,1 – 9,7
SP (São Paulo) – 6,8 – 12,0
SE (Sergipe) – 32,7 – 34,3
TO (Tocantins) – 28,2 – 30,1
Fonte: Atlas da Violência 2023, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
TULIO KRUSE / Folhapress