BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A Argentina compartilhou com o Brasil nesta quarta-feira (19), após pedidos de Brasília, a lista dos foragidos do 8 de Janeiro dos quais se há registro de entrada no país. São cerca de 60 pessoas.
Buenos Aires também alertou que parte desse grupo seriam cerca de dez indivíduos já deixou o país. Não se sabe para qual região foram, uma vez que o registro migratório compartilhado com Brasília contém apenas a informação de que houve saída do território argentino.
As informações chegam após o Brasil enviar ao governo de Javier Milei uma lista com os nomes e documentos de 143 condenados pela invasão às sedes dos três Poderes que estavam foragidos. O objetivo era confirmar se possivelmente essas pessoas estão na Argentina.
É possível que os números reais sejam maiores do que os listados pelo lado argentino, caso alguns dos foragidos tenham entrado ou saído do país por pontos da fronteira nos quais há pouco monitoramento.
Ainda nesta quinta-feira, o porta-voz de Milei, questionado por um jornalista argentino, negou que haja qualquer tipo de “pacto de impunidade com o bolsonarismo” para permitir a estadia dos foragidos e disse que o governo acatará decisões da Justiça.
“Não temos ingerência. Se a Justiça do Brasil insta a Argentina, a Justiça cumprirá a lei. A Justiça tomará as medidas correspondentes quando chegue o momento, e nós as respeitaremos”, disse Manuel Adorni.
Ao menos no campo discursivo, é um balde de água fria para os foragidos, que buscaram a Argentina como espécie de refúgio por acreditarem que a atual gestão da Casa Rosada, próxima ao bolsonarismo, seria simpática à sua permanência no país.
Uma das principais personalidades da ultradireita global, Milei é um aliado do bolsonarismo, ainda que a saída de Jair Bolsonaro do poder tenha rareado as demonstrações públicas de afinidade entre eles.
A lista enviada pelos argentinos é agora compartilhada com a Justiça brasileira. O Supremo Tribunal Federal (STF) prepara pedidos de extradição dessas pessoas a serem enviados à Justiça argentina.
Não se sabe quantas dessas pessoas solicitaram refúgio e asilo político na Argentina. Aqueles que o fizeram, alguns dos quais por meio da defensoria pública argentina, aguardam análise de seus processos, algo que pode demorar, especialmente devido a uma recente dança de cadeiras na chefia do Conare, a Comissão Nacional para os Refugiados.
Reservadamente, um alto membro da diplomacia argentina disse à reportagem que o que chamou de “burocracia da Justiça brasileira” atrasa qualquer ação e insinuou que pessoas se movem mais rápido do que esses processos, mencionando o que chama de demora para os pedidos de extradição.
Há poucas semanas, um grupo de advogados que defendem detidos após o 8 de Janeiro esteve em Buenos Aires, reuniu-se com deputados da base mileísta e compareceu a órgãos públicos ligados à migração para defender que o país conceda asilo político a essas pessoas.
Nos documentos compartilhados com a reportagem por Ezequiel Silveira, da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav), os advogados dizem que os acusados de envolvimento no ataque aos três Poderes “seguem submetidos a condições desumanas e a um processo injusto e parcial”.
“Diante da falta de alternativas, muitos optaram por cruzar a fronteira e solicitar asilo neste país”, seguem os advogados. Eles pedem que o governo argentino inste o Brasil a garantir um processo imparcial.
Nesta semana, novas sinalizações do governo argentino fizeram brilhar os olhos de parte da base bolsonarista. No X, a chanceler Diana Mondino disse que a “Argentina sempre será um santuário para aqueles que são perseguidos por exercer sua liberdade de expressão”.
Foi um recado ao governo de Pedro Sánchez na Espanha, desafeto de Milei, que há poucos dias discutiu com um jornalista no país. Mas, sem destinatário, a mensagem foi acolhida por outros grupos também.
Hoje, a Argentina conta com diversos perseguidos políticos do regime de Nicolás Maduro na Venezuela abrigados em sua embaixada em Caracas. Eles são parte da equipe da ex-senadora Maria Corina Machado, inabilitada para concorrer à Presidência, mas ainda o principal rosto da oposição ao chavismo.
O “timing” para o debate sobre os foragidos do 8/1 na Argentina é curioso. Coincidentemente, neste momento o país discute a prisão de manifestantes que participaram de um amplo protesto nos arredores do Congresso argentino no último dia 12, quando foi votado e aprovado no Senado o pacote liberal e controverso de Milei.
O presidente argentino afirmou que houve uma tentativa de golpe e que os manifestantes detidos atentaram contra as instituições.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress