BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ofensiva de integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela queda dos juros na véspera da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) aumentou a expectativa do mercado financeiro sobre o placar dos votos do colegiado do Banco Central.
A principal aposta continua sendo a de que o colegiado decidirá nesta quarta-feira (19) de forma unânime pela manutenção da taxa básica de juros (Selic) no atual patamar de 10,5% ao ano. Mas a possibilidade de novo racha no grupo ganhou força depois das declarações de Lula contra Roberto Campos Neto, presidente do BC.
As atenções dos economistas estarão voltadas para o posicionamento dos quatro indicados pelo governo Lula em especial para o voto de Gabriel Galípolo. Ex-número 2 do ministro Fernando Haddad (Fazenda), o diretor de Política Monetária do BC é o favorito a assumir o comando da autoridade monetária ao término do mandato de Campos Neto, em 31 de dezembro.
Na reunião desta quarta, Galípolo enfrentará um dilema. Um voto mais conservador seria bem recebido pelo mercado financeiro, mas poderia desagradar Lula o que poderia colocar em risco sua potencial indicação à presidência do BC.
Por outro lado, optar pela flexibilização dos juros aumentaria a desconfiança no mercado quanto à possibilidade de um BC mais leniente no combate à inflação na próxima gestão. Isso provocaria uma deterioração ainda maior das expectativas.
A incerteza às vésperas do Copom refletiu no preço dos ativos, com o dólar atingindo R$ 5,432 nesta terça (18). A tensão aumentou depois que Lula afirmou, em entrevista à rádio CBN, que Campos Neto tem lado político e que trabalha para prejudicar o país.
“Não pode continuar com taxa de juros proibitiva de investimento no setor produtivo. (…) Que o Banco Central se comporte na perspectiva de ajudar esse país, não atrapalhar o crescimento”, afirmou o presidente.
O chefe do Executivo não foi o único a colocar o presidente do BC na mira. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, comentou em evento promovido pela CNN Brasil que a Selic, em nível restritivo, inibe a captação de recursos da poupança e a concessão de crédito.
A ofensiva do governo ganhou força depois que se consolidou a visão do mercado financeiro de que haverá uma pausa no ciclo de redução da taxa básica. Na segunda (17), a pesquisa Focus mostrou a expectativa de que não haverá mais cortes de juros neste ano.
CREDIBILIDADE DO BANCO CENTRAL
Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho da Jive Investments, quanto maior a pressão feita pelo governo sobre a autoridade monetária, mais dura terá de ser a atuação do Copom.
“É muito ruim esse ataque porque está atacando a instituição. Está atacando o custo da redução de inflação. Ou seja, esses ataques ampliam o custo da política monetária, porque o Banco Central vai ter que ficar o tempo todo se mostrando crível”, disse.
O economista afirma que, se o BC não se mostrar firme, haverá uma grande piora das expectativas de inflação. Ele vê como pouco provável um novo racha no colegiado, mas diz ser possível um dissenso diante da atual discussão.
Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e consultor da A.C. Pastore, considera que “aumentou o custo” da ala minoritária votar em alinhamento com o presidente Roberto Campos Neto. Diz também que vê Galípolo mais pressionado a se posicionar, ponderando o risco de perder a indicação ao comando da autarquia.
Luis Otávio Leal, economista-chefe e sócio da G5 Partners, diz que é possível ver o copo meio cheio ou meio vazio nessa discussão.
“No primeiro caso, os ataques do Lula podem reforçar o sentimento institucional da diretoria, reforçando a chance de unanimidade. No segundo caso, se tivermos interesses pessoais envolvidos, poderíamos ter uma divisão, sim”, disse.
Apesar da pressão, ele ainda espera que a decisão seja unânime. “Se não for, pioram as expectativas de inflação, porque o medo do mercado de um BC politizado a partir de 2025 vai se cristalizar”, afirmou.
A artilharia contra o BC também foi reforçada no Congresso. Líder do governo no Senado, o senador Jaques Wagner (PT-BA) fez coro com Lula e criticou a ida do presidente do BC a um jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), na semana passada.
“O presidente fez críticas a algo que acho que não é pertinente à liturgia do cargo de presidente do Banco Central. Não me consta que o presidente do Banco Central nos Estados Unidos saia em favor de quem quer que seja participante de ato político. Não é próprio. É próprio do presidente da República, não do presidente do Banco Central”, disse.
“Se a autonomia é para isso, ela está sendo mal utilizada. Não estão compreendendo o que quer dizer autonomia do Banco Central”, acrescentou.
Como mostrou o Painel S.A., Campos Neto sinalizou aceitar ser ministro da Fazenda caso Tarcísio entre na disputa pelo Palácio do Planalto.
Aliado de Lula, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) trouxe o episódio ao debate e também fez referência ao fato de Campos Neto ter trajado a camisa da seleção brasileira símbolo associado aos apoiadores de Bolsonaro nas eleições em 2022.
“Eu defendi a autonomia do Banco Central, mas essa é uma independência para todos, para política, para mercado, para autoridades”, disse.
“Não sei se a independência do Banco Central, com todo respeito, se compatibiliza com posicionamentos do atual presidente do Banco [Central], quando ele vai vestido de pijaminha votar no dia da eleição indicar em que candidato ele estava votando, quando ele vai participar de uma reunião no governo de São Paulo, e se colocar como provável futuro ministro de um futuro candidato à presidente da República”, completou.
A discussão respingou até nos especialistas chamados para comentar os efeitos da PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre autonomia orçamentária do BC, em debate no Senado.
O economista Paulo Nogueira Batista Junior, que foi diretor-executivo no FMI (Fundo Monetário Internacional), em Washington, e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o banco dos Brics, falou em “desconforto” de Lula com o comportamento de Campos Neto.
“O que o presidente da República, no meu entender, manifestou foi um desconforto com a dificuldade de coordenar a política monetária com o resto da política econômica e com a política fiscal”, disse.
“Esse desconforto foi agravado a meu ver pelo comportamento do presidente do Banco Central, que foi mencionado aqui pelo senador Renan [Calheiros], pelo senador Jaques Wagner, que dificilmente pode ser conciliado com a posição de um presidente de uma entidade autônoma”, acrescentou.
NATHALIA GARCIA / Folhapress