Eu fiquei quase noventa dias desligado do mundo, deitado numa cama de hospital, dividido entre uma janela cujo vidro (sempre fechado) me dava apenas uma pequena visão da cidade e uma televisão que servia como uma espécie de restaurante dos fatos que assolavam a realidade.
Nesse tempo, entendi que entre o ontem e o amanhã existe um hoje tênue, sujeito a transformações inimagináveis. Refletir é o que me sobrava, entre a medicação e o sono imposto pelas drogas. Aprendi que colecionamos vitórias incríveis, que não nos valem medalhas, mas combustível de vida. Andar, falar, ver, ouvir, ter cognição, sorrir estão entre elas. Só nos damos conta de que andar é uma benção quando não podemos nos mover, que ver é um prêmio, quando ficamos cegos e assim por diante.
Somos magníficos em pretensões e planos e, covardemente, desprezamos nossas riquezas naturais. Aprendi a agradecer por tudo. Não me transformei num religioso beato, porque não é assim que se entende Deus, mas sim quando se recebe forças positivas e transformadoras que chegam de pessoas que nem conhecemos.
Quando o mundo discute depressão, suicídios e violência, pergunto-me por que nunca nos ensinaram a celebrar a vida como principio de sobrevivência? Aprendi com a minha mulher o verdadeiro sentido da palavra amor, que está longe das bancadas românticas e perto das palavras do grande poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade: “eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim/Porque amor não se troca, não se conjuga, nem se ama/ Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo”.
Aprendi com os enfermeiros a arte da entrega, a solidariedade materializada, o conceito divino posto em prática. Quantos de nós limparia as secreções alheias, estancaria o sangue e o pus com cuidado e delicadeza? Muitos deles me consolaram, choraram mansinho comigo, torceram para que a luz da vida sobrevivesse, sem nunca, nunca terem me visto ou falado comigo. Aprendi com isso a acreditar nos anjos e vê-los em toda parte.
Deitado naquela cama por quase noventa dias, aprendi o sinônimo de amizade e entrega. Descobri que há amigos e parentes de ocasião, que se portam como quadros na parede, são feitos para serem lembrados de forma fria, entretanto existem aqueles que se desdobram, sofrem junto, amam incontestavelmente. São oxigênios, seres essências na construção de cada um de nós.
Aprendi também a não ter mágoa de ninguém, porque a cada um é reservada uma cruz, que deve ser levada solitariamente e cujo peso é a soma das verdades e dos atos cometidos. Por tudo que passei e tudo que me valeu, uma frase de Fernando Sabino entoou a minha cabeça e serviu de farol para minha caminhada: “faça da queda um passo de dança”. Aprendi a dançar.