RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Primeiro colégio do Rio de Janeiro a oferecer ensino secundário e responsável por formar artistas, juristas e políticos, entre eles três presidentes da República, o colégio Pedro 2º, perto de completar 190 anos, encara uma crise.
Reitora, conselheiros e servidores apontam que uma queda no orçamento, iniciada em 2016, afeta a execução de obras, a compra de equipamentos e até a manutenção de prédios, alguns centenários. O colégio lida ainda com a evasão de funcionários, que buscam em outras instituições um plano de carreira melhor.
Já os responsáveis pelos alunos se preocupam com a continuidade do ano letivo. O Pedro 2º, que aderiu à greve das instituições federais, continua em paralisação e já tem 59 dias letivos a repor, segundo a Arcope (Associação de Responsáveis, Amigos e Ex-Alunos do Colégio Pedro 2º).
O colégio, que tem cerca de 14 mil alunos, 1.200 docentes e outros mil servidores, afirma que vai regularizar o calendário após a greve.
Incomodados com problemas no calendário desde a pandemia, alguns pais e responsáveis optaram por cancelar a matrícula de alunos. O colégio, contudo, afirma que a evasão escolar é abaixo da média nacional.
Fundado em 1837, durante o período regencial, o colégio Pedro 2º formou figuras importantes e plurais do país. Estudaram nas suas unidades os ex-presidentes da República Rodrigues Alves, Hermes da Fonseca e Washington Luís, bem como o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux e o ex-ministro da corte Marco Aurélio Mello.
No mundo das artes, o poeta Mário Lago, a atriz Fernanda Montenegro e o compositor Arlindo Cruz. Rogério Amorim (PL) e Tainá de Paula (PT), atuais vereadores da Câmara do Rio, foram colegas de turma.
A greve das instituições federais acentuou problemas na relação entre responsáveis e servidores. Pais e mães de alunos afirmam que a paralisação agravou o já tumultuado calendário escolar, afetando a qualidade do ensino.
A discordância entre as partes tem se manifestado em troca de acusações nas redes sociais, em perfis do colégio e dos sindicatos vinculados.
“Há pessoas que se disfarçam em perfis fake”, afirma Adriana Dantas, mãe de um aluno do colégio.
O Sindscope (Sindicato dos Servidores do Pedro 2º) afirma que a greve é justificada pela falta de reajuste salarial, que não ocorre há oito anos, e pela recomposição do orçamento da educação federal.
“Tem técnicos que estão com salário tão danificado, tão defasado, que estão abandonando os seus trabalhos e estão fazendo novos concursos para outras instituições, porque vale muito mais a pena”, afirma Gilda Moreira, presidente da Associação de Docentes do Pedro 2º.
Em março, a Procuradoria do Rio de Janeiro recomendou que o Pedro 2º descontasse os dias parados dos salários dos grevistas.
O Pedro 2º é visto por conservadores, entre eles familiares de alunos, como uma instituição vinculada ao pensamentos de esquerda, o que tensiona ainda mais a relação. Parte dos pais nega que haja inclinação no ensino, e a reitoria também rechaça a informação.
“O objetivo de formar jovens com senso crítico de reflexão sobre os dilemas sociais e capazes de atuar positivamente na sociedade é o que as famílias encontram na proposta educacional da nossa instituição”, afirma a reitora, Ana Paula Giraux Leitão.
“Nossos processos seletivos de estudantes têm historicamente alta procura pelas famílias, o que denota aceitação e adequação dos nossos compromissos pedagógicos. O CPII [Colégio Pedro 2º] mantém atrativos importantes: uma escola gratuita de qualidade, com indicadores de resultados positivos, ambiente humanizado e acolhedor”, acrescenta.
As dificuldades do colégio, segundo a reitora, são resultado da queda orçamentária da educação federal a partir de 2016. Ela afirma que em 2015 houve investimento de R$ 28,5 milhões, em 2016, um aporte quase 75% menor, de R$ 7,4 milhões, e em 2023 o repasse foi de R$ 3,4 milhões.
A redução do orçamento, ainda segundo a direção do Pedro 2º, afeta a execução de obras, a compra de equipamentos e a manutenção dos imóveis nos 14 campi, alguns bem antigos, como o prédio da unidade Centro, na avenida Marechal Floriano, finalizado no século 19.
Recentemente, segundo a direção, o MEC (Ministério da Educação) recompôs as perdas orçamentárias transferindo recursos que ajudaram a igualar o orçamento de 2024 ao de 2023.
Responsáveis por alunos do Pedro 2º tentam participar das decisões do colégio relativas ao ajuste do calendário letivo, por exemplo por meio de um conselho formado por representantes de pais, docentes, alunos, ex-alunos e funcionários técnico-administrativos. Em paralelo, tentam manter de pé o orgulho pela instituição.
“Um dia, tive uma discussão com uma pessoa na rua e fui repreendida pelo meu filho de 9 anos que estuda no Pedro 2º. Ele me disse: Mãe, você sabe o que é comunicação não violenta?. Isso é o Pedro 2º. Não é um colégio conteudista. Ele cria pensamento crítico”, afirma Giselle Paes, ex-aluna da unidade Humaitá.
Michelle Corrêa, formada no Pedro 2º na década de 1990, teve Mário Lago como paraninfo. Hoje, tem um filho matriculado no ensino fundamental do colégio e diz que ainda acredita na instituição, apesar das dificuldades.
“Fui explicar para o meu filho que não ia ter aula e ele quis entender o porquê da greve. Quando expliquei, ele disse: ‘Estão certos. As pessoas precisam comer’.'”
YURI EIRAS / Folhapress