Sob direção provisória, Anac regula setor pressionado por aéreas em dificuldade e preços em alta

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) vem enfrentando nos últimos anos o desafio de regular um setor sob pressão, com empresas aéreas em dificuldades financeiras, alto preço de passagens e temas que geram conflito entre empresas e usuários.

Sempre no foco após grandes acidentes aéreos, a agência divide sua atuação entre temas como segurança de passageiros, uso de combustíveis verdes, concessão de aeroportos e até certificação de carros voadores. Recentemente, também passou a ser cobrada por soluções que melhorem o transporte de pets —em particular, após a repercussão da morte do cão Joca.

Os desafios são enfrentados com um complicador. A agência convive com déficit de pessoal, baixos recursos e sob pressão política, o que a faz estar há mais de um ano com um diretor-geral interino.

A Anac foi criada em 2005, em substituição ao antigo Departamento de Aviação Civil. Ela é a agência regulatória responsável por regular e fiscalizar as atividades da aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no Brasil.

O órgão tem, portanto, os objetivos principais de promover a segurança da aviação civil e estimular a concorrência e a melhoria dos serviços. As multas para as companhias aéreas, por excesso de atrasos ou cancelamentos de voos, por exemplo, são aplicadas por ela.

Em 2024, foram aplicadas apenas 630 multas, que correspondem a um total de R$ 8 milhões. A princípio, o número representa uma grande queda proporcional em relação ao ano anterior, quando houve 2.000 autuações, que totalizaram R$ 122 milhões.

A Anac diz, no entanto, que os processos de autuações costumam ser demorados, envolvendo diferentes etapas. Por isso, o número atualizado para este ano deve subir, já que muitos processos ainda estão em fase de consolidação.

A agência também é responsável por conceder as certificações para diferentes atores no mercado da aviação civil, como aeronaves, escolas de formação e profissionais.

Outra atribuição é fiscalizar os contratos de concessão para a iniciativa privada dos aeroportos, verificando a qualidade dos serviços e se as obras previstas estão sendo executadas. Há atualmente 59 aeroportos sob o regime de concessão, por onde passam 93% de todos os passageiros dentro do Brasil.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concluiu no fim do ano passado a sétima rodada de concessão de aeroportos, que passaram em anos recentes a serem feitas em blocos. A previsão é que sejam investidos cerca de R$ 7,3 bilhões pelos próximos 30 anos, nos 15 aeroportos.

Desde o ano passado, a Anac também se tornou um dos órgãos cobrados, ao lado das empresas aéreas e do Ministério dos Portos e Aeroportos, por uma solução para abaixar o preço das passagens aéreas.

“A gente atua promovendo maior concorrência”, afirma Marcelo Bernardes, superintendente de Governança e Meio Ambiente da Anac, em referência a uma das apostas da agência para baratear o transporte aéreo: atrair as chamadas low costs, empresas com serviço mais enxuto e preços menores.

O governo Lula tem atribuído a alta dos preços das passagens, além da questão do QAV (Querosene de Aviação) e da alta do dólar, ao excesso de judicialização do setor e à falta de segurança jurídica.

DÚVIDA SOBRE COBRANÇA POR BAGAGEM DESPACHADA AFASTA EMPRESAS DE BAIXO CUSTO

Nesse último aspecto, Bernardes cita como exemplo a falta de definição sobra a cobrança por bagagem despachada, alvo de grande disputa no Congresso Nacional. Empresas aéreas estrangeiras, em particular low costs, chegaram a externar que aguardam uma definição para bater o martelo sobre a entrada ou não no mercado brasileiro.

A proibição da cobrança pelo despacho de uma bagagem com peso inferior a 23 quilos em voos nacionais ou inferior a 30 quilos nos internacionais partindo do Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional. Na sequência, no entanto, acabou vetada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).

O veto presidencial completou dois anos sem ser apreciado por deputados e senadores.

“A Anac tem se posicionado favoravelmente a manter o veto, a manter a regra atual. Essas empresas podem cobrar pela passagem despachada, não são obrigadas. Então vai de acordo com o modelo do negócio de cada uma. Então, uma vai oferecer já passagens com a bagagem, a outra não, a outra tem um modelo mais low cost”, afirma Bernardes.

Os representantes da Anac apontam que uma grande contribuição da agência para o barateamento dos custos dos transportes veio com o programa Voo Simples, durante a gestão Bolsonaro, que reduziu custos processuais.

Após ser atingido pela pandemia, o setor aéreo vem se recuperando nos últimos anos. Com isso, os representantes da agência apontam um crescimento nas suas próprias atividades, ao mesmo tempo em que enfrentam dificuldades com a falta de servidores e reduções em seu orçamento.

A legislação prevê que a Anac tenha 1.755 servidores, mas atualmente cerca de 70% desses cargos estão preenchidos atualmente. A situação ainda é considerada mais grave considerando que muitos de seus quadros são profissionais de alta qualificação, precisando executar atividades como certificação de aviões e oficinas mecânicas especializadas.

