“E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias”. O trecho da obra clássica de Graciliano Ramos, “Vidas Secas”, retrata o que foi a vida de muitos nordestinos que, em busca de melhores condições de vida, deixaram sua terra natal com destino a São Paulo.
O romance do autor alagoano, publicado originalmente em 1938, registrou em páginas o que o povo nordestino vivia à época. Marco fundamental na história da construção do estado e parcela importante do desenvolvimento de São Paulo, a migração nordestina para a Região Sudeste, que ganhou força a partir da década de 1930, reverbera até os dias atuais na sociedade paulista.
E é por conta desta participação no progresso do estado, aliada à riqueza cultural produzida, que a população nordestina tem, em São Paulo, uma semana para chamar de sua. A “Semana do Povo Nordestino”, celebrada anualmente em junho, foi instituída pela Assembleia Legislativa e está incluída no Calendário Oficial do Estado.
“Não tem como olhar para São Paulo e não enxergar a mão dos nordestinos. Nossa representatividade está em todos os cantos”, afirma a deputada estadual Ediane Maria (Psol), nascida no município de Floresta, em Pernambuco.
Histórias
Ediane chegou em São Paulo em 2002, assim como milhões de nordestinos, em busca de novas perspectivas. A deputada estadual, que por 20 anos foi empregada doméstica, foi eleita para seu primeiro mandato em 2022.
“[Ao vir para São Paulo] imaginei que teria uma condição de vida melhor, que iria conseguir ajudar minha família e ter coisas que não tinha. É o retrato de muita gente que vem para trabalhar e faz a travessia do Nordeste para cá”, conta a parlamentar.
A trajetória de Ediane se confunde com a do também deputado estadual Gil Diniz (PL). Pernambucano do município de Serra Telhada, o parlamentar deixou sua cidade natal, junto com a família, em 1995, em uma fuga da extrema pobreza no sertão.
“Meus pais, tentando dar uma qualidade melhor de vida para minha família, vieram para São Paulo. Minha mãe sempre foi faxineira e meu pai, serviços gerais”, conta Diniz. O parlamentar cresceu na Zona Leste da Capital e chegou a ser soldado temporário da Polícia Militar, além de carteiro dos Correios.
Representação
Ediane Maria e Gil Diniz são alguns dos diversos deputados com origem nordestina que já passaram pelo Parlamento Paulista. Na atual Legislatura, os deputados Altair Moraes (Republicanos), nascido em Pernambuco, e Dr. Jorge do Carmo (PT), natural de Alagoas, também integram esse quadro.
São parlamentares que mostram a diversidade do povo paulista e que, no Legislativo, representam essa parcela importante da sociedade. “São Paulo reúne os povos do mundo inteiro e nordestinos de todos os estados do Nordeste. É um imenso orgulho lembrar de onde vim e saber que cheguei até esta terra que dá oportunidade para todos os povos”, afirma Diniz.
Na Alesp, a Lei 16.704/2015, aprovada há 9 anos, instituiu no Calendário Oficial do Estado a “Semana do Povo Nordestino”, como forma de valorização à população do Nordeste que ajudou a constituir São Paulo. A data foi uma proposta do ex-deputado Gil Lancaster, que é nascido no estado do Piauí. Além disso, São Paulo celebra, anualmente, o Dia Estadual do Forró, em 13 de dezembro. A data foi escolhida por ser o aniversário de nascimento de Luiz Gonzaga, o maior intérprete do ritmo nordestino do país.
“Todo povo que se desloca da sua região para outra não só carrega a sua forma de ser e existir, como também carrega a sua forma de pensar, no sentido da sua cultura e dos seus costumes”, afirma o antropólogo pernambucano Expedito Silva.
Êxodo
Entre os anos de 1930 e 1950, os estados do Nordeste vivenciaram uma diáspora de sua população, que migrou para o Sul do país em busca de condições para a subsistência.
Expedito da Silva explica as problemáticas da Região Nordeste do país no início do século 20, como a seca e a falta de oportunidades. “A região era pobre, não oferecia nada para trabalhar. Ainda existia a ideia dos antigos coronéis, os donos de terra, a seca. Condições muito precárias”, afirma.
“A partir de 1930, a gente pode falar da transformação da migração nordestina para São Paulo em um fenômeno de massa”, explica o coordenador do Museu da Imigração, Henrique Trindade. “Esse fenômeno tem uma continuidade nas décadas subsequentes. A gente tem um grande número de entradas de migrantes nacionais”.
O Museu da Imigração funciona hoje no prédio onde antigamente estava instalada a Hospedaria de Imigrantes, no bairro do Brás, na Capital. De acordo com os registros da entidade, que funcionou até 1978, cerca de 1,75 milhão de migrantes brasileiros, em sua maioria nordestinos, passaram pela hospedaria.
Apesar de ser incerto o número de nordestinos que deixaram suas terras com destino a São Paulo, dados do Ipea e do IBGE, publicados em 2011, revelaram que aproximadamente 30% da população da Região Metropolitana de São Paulo era formada por pessoas que vieram das regiões Norte e Nordeste do país.
Destacando a semana de valorização ao povo do Nordeste, a Alesp estreou, nesta semana, o documentário “Êxodo Nordestino”, que apresenta mais histórias sobre a grande migração iniciada no século 20. Assista na íntegra: