SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) e o pré-candidato a prefeito Guilherme Boulos (PSOL) foram condenados ao pagamento de multas por causa de propaganda eleitoral antecipada. O petista pediu votos para o deputado federal na corrida para a Prefeitura de São Paulo durante ato do 1º de Maio.
O juiz eleitoral Paulo Sorci, da 2ª Zona Eleitoral de São Paulo, determinou nesta sexta-feira (21) que Lula pague R$ 20 mil de multa. Para Boulos, o valor imposto é de R$ 15 mil. Ainda cabe recurso.
Em um esvaziado ato do Dia do Trabalhador promovido por centrais sindicais na zona leste da capital, Lula disse que o pleito paulistano seria uma “verdadeira guerra” e, ao lado do deputado, pediu explicitamente para que seus eleitores votem nele, confrontando a legislação eleitoral.
“Ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo nas próximas eleições”, disse o petista. “Vou fazer um apelo: cada pessoa que votou no Lula em 89, em 94, em 98, em 2006, em 2010, em 2018 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo.”
A propaganda eleitoral será permitida somente após o dia 16 de agosto, quando as candidaturas já estiverem registradas na Justiça Eleitoral. A lei estabelece pena de R$ 5.000 a R$ 25 mil para propaganda feita antes do prazo regular.
A decisão atende a pedidos dos partidos Novo (que tem Marina Helena como pré-candidata a prefeita), MDB e PP (da coligação do atual prefeito, Ricardo Nunes). O PSDB (que lançou a pré-candidatura de José Luiz Datena) também ingressou com ação, mas o juiz a rejeitou por questões processuais.
O uso da máquina pública em benefício do pré-candidato do campo governista também foi levantado pelos adversários, além de eventual abuso de poder político.
No processo, as defesas de Lula e Boulos sustentaram que não houve pedido de voto, mas apenas o exercício do direito constitucional à liberdade de expressão. O pré-candidato argumentou ainda que desconhecia previamente o discurso e que sua presença no palco não pode ser confundida com anuência.
A pré-campanha do PSOL informou em nota que recorrerá da decisão desta sexta. “Ricardo Nunes, ele sim, tem usado a máquina pública para promoção pessoal”, disse, acrescentando que o emedebista é alvo de duas representações do PSOL por uso da máquina pública e campanha eleitoral antecipada.
“As ações citam reportagens veiculadas pela imprensa envolvendo o uso de servidores para compor claque de apoio a Nunes em eventos custeados pela prefeitura, bem como falas do prefeito usando eventos custeados pela prefeitura insinuando a necessidade de sua própria reeleição e fazendo ataques ao deputado Guilherme Boulos.”
O advogado de Lula no caso, Angelo Ferraro, disse à reportagem que também entrará com recurso. “A nosso ver, não houve nenhum tipo de irregularidade eleitoral”, reiterou. Ele insistirá ainda no pedido de produção de provas, que não chegou a ser analisado e foi negado pelo juiz já na sentença. Segundo Ferraro, a chamada instrução probatória é “importante para o debate do contraditório dentro do processo”.
No âmbito da ação movida pelo Novo, a Justiça determinou no dia seguinte ao evento a exclusão do vídeo com a fala do canal do presidente no YouTube. O registro já tinha sido apagado dos canais oficiais do governo federal, que também veicularam o discurso na íntegra.
Via assessoria, Marina Helena disse que acha “muito pouco” o valor das multas. “O benefício eleitoral que Boulos teve vale muito mais que R$ 35 mil”, afirmou ela, criticando ainda o uso de recursos da Lei Rouanet para o que caracterizou como “um comício”.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o evento foi organizado por uma produtora pertencente a dois filiados ao PT que captou R$ 3 milhões da Petrobras, via Lei Rouanet, para a organização de shows em comemoração ao 1º de Maio, inclusive para o ato das centrais na Neo Química Arena, em Itaquera.
Na sentença de condenação, o juiz afirmou que foi “inquestionável a prática do ilícito eleitoral” e que houve “pedido explícito” de voto. “No discurso é realizado um verdadeiro apelo aos presentes para que votem em Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo no pleito vindouro”, escreveu.