“Um dos grandes desafios é voltar a ter uma maior presença em território nacional. Hoje na Anac as operações estão muito centralizadas em Brasília”, afirma Fabio Rosa, presidente do Sinagências (Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação).

O orçamento da agência também vem apresentando queda ano a ano. A dotação orçamentária caiu de R$ 449 milhões em 2019 para os atuais R$ 392 milhões.

Gastos discricionários —aqueles em que há liberdade de execução conforme prioridades, como fiscalização, investimentos em tecnologia da informação, entre outros—, caíram nesse mesmo período de R$ 191 milhões para R$ 109 milhões.

“Esses cortes podem limitar a capacidade da agência de investir em tecnologias novas, ampliar suas operações de fiscalização e monitoramento, e apoiar o desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária”, informou a agência em nota.

Para amenizar esse aperto, a agência adotou um programa de gestão de desempenho, adotando de maneira massiva o teletrabalho e assim devolveu muitos dos imóveis que ocupava.

Servidores também apontam que a ausência de um diretor-geral efetivo fragiliza a instituição. A Anac está com um chefe interino, Tiago Sousa Pereira, há mais de um ano e sem perspectiva de mudança dessa situação.

Ele foi indicado pelo governo Lula, em março do ano passado, para ser efetivado no cargo. Apesar de uma mensagem presidencial com as indicações ter sido publicada no Diário Oficial da União, o Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirma que ela nunca chegou à Casa, para que seja feita a sabatina e votação.

A Casa Civil foi procurada e não se pronunciou até a publicação dessa reportagem.

Também está na mesma situação a indicação de Mariana Olivieri Caixeta Altoé para a vaga de Tiago Sousa Pereira. O mandato de outro diretor vencerá nos próximos meses e então passará a existir apenas o mínimo de integrantes para haver decisões da diretoria colegiada.

Outro tema bastante popular tratado pela Anac é a possível mudança nas normais para o transporte de animais de estimação, após a grande repercussão pela morte do cão Joca. O pet deveria ir de São Paulo para Sinop (MT), mas foi embarcado por engano para Fortaleza (CE).

A repercussão chegou até o casal presidencial, Janja e Lula, com o mandatário usando uma gravata especial em homenagem ao cão. A Anac e o Ministério dos Portos e Aeroportos abriram então uma investigação sobre a morte de Joca.

A agência também abriu uma consulta pública para receber contribuições da sociedade sobre regras de de transporte de animais. O prazo da consulta terminou neste mês, após ter sido prorrogada. Agora a Anac vai analisar as sugestões e deve apresentar propostas para as empresas aéreas e discutir eventuais mudanças nas normas.

Os representantes do órgão também apontam que se tornou prioridade a transição energética e a descarbonização do setor. O papel da agência, nesse caso, é buscar promover práticas sustentáveis e apoiar a transição para combustíveis alternativas e tecnologias menos poluentes, principalmente com o chamado SAF (Combustível Sustentável de Aviação, na sigla em inglês).

Em outra frente, a agência também iniciou as discussões para a certificação dos chamados carros voadores. No fim do ano passado, foi aberta uma consulta setorial para a apresentação de comentários sobre os critérios de aeronavegabilidade estabelecidos para a aeronave modelo EVE-100, da Eve, a empresa de mobilidade urbana da Embraer.

O modelo, que combina características de helicóptero e avião, deve ser usado como um táxi-aéreo urbano. A empresa pretende realizar voos de teste ainda neste ano. A agência ainda não publicou regulamentos para as aeronaves eVTOL (de pouso e decolagem vertical), por isso foi sugerido um mecanismo de certificação para aeronaves de classe especial, com a aplicação de partes dos requisitos previstos nos regulamentos brasileiros de aviação civil.

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RAIO-X DA ANAC

– O que é: autarquia vinculada ao Ministério dos Portos e Aeroportos, com sede em Brasília, que regula e fiscaliza as atividades de aviação civil e da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária

– Atribuições: Promover a segurança da aviação civil e estimular a concorrência e a melhoria da prestação dos serviços no setor. Elabora normas, certifica empresas, oficinas, escolas, profissionais de aviação civil, aeródromos e aeroportos. Também fiscaliza as operações de aeronaves, empresas, aeroportos e profissionais.

– Criação: 2005, durante o governo Lula (PT)

– Orçamento: R$ 392,7 milhões (2024)

– Servidores: 1.186

– Diretores (e quando terminam os mandatos):

1 – Tiago Sousa Pereira, diretor-presidente substituto (19 de março de 2026)

2 – Ricardo Bisinotto Catanant (19 de março de 2025)

3 – Rogério Benevides Carvalho (7 de agosto de 2024)

4 – Luiz Ricardo de Souza Nascimento (19 de março de 2026)

5 – Vago.

RENATO MACHADO / Folhapress

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