CORUMBÁ, MS E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A falta de apoio aéreo é o principal entrave ao combate aos incêndios no pantanal, segundo brigadistas de diferentes setores que atuam no bioma. Sem o deslocamento rápido proporcionado por aviões e helicópteros, as equipes precisam recorrer a viagens de barco ou de carro que levam horas e atrasam o controle do fogo, que se espalha por grandes extensões.
A seca no rio Paraguai acrescenta ao transporte fluvial o risco de um retorno obrigatório no meio do caminho, como ocorreu com bombeiros de Mato Grosso do Sul que tentavam acessar um incêndio no Porto Formigueiro, em Corumbá (MS), na última semana.
O governo de Mato Grosso do Sul -estado onde há mais focos, especialmente no entorno de Corumbá- dispõe de dois aviões para o combate às chamas, capazes de lançar água. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) conta com apenas uma aeronave no momento, empregada para identificar locais com incêndios.
Esse número, afirmam à reportagem autoridades envolvidas nas ações, é insuficiente para a crise atual.
O principal motivo apontado para a falta de transporte aéreo é a demora em trâmites administrativos. Os processos burocráticos foram desenhados para o combate ao fogo a partir de agosto, mês em que, normalmente, as chamas ganham força. Em 2024, porém, o início da temporada de fogo está antecipado em dois meses no bioma, que enfrenta seca severa.
A Folha de S.Paulo acompanhou operações em Corumbá do último sábado (15) até a quinta-feira (20). Nas ações de brigadistas do PrevFogo, braço do Ibama para prevenção e combate a incêndios florestais, o transporte era feito em lanchas da Marinha ou nas viaturas próprias do instituto. Não houve apoio aéreo para transporte em nenhum momento registrado pela reportagem.
Uma das ações, inclusive, durou dez horas -a maior parte delas dedicada a ir e voltar da base do PrevFogo em Corumbá- e desafiou os pilotos da lancha por causa do baixo nível do rio Paraguai.
Questionado, o Ibama afirmou, em nota, que tem uma aeronave para fazer “sobrevoo de avaliação na região dos maiores focos no pantanal” e que serão adicionadas mais seis aeronaves às ações na região. O órgão, no entanto, não disse se elas servem para transporte de equipes e/ou para lançar água sobre área com fogo.
“Além disso, o Ministério do Meio Ambiente [MMA] solicitou apoio do Ministério da Defesa para ampliar ainda mais a quantidade de aeronaves disponíveis. Esta medida visa fortalecer as ações de combate e fiscalização ambiental, especialmente em áreas críticas”, afirmou a pasta.
Os governos também correm para acelerar contratos para compra de combustível e de horas de voo de pilotos que possam operar as aeronaves.
Na última terça (18), integrantes do ministério, dos governos de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul e de ONGs se reuniram em Campo Grande para melhorar a integração entre as várias organizações que combatem o fogo no pantanal. O objetivo é criar um plano que facilite a tomada de decisão e o acionamento de unidades no campo, mas o debate deve se estender até julho.
Na reunião, também foram reforçados os pedidos de aeronaves das Forças Armadas para uso no pantanal.
“Apresentamos demandas, em especial para apoio de aeronaves que facilitem o acesso às áreas onde estão as chamas. Temos disponibilidade de homens, mas o acesso é uma dinâmica que depende das aeronaves”, disse Artur Falcete, secretário-executivo de Meio Ambiente da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), em comunicado.
Em Mato Grosso do Sul, a gestão de Eduardo Riedel (PSDB) instalou 13 bases do Corpo de Bombeiros Militar em pontos do pantanal. Segundo o governo, há 93 profissionais atuando em ciclos de 14 dias, além de outros fixos, somando mais de cem militares em campo.
A gestão de Mauro Mendes (União), em Mato Grosso, destaca que capacitou 883 brigadistas em 29 cidades e diz estar reforçando o efetivo para o combate no pantanal, na amazônia e no cerrado. Conforme comunicado, há quatro aeronaves da Defesa Civil contratadas e disponíveis para uso.
Em meio às discussões de melhorias, o fogo avança. Segundo dados do programa BD Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), os 2.841 focos de incêndio detectados no pantanal em 2024, até esta sexta-feira (21), já superam em 17,7% os registros do mesmo período em 2020. Naquele ano, o recordista em destruição no bioma, foram 2.414 focos até a data.
Para Luciana Leite, da Chalana Esperança, uma das ONGs que integra o Observatório Pantanal, o engajamento dos agentes em campo não foi correspondido, citando redução no orçamento do Ibama para 2024.
Reportagem da Folha de S.Paulo de setembro do ano passado apontou que ações de fiscalização e prevenção e combate a incêndios florestais tiveram reduções, respectivamente, de 6,4%, para R$ 317,9 milhões, e de 20,1%, para R$ 65,7 milhões.
Segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), foi pedida, junto com o Ibama, uma recomposição no orçamento nos dois órgãos. De R$ 50 milhões liberados ao ICMBio, R$ 33 milhões vão custear prevenção e combate a incêndios. Procurado, o Ibama não respondeu sobre o uso e as prioridades dos R$ 50 milhões também aprovados para o instituto.
Leite também diz que os contratos dos brigadistas do PrevFogo, que têm um prazo de seis meses, deveriam ser ampliados para o ano inteiro. “Infelizmente, diante do colapso climático, estes padrões de chuva e seca têm sido rompidos, e o enfrentamento e a preparação precisam acontecer ao longo de todo o ano.”
As organizações que compõem o Observatório Pantanal enviaram, na semana passada, cartas para o Ibama e os governos de MS e MT. A entidade sugere que os governantes solicitem recursos ao Centro de Coordenação de Resposta de Emergência da União Europeia, para reforçar a capacidade de contratar equipamentos e equipes para combate ao fogo -especialmente o custeio de transportes e operações aéreas. De acordo com Leite, os entes estão avaliando o pedido.
LUCAS LACERDA E BRUNO SANTOS / Folhapress