SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Depois de meses adiando a definição da vice em sua chapa pela reeleição, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) ficou sem saída e cedeu às pressões do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pela indicação do ex-coronel da Rota Ricardo Mello Araújo (PL).
O prefeito e o governador, seu principal cabo eleitoral, organizam um jantar no Palácio dos Bandeirantes nesta quarta-feira (19) com dirigentes de partidos que apoiam Nunes, para aparar as arestas e sacramentar o nome.
Tarcísio viaja para Nova York (EUA) no final de semana, onde apresentará o projeto de privatização da Sabesp a investidores, e volta somente no início de julho.
O nome de Mello havia sido levado ao prefeito ainda ao fim de janeiro, pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Por meses, o emedebista conversaria com aliados e partidos da coligação, mas protelaria a escolha. Ele tinha a dianteira da situação por ter se mantido, na primeira metade do ano, como o único candidato associado ao campo da direita.
Depois daquele encontro entre Valdemar e Nunes, Tarcísio foi questionado por jornalistas sobre o tema e respondeu que não cabia a ele próprio ou a qualquer pessoa indicar nomes para a vice. “A maior característica do vice é a ligação feita com o próprio prefeito. A escolha tem de partir dele. Ele tem que ter confiança no nome que vai ser construído”, disse.
Aliados de Nunes reconheciam que o indicado precisaria do aval do governador, mas, ao menos publicamente, Tarcísio apoiava a autonomia do prefeito na escolha. O entorno do emedebista dizia que Bolsonaro também já havia manifestado a ele que a decisão, no fim, seria de Nunes.
O cenário mudou, porém, após a entrada do coach Pablo Marçal (PRTB) na corrida eleitoral.
Alinhado a valores ideológicos defendidos pelo bolsonarismo, ele marcou entre 9% e 7% em cenários testados pelo Datafolha ao fim de maio. Com o surgimento de outra pré-candidatura que poderia aglutinar a direita, o apoio de Bolsonaro e do PL havia ficado mais caro.
O cientista político Bruno Silva, pesquisador do Laboratório de Política e Governo da Unesp, diz que a chegada de Marçal à disputa foi uma oportunidade para Bolsonaro conseguir impor um homem fiel a ele na vice, o que acabou deixando Nunes acuado.
“Ele não tem para onde correr. Teve que abraçar essa agenda e, de alguma forma, vai ter que acatar os interesses desse grupo que estará junto com ele”, diz.
O prefeito ainda tentou manter o controle sobre a própria chapa. Mesmo depois que o ex-presidente reforçou publicamente a indicação de Mello Araújo para a vice, em meio a especulações sobre a possibilidade de apoio a Marçal, o emedebista afirmou que Bolsonaro “nunca fez nenhuma imposição” sobre a escolha.
O envolvimento de Tarcísio no processo, porém, foi a pá de cal nos planos de Nunes, que desejava adiar a decisão até o período das convenções partidárias, ao fim de julho. O governador, que cinco meses antes havia dito que a escolha caberia ao prefeito, afirmou à imprensa que apoiava o candidato de Bolsonaro e cobrou agilidade na indicação.
“Entendo que, até pela mudança de cenário, é mais do que nunca importante fazer esse acerto o mais rápido possível”, disse Tarcísio no dia 10 de junho.
Pressionado pelo entorno de Bolsonaro, que o acusava de tentar trair o padrinho político de olho na Presidência em 2026, Tarcísio por sua vez pressionava Nunes. O endosso a Mello Araújo é um aceno ao bolsonarismo seu nome não era da preferência do governador.
Assim como integrantes da pré-campanha de Nunes, Tarcísio encampou a tese de que o prefeito deveria se afastar do radicalismo para vencer Guilherme Boulos (PSOL) na capital, onde o presidente Lula (PT) obteve 53% dos votos no segundo turno de 2022.
Foi por esse motivo, inclusive, que a pré-candidatura do deputado federal Ricardo Salles (PL), que tinha o apoio de Bolsonaro, não decolou. Tarcísio achava que o nome de Salles afastaria os eleitores de centro.
Para a vice de Nunes, o governador chegou a sinalizar que o secretário de Relações Internacionais da prefeitura, Aldo Rebelo (MDB), seria uma boa opção. E, segundo aliados do prefeito, pediu que eles convidassem Rebelo a se filiar ao Republicanos, partido de Tarcísio, mas ele não quis.
