Trava em reembolso reduz chance de atuação do Brasil em missão de ajuda ao Haiti

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Oito meses após ser aprovada pela máxima instância de decisão da ONU, o Conselho de Segurança, a missão multinacional de ajuda à polícia do Haiti finalmente começa a sair do papel.

Nesta terça-feira (25), cerca de 400 policiais do Quênia desembarcaram no país em uma aeronave da Kenya Airways após partir de Nairóbi.

Após diferentes tentativas, no entanto, fica cada vez mais distante a possibilidade de alguma contribuição do Brasil a essa operação que tem como objetivo desidratar o poder das gangues armadas locais que controlam mais da metade da capital do país, Porto Príncipe.

Reservadamente, interlocutores do Brasil neste tema listam uma série de propostas apresentadas aos Estados Unidos, patronos e principais financiadores desta missão, para que Brasília indiretamente ajudasse.

Foram ofertados, entre outras coisas, uma aeronave para transportar aqueles policiais de outras nações do Caribe que devem se somar aos quenianos no Haiti. Ou então o envio de armas e equipamentos como tanques para esses policiais atuarem na capital haitiana.

Qualquer uma dessas alternativas, no entanto, requer que haja um reembolso com verba a ser retirada do fundo criado para essa missão. Washington, no entanto, bloqueou o reembolso e deu a entender que os itens deveriam ser ofertados como doação —o que hoje não é uma possibilidade para o Brasil.

A começar pelos desafios orçamentários domésticos brasileiros. Mas também se soma a essa leitura a emergência na porção Sul do país após as graves enchentes no Rio Grande do Sul, que demandam enormes esforços de reconstrução. E também o dilema ético de doar armas para uma equipe policial estrangeira atuar em outro país.

Brasília também ventilou a possibilidade de enviar alguns oficiais de alta patente com experiência para aconselhamento em cargos-chaves da missão. Mas até aqui não tem retornos positivos da contraparte americana, o que também reduz essa possibilidade.

Sempre houve grande expectativa de participação brasileira, ainda que desde o início Brasília tenha descartado o envio de policiais, devido ao histórico recente que liga o país ao Haiti pela liderança da Minustah, missão onusiana que atuou no país por 13 anos, de 2004 a 2017.

Mas o bloqueio do acesso ao fundo criado para bancar essa operação e o que alguns interlocutores descrevem como falta de transparência dos americanos desidratou as chances de um apoio direto do Brasil a essa missão encabeçada por Washington e Nairóbi.

Ainda restam expectativas de que o Brasil ajude na reconstrução do país em outras áreas, por fora da missão. Uma reunião bilateral no Paraguai nesta semana, às margens de um encontro geral da OEA, a Organização dos Estados Americanos, poderia pavimentar o caminho.

Estarão juntas a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha, e a nova chanceler haitiana, Dominique Dupuy, um perfil que chamou atenção no novo governo provisório conformado para garantir mínima estabilidade política no país. A mais jovem do gabinete —tem 34 anos—, ela trabalhava para as Nações Unidas em seu país.

Um modelo novo de missão, que teve de ser aprovada pela ONU mas na prática não é liderada pela organização, essa ajuda enviada agora ao Haiti tem como um dos desafios principais justamente o financiamento. Os EUA haviam prometido US$ 300 milhões.

Mas há ampla disputa no Congresso americano, em meio aos embates pré-eleitorais entre republicanos e democratas, para liberar a verba. Recentemente o governo Biden anunciou o envio de US$ 109 milhões.

Por parte de quem vive no Haiti, a chegada dos policiais quenianos trouxe o que um dos interlocutores do Brasil descreve como um clima de “otimismo ingênuo” de que, agora sim, as coisas podem começar a melhorar. O envio dos homens é a conta-gotas. Espera-se que nos próximos meses 2.500 policiais estrangeiros estejam atuando no apoio à Polícia Nacional Haitiana, deficitária e com altas taxas de evasão.

A despeito do otimismo, há também preocupação de que a presença dos policiais, que devem trabalhar na proteção de algumas estruturas importantes, como a de combustível, apenas empurre as gangues armadas para o interior do país, afastando o problema da capital, ou as faça hibernar, mas sem resolver o problema de fato.

Especialistas apontam que a raiz dessa questão está no acesso a armas que têm esses grupos, especialmente a armamentos que saem dos EUA.

Enquanto isso, a calamidade social no país segue se agravando. Em recente relatório a ONU calculou que 578 mil haitianos estão hoje deslocados em seu próprio país. Ou seja, que tiveram de deixar suas casas devido à violência. É um número 60% maior que o registrado um mês antes, o que mostra a deterioração rápida do cenário local. O país tem cerca de 11 milhões de habitantes.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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