Prefeitura de São Paulo leiloa imóveis da Cohab por inadimplência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Maria da Conceição dos Santos, 44, mora há 22 anos em um apartamento da Cohab em Guaianases, na zona leste de São Paulo, e, no dia 2 de abril, recebeu uma notificação extrajudicial para desocupá-lo até o dia 30. O autor da carta teria arrematado o imóvel em um leilão.

Desempregada e com fibromialgia, ela recorreu à Defensoria Pública na tentativa de anular aquela operação. Após reunir vários casos semelhantes, o órgão ingressou com uma ação coletiva diante da SPDA Habitação, empresa da Prefeitura de São Paulo que detém o crédito destes contratos imobiliários e faz a cobrança das prestações.

Proprietários de imóveis adquiridos através da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) reclamam que, em razão de parcelas atrasadas, estão sendo obrigadas a pagar todo o débito, sem qualquer margem de negociação, sob risco de perder seu único teto.

De acordo com informações da SPDA ao Ministério Público de São Paulo, 49 imóveis destinados à população de baixa renda já foram leiloados na esfera administrativa —isto é, sem passar por decisões judiciais.

Os leilões, de acordo com a SPDA em resposta ao Ministério Público, estão de acordo com a lei que prevê alienação fiduciária. Neste modelo, o credor pode retomar o bem quando há inadimplência e leiloá-lo para quitar a dívida.

A SPDA é a sigla de Companhia São Paulo de Desenvolvimento e Mobilização de Ativos, uma empresa de economia mista e que foi constituída em 2007 através de um decreto do então prefeito Gilberto Kassab (PSD).

Sob a justificativa de otimizar recursos financeiros para projetos do município, a empresa pode, entre outras atividades, emitir títulos no mercado imobiliário, alienar e dar em garantia, inclusive em contratos de parcerias público-privadas, ativos e créditos mobiliários.

Em 2015, na gestão de Fernando Haddad (PT), a prefeitura cedeu à SPDA os créditos de contratos habitacionais da Cohab, que também é municipal. No ano seguinte, a empresa integrou os créditos em um fundo de investimento imobiliário (FIDC SPDA) registrado da Comissão de Valores Imobiliários.

Moradores relataram à Folha de S.Paulo e em ações judiciais dificuldades na hora de tentar renegociar a dívida com a SPDA. Para cobrar os inadimplentes, o fundo contratou uma empresa especializada em recuperação de créditos.

“Eu fui até a SPDA, me disseram que eu teria que pagar R$ 40 mil. Como eu não consigo, colocaram em leilão em janeiro. A única renda na casa, hoje, é da minha filha, que é estagiária”, afirma Maria.

O apartamento de Sandra Regina Ferreira Costa, 55, na Cidade Tiradentes, foi à leilão em razão de uma dívida de R$ 56 mil no ano passado —mas não houve compradores. Conforme a representação da Defensoria Pública, Sandra procurou a SPDA, em janeiro de 2023, para tentar uma negociação.

“[Sandra] foi informada que como teria feito um acordo em 2020, que restou descumprido, teria sido expedida uma ordem de despejo, que foi enviada, segundo a Cohab, em 16 de janeiro de 2023”, escreveu a defensora pública Vanessa Chalerge de Andrade Franca.

Sandra afirma que não fez nenhum acordo, pois alega que estava reclusa durante a pandemia de Covid-19, e que jamais recebeu tal ordem de despejo.

“Vivemos, agora, com a sensação de medo. Quando minha mãe leu a carta do leilão, começou a passar mal e ficou com a pressão alta. A nossa casa é nosso único bem”, diz Ariane Ferreira Costa, 21, filha de Sandra.

Casos, assim, vem sendo investigados pelo Ministério Público desde o final de abril, após representação da deputada Ediane Maria (PSOL).

“A alienação deixou as pessoas ainda mais vulneráveis, os moradores estão sendo notificados e têm 15 dias para providenciar o valor integral da dívida. É uma população sem fácil acesso ao crédito”, afirma Jéssica da Mata, advogada do gabinete de Ediane.

Nas ações judiciais, os defensores públicos também questionam a imposição de cláusula de alienação fiduciária nos contratos de habitações sociais destinados à população de baixa renda e com pouca oferta de crédito.

A própria Cohab, afirma a Defensoria, atende somente aqueles que se enquadram em critérios sociais e econômicos.

“A alienação é prejudicial e intransigência, pois não aceitam negociação e pessoas que perderam emprego, adoeceram na pandemia. A Cohab tinha mais flexibilidade, mas a SPDA cobra de uma forma incompatível”, afirma a defensora pública Taissa Pinheiro.

Na ação coletiva, a Defensoria, vem atuando em parceria com o LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo).

“A alienação fiduciária é incompatível com a política habitacional, refinancia a moradia social. Trata a casa de uma pessoa de baixa renda como se fosse um carro”, afirma Vitor Inglez, pesquisador do LabCidade.

Em nota à Folha de S.Paulo, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz que os casos que vão a leilão são exceções e que oferece inúmeras tratativas e programas de acesso a casas populares e unidades de habitação de interesse social.

Entre as ofertas aos devedores, a administração cita descontos e parcelamento em até 300 vezes.

A prefeitura respondeu que, em relação ao caso de Maria, em Guaianases, ela regularizou o seu imóvel através da assinatura do Instrumento de Alienação Fiduciária junto ao Fundo SPDA e se comprometeu em quitar a dívida em 165 meses, mas não cumpriu com dois acordos.

“A gestão da SPDA tentou um novo acordo em outubro de 2023, sem sucesso”, diz a nota da prefeitura. “Em janeiro deste ano foi informada que o imóvel estava em fase de leilão e que ela teria prioridade caso desejasse arrematar o apartamento. Sem sinalização de interesse, em fevereiro deste ano, o imóvel foi leiloado e arrematado por um terceiro.”

Com relação ao caso de Sandra, a prefeitura diz que ela assinou o acordo de alienação fiduciária com a Cohab em 2010 e acumula parcelas atrasadas desde 2012. Entre outubro de 2022 e agosto de 2023, diz a gestão, ela teria ido à SPDA três vezes e foi informada sobre a possibilidade de leilão e necessidade de quitar a dívida.

“Em dezembro de 2023, o imóvel foi a leilão e, por ausência de interessados, segue em estoque do fundo e apto à negociação”, diz a prefeitura.

CARLOS PETROCILO / Folhapress

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