SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Economistas ressaltaram a unanimidade na decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, de interromper o ciclo de cortes de juros e manter a Selic (os juros básicos), em 10,50% ao ano.
A decisão foi tomada de forma unânime, com o voto do diretor Gabriel Galípolo, cotado para ser o próximo presidente da instituição, alinhado com o do atual chefe do BC, Roberto Campos Neto, apesar da pressão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por mais cortes.
Ainda assim, enquanto alguns economistas veem como “técnica” a decisão do colegiado, parte deles avaliam que ainda havia margem para novos cortes de juros.
Segundo Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre (do Instituto Brasileiro de Geografia da Fundação Getulio Vargas), embora a decisão de manter os juros no patamar atual já fosse esperada, ainda havia a dúvida sobre a unanimidade. “Eu tinha uma suspeita de que seria unânime, considerando-se a piora do quadro, porque essa discussão já foi colocada na divergência da reunião anterior do Copom”, diz.
Segundo a economista, todo o cenário mudou e quando os juros se mantêm constantes, a inflação fica praticamente na meta, em 3,1% em 2025. “Ou seja, se reduzissem, a inflação ficaria mais alta.”
“Todos os sinais que vieram, em termos externos e domésticos, são também na direção de mais cautela. Lá fora o cenário piorou, e a atividade veio forte.”
Caso tivesse ocorrido divergência, avalia ela, poderia haver uma interpretação de que parte do comitê achava que tinha espaço para quedas de juros. “Ou seja, talvez não estivessem se preocupando tanto com a inflação e estivessem mais alarmados com a atividade ou, até mesmo, com a pressão política.”
Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, considera que o alinhamento de todos os membros do Copom reforça a credibilidade do BC e alivia a preocupação do mercado com relação à atuação da autoridade monetária no próximo ano.
“Quando a gente tem uma decisão bem fundamentada, em um cenário de maior aversão a risco, mais adverso, acho que isso [unanimidade] contribui para reforçar a credibilidade do Banco Central como instituição autônoma, que toma suas decisões com base em análise técnica”, disse. “A gente pode ver algum alívio do ruído gerado em torno do Banco Central recentemente”, acrescentou.
Para ela, o Copom deu mostras de que não será menos técnico em 2025, ainda que a próxima formação venha a ter uma postura menos dura na condução da política monetária.
“Querer alguém alinhado ou alguém votando politicamente são coisas diferentes. A gente tem experiência no passado de influência política que deu muito errado. Não vejo sinais de que o governo gostaria de voltar a ter essa experiência”, afirmou.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, também diz acreditar que a decisão é mais do que acertada, sendo uma sinalização necessária por parte do BC após a piora fiscal dos últimos dois meses e também no cenário internacional.
“Muito provavelmente, dado que não devemos ter uma solução fiscal minimamente adequada nos próximos meses, o BC não vai ter muito escapatória, a não ser manter a Selic nesse patamar durante, pelo menos, até o fim deste ano”, diz.
Vale acrescenta que a tensão em relação ao Banco Central vai permanecer nos próximos meses em relação à troca do presidente. “Tudo isso ainda traz muitas incertezas.”
Segundo o economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), Nicola Tingas, a decisão unânime reforça que o BC é independente e que seu papel é zelar pelo poder aquisitivo da moeda. “Além de sinalizar determinação da política monetária para enfrentar ruídos políticos e tensões para busca do equilíbrio da economia”, diz ele.
O economista André Perfeito pondera que, se por um lado o fato de o encerramento do ciclo de corte de juros pode ser lido como uma vitória da ala mais a favor do mercado, “o não corte deve ter efeito de queda dos juros mais longos, justamente o que queria parte da diretoria na reunião passada”.
Para Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz Partners, a pressão exercida pelo governo às vésperas da reunião colaborou para a unanimidade dos membros do Copom.
“O fato da pressão ter não sido só sobre Roberto Campos Neto, mas ter se estendido aos demais integrantes do Copom, criou um constrangimento adicional se eles tivessem qualquer postura diferenciada”, disse.
Segundo o economista, a ofensiva acabou ressaltando a importância da autonomia da autoridade monetária. “Se tem algum lado bom do que o governo fez, ele está convencendo todo mundo de como é importante a gente ter o BC autônomo”, disse. “O Copom mostrou hoje como é importante ter esse avanço institucional.”
Quanto ao voto de Galípolo, o ex-secretário do Tesouro deu ênfase para a liberdade de atuação de cada membro do colegiado uma vez nomeado pelo governo. “Tendo mandato e tendo autonomia, a pessoa tem um nome a zelar, é uma função muito técnica.”
Kawall disse também que o comitê demonstrou firmeza com a indicação de que fará o que for necessário para a convergência da inflação em direção à meta e sinalizou que a interrupção não se trata apenas de uma pausa temporária do ciclo de queda de juros.
Os que criticam a manutenção dos juros, porém, ressaltam que ainda havia margem para novos cortes e avaliam que a decisão é mais fruto de especulações do que técnica.
O professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro avalia como “lamentável” a decisão do Copom. “Acho que isso foi o resultado de um enorme terrorismo feito pelo mercado financeiro nos últimos dias. É uma especulação estrategicamente colocada para criar ruído e justificar a decisão.
Segundo o economista, a manutenção dos juros no atual patamar é ruim, considerando-se que a expectativa de inflação para 2024 é de 4%.
“Se você está com uma taxa de juros de 10,5%, a taxa real de juros é de mais de 6%. Isso é um absurdo, dado que a inflação está sob controle e não existe sinal de sobreaquecimento da economia, apesar da taxa de desemprego relativamente baixa.”
Ele ressalta que, na questão do câmbio, é sempre importante lembrar que o Brasil não está isolado do mundo. “O dólar se valorizou relativamente às demais moedas do mundo nos últimos dias, mas isso reflete expectativas sobre o comportamento do Fed [o banco central dos EUA]. A inflação americana não está caindo tanto quanto o esperado e, portanto, a expectativa é de uma demora para reduzir juros por lá.”
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) avalia que a taxa básica de juros no patamar atual atua no sentido de contrair a atividade econômica, dificultando o acesso ao crédito e, consequentemente, reduzindo o crescimento econômico.
“Para a indústria, a continuidade do ciclo de cortes de juros amenizaria esses prejuízos sem comprometer o controle da inflação, uma vez que a política monetária continuará bastante contracionista”, disse a entidade, por meio de nota.
A Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), por sua vez, lamentou a decisão de manter a taxa básica de juros em 10,5% ao ano, considerando que ela prejudica a recuperação de importantes setores econômicos do país.
“Esse patamar elevado continua a limitar a expansão dos investimentos. Ademais, a indústria, entre os três principais setores que compõem o PIB [Produto Interno Bruto], foi a única a apresentar desempenho negativo no último trimestre.”
DOUGLAS GAVRAS E NATHALIA GARCIA / Folhapress