Sorci rebateu as explicações dos advogados de que se tratou de discurso de “posicionamento político”, com mero “enaltecimento das qualidades pessoais” do deputado e uso da liberdade de expressão.
Ele justificou o valor da multa menor para Boulos dizendo que não há como desconsiderar o caráter ilícito de sua conduta e que cabe “apenas atenuar sua responsabilização”. Para o magistrado, o parlamentar se manteve omisso diante da fala elogiosa do padrinho político, assumindo papel de beneficiário.
“Evidentemente que, por uma questão de respeito e de elegância, ele não tomaria das mãos do representado Luiz Inácio o microfone, tampouco lhe interromperia de forma abrupta a fala, mas, com o traquejo inerente dos políticos profissionais, de carreira, uma intervenção discreta, sutil, poderia ter sim sido realizada, de forma a amenizar aquela conduta que ambos, pela experiência que têm, sabiam irregular, mas assumiram o que se chama popularmente de ‘risco calculado'”, afirmou Sorci.
Para fundamentar a decisão, ele lembrou, entre outros pontos, que Lula participou do evento no papel de presidente da República, acompanhado de ministros e outras autoridades, além de estar “cercado de todo o aparato institucional e guarnecido de suporte público para sua participação”.
Por fim, o juiz disse que o presidente tem “notória representatividade no cenário político nacional” e “significativa e indiscutível capacidade de angariar votos” e que o deputado, por sua vez, reagiu com inércia, “mesmo podendo atuar de forma discreta para amenizar o discurso”.
Na pesquisa mais recente do Datafolha, divulgada em 29 de maio, Boulos marcou 24% de intenções de voto, empatado tecnicamente em primeiro lugar com Nunes, com 23%. Em seguida aparecem Datena, com 8%, também empatado com Tabata Amaral (PSB), com 8%, e Pablo Marçal (PRTB), com 7%.
A avaliação entre aliados do membro do PSOL foi a de que o presidente agiu de caso pensado, com o cálculo de que o ganho na esfera eleitoral era maior do que o risco de ser acusado de ilícito eleitoral e sofrer uma multa.
Boulos busca nacionalizar a disputa e colar sua imagem na de Lula para enfrentar Nunes, que é apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sofre alta rejeição na capital.
Segundo o Datafolha, o apoio de Lula faria 23% dos eleitores votarem com certeza em um candidato, mas levaria 45% a não votarem nele de jeito nenhum. Já a recomendação de Bolsonaro seria motivo de voto para 18%, enquanto 61% se recusariam a escolher o nome indicado.
Na época da fala, Ricardo Nunes disse que Lula teve “uma atitude que claramente é um desrespeito à lei eleitoral” e que sua pré-campanha recorreria à Justiça em busca de reparação. Afirmou ainda que, “por ser um presidente da República, [com] a experiência que ele tem, obviamente, sabia o que estava fazendo”.
Ao reagir às críticas de Nunes, Boulos afirmou que o evento não era um ato oficial do governo, mas uma iniciativa das centrais, e disse que é o prefeito quem usa a máquina para propaganda irregular, já que o menciona durante inaugurações e é beneficiado pela publicidade paga com verbas públicas.
Boulos disse no dia 2 de maio que o emedebista “fala mal” dele e o ataca em “eventos públicos, com a estrutura da cidade de São Paulo”. “Fico estarrecido com a cara de pau do prefeito Ricardo Nunes. Ele não tem autoridade moral para acusar ninguém em relação ao uso de máquina”, afirmou.
Na ocasião, ele também minimizou as acusações de infração à legislação eleitoral, chamando as críticas de “tempestade em um copo d’água” e sinal de desespero do emedebista. Disse que Lula fez uma fala “expressando o desejo de voto dele” e que “não é segredo” para ninguém que ele o apoia.
O Ministério Público pediu, ao se manifestar no processo, que Lula pagasse valor próximo de R$ 25 mil, a maior pena prevista em lei para esses casos. Defendeu ainda que Boulos também respondesse pela infração eleitoral, mas para o pré-candidato a sugestão foi a de multa “acima do mínimo legal”.
JOELMIR TAVARES / Folhapress