Agora, sob pressão do governador, aliados do prefeito entenderam que não será mais possível adiar a definição.
“Uma grande mudança nos últimos dias foi que o governador Tarcísio não tinha se posicionado favorável ao coronel Mello”, afirmou Nunes após reunião nesta segunda-feira (17) com o presidente do PP, Ciro Nogueira, que sacramentou o apoio do partido à indicação do ex-Rota.
O discurso de aliados como Nogueira, cuja sigla tinha líderes que vinham disparando contra o nome do coronel da reserva, é alinhado com o argumento de que cabe a Tarcísio e Bolsonaro darem a palavra final.
Na sexta-feira (14), Nunes almoçou na prefeitura com o governador, o ex-presidente e Mello Araújo. Ao fim do encontro, disse a jornalistas que se reuniria nesta semana com partidos de sua coligação para sacramentar o escolhido, mas que havia “argumentos fortes” a favor do ex-Rota.
Quando fala sobre a indicação de Mello Araújo, ainda que faça elogios a ele, o prefeito menciona o peso do apoio de Bolsonaro e de Tarcísio, sinalizando que essa é uma escolha dos dois. Nunes também costuma dizer que a decisão será tomada em conjunto com as siglas da coligação.
“Nós estamos verdadeiramente nessa frente ampla discutindo com os partidos o nome que vai ser indicado para vice. É muito diferente de alguma imposição”, afirmou o prefeito na segunda. “De forma nenhuma houve qualquer personagem que falou ‘vai ser esse o vice’, pronto, acabou. Vai ser uma frente ampla, uma verdadeira ação democrática.”
A fala sobre a imposição é uma forma de se contrapor à sua principal chapa adversária, de Boulos, na qual o nome da vice, Marta Suplicy (PT), foi uma escolha de Lula.
O discurso de frente ampla adotado por Nunes, afirma o cientista político Bruno Silva, pode funcionar ao mesmo tempo como um aceno público a aliados e uma tentativa de evitar a rejeição de um eleitor mais moderado, assustado com o chamado bolsonarismo raiz.
“Nunes está preocupado em querer demonstrar que deseja compor com aqueles que, de alguma forma, são mais próximos [centro e a direita], do que deixar nas mãos da esquerda [Boulos]. E vai dosando o discurso, porque se embarcar completamente no barco do bolsonarismo, sabe que pode sofrer uma derrota”, diz.
“Tentar calibrar esse discurso é extremamente delicado e é um baita de um desafio.”
CAPÍTULOS NA DEFINIÇÃO DO VICE DE NUNES
Valdemar x Tarcísio
Em 29 de janeiro, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, indica lista com sugestão de nomes para vice, que inclui o coronel da reserva Mello Araújo, a escolha de Jair Bolsonaro (PL). No mesmo dia, Tarcísio de Freitas reage ao afirmar que o vice é uma escolha pessoal do prefeito e que não cabe a ele ou a ninguém indicar o cargo
Fator Marçal
Em 29 de maio, Datafolha mostra Pablo Marçal (PRTB) entre 7% e 9%, a depender do cenário pesquisado, em um bloco intermediário da disputa. A competitividade do nome dele gera ameaça de atração de bolsonaristas
Marçal com Bolsonaro
Em 4 de junho, Marçal se encontra com Bolsonaro. Depois, afirma ao jornal O Estado de S. Paulo que não havia chances de Bolsonaro apoiar Nunes e que a candidatura do prefeito estava desidratando. No dia seguinte, Bolsonaro diz ter compromisso com Nunes, por meio da indicação de Mello Araújo para a vice
Tarcísio cobra indicação rápida
Em 10 de junho, Tarcísio afirma que, pela mudança de cenário, seria importante que Nunes fizesse o acerto da vice o mais rápido possível
Almoço e jantar
Em 14 de junho, Nunes almoça com Tarcísio, Bolsonaro e Mello Araújo na prefeitura. Ali, diz que falta aparar as arestas com partidos para a indicação do policial. É marcado um jantar para 19 de junho, organizado por Tarcísio, com Nunes e membros dos partidos, para tentar selar o nome do oficial no posto
ANA LUIZA ALBUQUERQUE E ARTUR RODRIGUES / Folhapress