BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A agenda ambiental de Marina Silva, mais de um ano após sua volta ao Ministério do Meio Ambiente, trava nas contradições do discurso do presidente Lula (PT) e nas negociações da ala política do governo com grupos de interesse e com o Congresso Nacional.
Essa é a avaliação de parlamentares, integrantes do Executivo e membros do terceiro setor ligados ao tema do meio ambiente ouvidos pela reportagem.
A pauta foi central no discurso de Lula durante as eleições contra Jair Bolsonaro (PL), em 2022. O petista se reconciliou com Marina Silva após mais de uma década, a chamou para o governo e prometeu tornar as questões ambientais prioritárias e transversais no seu terceiro mandato.
Desde então, o Ministério do Meio Ambiente reverteu atos da gestão bolsonarista de Ricardo Salles (PL-SP), reduziu índices de desmatamento no país e reativou o Fundo Amazônia.
Por outro lado, o governo prevê seguir investindo em combustíveis fósseis, enquanto é seguidamente derrotado por vezes sem apresentar resistência pela bancada ruralista no Congresso. Os ruralistas fazem avançar um “novo pacote da destruição”, como chamam ambientalistas.
Procurados, Marina e o Palácio do Planalto não quiseram se manifestar.
“A construção da relevância e da transversalidade da agenda ambiental e climática no governo não pararam tão em pé como se esperava. A correlação de forças entre ministérios e grupos políticos se mostrou um empecilho. Marina não tem a mesma articulação com Congresso e governo que outras pastas”, afirma Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil.
“Tem sabotagem dentro do governo. O ministro de Minas e Energia anunciou, no meio da COP28, que o Brasil ia entrar na Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]. Isso não é desaviso. E, na própria Casa Civil, o ministro Rui Costa não tem simpatia com a agenda ambiental”, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, citando a adesão do Brasil ao grupo Opep+, de aliados dos petroestados, durante a conferência da ONU sobre clima de 2023.
A lista de dificuldades de Marina é extensa.
Os incêndios no pantanal colocam o país sob risco, segundo a própria ministra, de uma tragédia tão grave quanto a do Rio Grande do Sul. Com uma temporada de queimadas antecipada e devastadora, a pasta precisou correr atrás de apoio para combate ao fogo.
Marina enfrenta também reivindicação dos servidores ambientais por melhores condições de trabalho. A pauta da categoria não foi aceita pelo Ministério da Gestão, que alega não haver orçamento para tal. Nesta segunda-feira (24), servidores do Ibama devem entrar em greve em diversos estados.
A ministra defende desde o início de 2023 o plano de prevenção a desastres, mas ele só se tornou uma prioridade de Lula após a tragédia das chuvas do Sul.
A discussão sobre a autoridade climática, órgão idealizado pela ministra e que precisaria ser aprovado pelo Congresso, esfriou.
Além disso, a pauta ambiental é usada como moeda de troca nas negociações no Legislativo. Na votação do marco temporal, por exemplo, o governo liberou sua base em vez de de orientar posição contrária.
Já na tramitação da proposta de Lula para organização da Esplanada dos Ministérios de Lula, no início do governo, parlamentares da base admitiam, sob reserva, que a prioridade era preservar outras estruturas do governo, em detrimento da ambiental, que foi desidratada.
O projeto que flexibilizou a liberação de agrotóxicos avançou com relatoria de um petista, Fabiano Contarato (PT-ES), e os vetos de Lula foram derrubados facilmente.
“A gente tem um corpo mole gigantesco dos negociadores do governo com a pauta ambiental. O governo é um para fora do Congresso e outro para dentro, uma situação politicamente constrangedora”, diz Astrini.
“Os protagonistas do governo hoje são as agendas econômica e da governabilidade. A briga é evitar derrotas no Legislativo, e o meio ambiente é o último da lista de prioridades. É uma derrota atrás da outra, com um esforço mínimo. Não é falta de vontade do ministério, mas do governo de priorizar essa agenda”, avalia Mota.
Há entre parlamentares queixas sobre a ausência de Marina em votações importantes e sobre a falta de diálogo da pasta com deputados e senadores críticas também direcionadas a outros ministérios.
A exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas segue defendida pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), pelo líder do governo no Legislativo, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e pelo próprio Lula. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) já negou a licença ao empreendimento.
A reconstrução da BR-319 é prioridade da pasta dos Transportes e tem apoio de parlamentares aliados a Lula da região Norte mesmo após o Ibama identificar que a estrada é vetor de desmatamento.
“Tem uma extrema direita antiambiental que perdeu as eleições no Planalto e transferiu sua agenda para o Congresso. E o governo poderia fazer mais, é lento: recomposição de estrutura, reajuste salarial, criação de unidades de conservação, demarcação de terras indígenas. São decisões políticas”, afirma Astrini.
A avaliação é que o Ministério do Meio Ambiente não está mais fraco que em outras gestões, mas não ganhou o peso esperado.
Em outra frente, Marina Silva é elogiada por ter tido sucesso na redução do desmatamento, sobretudo na amazônia em que pese o aumento da destruição do cerrado.
O ministério recriou os conselhos ambientais extintos por Bolsonaro, reativou o Fundo Amazônia e o Fundo Clima e relançou o PPCDAm (o plano para preservação e recuperação da floresta amazônica).
Também desfez uma série de atos da gestão Salles e recuperou orçamentos de Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade).
Conseguiu que tanto o Novo PAC quanto o novo Plano Safra tivessem diretrizes ambientais inéditas.
Tem atuado para recuperar o papel internacional do país no tema e ganhou a sede da COP30, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontecerá em Belém em 2025.
“A retomada da política ambiental é louvável, mas, se vem um outro governo, desmonta os conselhos, os recursos orçamentários com facilidade, com uma canetada. É uma demonstração que não temos a agenda, no Brasil, com a força necessária para ações estruturantes”, diz Mota.
JOÃO GABRIEL / Folhapress