É triste ver que responsabilidade fiscal não pegou após Plano Real, diz Ricupero

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um evento da Fundação FHC para celebrar os 30 anos de lançamento do Plano Real reuniu nesta segunda-feira (24) em São Paulo alguns dos “pais” da moeda, que fizeram um balanço do programa que conseguiu combater a inflação.

“Acho que o povo brasileiro se convenceu da malignidade da inflação; os políticos, não tenho tanta certeza. Eles não fazem uma ligação entre causa e efeito, para eles é uma variável independente”, disse o ex-ministro Rubens Ricupero, que assumiu o ministério da Fazenda em março de 1994 após a saída de Fernando Henrique Cardoso da pasta para disputar a eleição presidencial daquele ano.

“A maior tristeza que tenho na vida é ver que, de tudo aquilo, a responsabilidade fiscal não pegou”, afirmou Ricupero, que comandou a Fazenda durante o lançamento do Real.

O ex-ministro ressaltou que a hiperinflação era uma herança da ditadura militar e que, por não ser economista, tinha pouco a acrescentar ao trabalho que estava sendo desenvolvido no ministério naquele momento. “Talvez tenha ajudado o fato de eu ser diplomata. Minha maior função ali era defender a equipe.”

“Às vezes, quando falo do Itamar [Franco], pode parecer que sou ingrato, mas a sua figura é muito complexa, seria preciso um psicanalista para escrever sobre ele”, disse, ao recordar a relação com o ex-presidente. “Ele foi ao mesmo tempo indispensável e o maior obstáculo do real.”

Ricupero disse que a ideia de Franco era fazer um novo Plano Cruzado –lançado em 1986, durante o governo José Sarney e que fracassou na tentativa de domar a inflação. O ideal para todo político brasileiro seria sempre algo miraculoso, disse.

“O que [Itamar] me torturou durante aqueles meses, vocês não têm ideia. Ele queria tabelar juros, fazer a transposição das águas do rio São Francisco, dar aumento para a Polícia Federal. Mas tinha uma qualidade: sabia escutar.”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu os economistas do Plano Real mais cedo, em sua casa, mas não participou do evento na Fundação FHC.

Ao relembrar os 30 anos da medida, Pérsio Arida, que presidiu o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) e o Banco Central, disse que não seria possível repetir o programa de estabilização hoje, pois FHC uniu capacidade política e intelectual.

“O real é uma construção política, que se beneficiou de uma capacidade dupla do Fernando Henrique, de ser ao mesmo tempo um político e um intelectual. Essas duas capacidades não costumam coincidir em uma única pessoa.”

Ele ressaltou que a democracia é o “verdadeiro motor” da estabilização e destacou o papel do tucano ao explicar os detalhes do plano para a população.

O ex-presidente do BC Armínio Fraga, que participou remotamente do evento, relembrou a mudança do regime de câmbio e destacou a solidez do chamado tripé macroeconômico -conjunto de medidas que combinava câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais- nesse processo.

“O tripé se mostrou robusto. Acho que a âncora [do real] é o social. Isso permite alguma esperança de que, em mudanças que vêm aí no Banco Central, algumas bobagens possam ser evitadas. Se elas não forem, não só o povo vai sofrer, mas quem fizer também vai pagar o preço”, disse.

Não é possível ter vida econômica inteligente em um ambiente como aquele, de inflação descontrolada antes do real, afirmou o também ex-presidente do BC Gustavo Franco.

“E era nesse ambiente que nós começamos a trabalhar. Só depois conseguimos articular o que era aquela doença da moeda, que tinha várias dimensões”, disse Franco.

“O Plano Real encontrou obstáculos e críticos a cada passo, tudo o que a gente fez foi longamente criticado e debatido, é o ambiente da democracia”, complementou.

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan ressaltou os problemas do sistema financeiro nacional que precisaram ser resolvidos na sequência. “Quando acaba aquele véu da inflação, que impedia que o Brasil reconhecesse os seus principais desafios e problemas, pôde-se descortinar a verdade”, disse.

“Sempre dissemos que o controle da inflação não era um objetivo que se esgotava em si mesmo.”

DOUGLAS GAVRAS / Folhapress

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