LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O Fórum Jurídico de Lisboa, que chega neste ano à 12ª edição, faz jus ao apelido de “Gilmarpalooza”, pelo qual é conhecido nos meios jurídicos e políticos. Como um festival de rock, tem os palcos oficiais e a “programação alternativa” que, a depender do dia, tem muito mais apelo.
A “programação alternativa” do Gilmarpalooza deste ano começou nesta terça-feira (25) com um coquetel promovido por Flávio Rocha, dono da rede de lojas Riachuelo.
O apartamento de cobertura do empresário em Lisboa fica no prédio que no passado pertencia ao jornal Diário de Notícias, na avenida da Liberdade que os lisboetas consideram a “Avenue Champs-Élysées portuguesa” pela quantidade de lojas de grife que marca a via parisiense.
O endereço chegou a abrigar, em tempos idos, etapas do concurso Miss Portugal.
Compareceram ao coquetel políticos como Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e o senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP; gente da área financeira, como o banqueiro André Esteves e Luiz Carlos Trabuco Capri, presidente do Conselho de Administração do Bradesco; empresários como os irmãos o próprio Flávio Rocha; e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, anfitrião do evento. No coquetel, circularam garrafas de Pera Manca, vinho alentejano de qualidade superior, em suas versões tinta e branca.
A programação oficial começou no dia seguinte, quarta, 26, na Universidade de Lisboa, com um cardápio bem mais modesto: salgadinhos de pão com salsicha, sanduíches de queijo, brigadeiro e suco de frutas vermelhas. Na sessão solene de abertura, Lira saudou a “diversidade de perspectivas dos oradores do Fórum”, e Gilmar celebrou o fato de o evento “estar integrado de forma indelével ao calendário jurídico-político luso-brasileiro”.
A programação do primeiro dia do Fórum de Lisboa prevê vários integrantes do Executivo e do Legislativo, incluindo alguns dos nomes citados acima. É no segundo dia que começam a chegar os outros integrantes do Supremo Tribunal Federal, além de Gilmar.
A programação prevê falas dos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso no final da tarde desta quinta dia 27. Para a sexta dia 28 estão previstos Flávio Dino, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes, além de novamente Gilmar Mendes na sessão de encerramento.
Os seis ministros do STF se deslocam a Lisboa no momento em que os brasileiros iniciam um debate sobre os gastos em eventos aos quais comparecem juízes da Suprema Corte. A discussão foi desencadeada em abril deste ano, quando ministros do STF participaram de um evento em Londres bancado por empresas com ações nos tribunais superiores. Mais tarde, em junho, o STF pagou R$ 39 mil a um segurança de Toffoli para uma viagem ao Reino Unido, que incluiu uma ida ao estádio de Wembley para assistir à final da Champions League entre Real Madrid e Borussia Dortumund.
O debate sobre transparência de gastos das supremas cortes não se restringe ao Brasil. A discussão mais acalorada se deu no ano passado nos Estados Unidos, e resultou na criação de um Código de Conduta para a Suprema Corte. O documento, divulgado em 13 de novembro de 2023, reafirma o direito de os juízes participarem de eventos acadêmicos como é o caso do Fórum de Lisboa, promovido pela Fundação Getúlio Vargas, a Universidade de Lisboa e o IDP, instituto que tem Gilmar como um dos proprietários.
O código americano faz, no entanto, vá rias advertências. Tais eventos não podem ser patrocinados por empresas que têm casos na Suprema Corte ou que podem chegar a instâncias superiores no curto prazo. Os juízes também não podem participar de eventos de campanha de partidos políticos nem promover produtos comerciais.
Como no Brasil, o debate americano teve alguns fatos desencadeadores. Tudo começou quando o incorporador imobiliário Harlan Crow, apoiador do Partido Republicano, comprou um imóvel do juiz Clarence Thomas, deu carona ao magistrado em seu jatinho e pagou a escola de seu sobrinho. Thomas disse em sua defesa não ter culpa de ter “amigos ricos”.
Outro juiz da Suprema Corte, Samuel Alito, fez uma viagem de férias junto com o investidor do mercado financeiro Paul Singer, que pagou suas despesas. Singer tinha questões pendentes na Justiça americana. O caso foi revelado pela agência jornalística ProPublica.
Houve também o caso de Sonia Sottomayor, primeira hispano-americana a ocupar um cargo na Suprema Corte americana, acusada de usar o prestígio da instituição para promover a compra de seus livros por parte de universidades.
O código de conduta americano apenas define regras de bom senso, sem prever um limite de despesas ou obrigar um juiz a prestar contas e foi bastante criticado por isso quando de sua publicação. O debate nos Estados Unidos parece estar apenas começando.
Na Europa, as cortes superiores têm códigos de conduta mais específicos. Na Alemanha, existe um valor limite para os presentes que um magistrado pode receber 150. O juiz pode ter atividade acadêmica e dar palestras, mas deve colocar os cachês no site da corte para que os cidadãos alemães julguem se está dentro do que é apropriado. A página do site é escrita também em inglês, pelo fato de a Alemanha ser cada vez mais uma sociedade multicultural.
No país, a criação de regras para a Suprema Corte também se deu depois da divulgação de alguns fatos constrangedores. Em geral, de juízes que se envolviam em causas polêmicas depois de deixarem a instituição na Alemanha, ao contrário do Brasil, o cargo de juiz não é vitalício, mas obedece a um mandato de 12 anos.
Em Portugal, vale igualmente a regra dos 150, e o juiz tem que prestar contas do que recebe. Não é necessário que faça isso em público, como na Alemanha. Suas despesas são encaminhadas à presidência da República e lá ficam registradas em caso de algum questionamento.
Nos Estados Unidos, a criação de um Código de Conduta, ainda que incipiente, estancou uma onda de perda de popularidade da Suprema Corte. Na Alemanha, elevou os índices de aprovação a 80%. Como admitiu o presidente Luís Roberto Barroso em recente entrevista ao programa Roda Viva, o STF brasileiro não se submete a nenhum código de conduta.
Seria possível um evento como o Gilmarpalooza em que juízes americanos, alemães ou portugueses confraternizam com banqueiros, empresários e políticos, em eventos oficiais e outros fora da agenda? A análise dos códigos de conduta das supremas cortes desses países sugere que, ao menos, haveria um maior grau de transparência nas despesas e maior cuidado com o escrutínio da opinião pública.
JOÃO GABRIEL DE LIMA / Folhapress