(UOL/FOLHAPRESS) – Pentacampeão brasileiro dos 400m rasos, Lucas Carvalho busca o hexa do Troféu Brasil, que começa nesta quinta-feira (27), em momento especial da carreira. Um dos poucos atletas do país com índice para os Jogos de Paris enquanto vê uma chance real de medalha quando pensa nas Olimpíadas.
“Medalha muda a vida do atleta, é o sonho de atleta, e a gente tem que focar só nisso. Eu tenho total certeza que dá pra pegar essa medalha. Dá para bater nosso recorde e pegar medalha”, diz ele, falando do revezamento 4x400m masculino do Brasil.
Lucas, de 30 anos, fez o índice olímpico dos 400m rasos no Campeonato Sul-Americano do ano passado, quando ganhou uma das eliminatórias com 44s79. Este ano, Matheus Lima, de apenas 19, antes um especialista dos 400m com barreiras, surpreendeu com uma marca ainda melhor, 44s52.
O que poderia ser uma preocupação virou motivo de alegria. Quanto mais gente correndo rápido, maior chance para o revezamento. “Eu fiquei bem feliz, porque isso me fez pensar no futuro. Mais um correndo 44s, já pensei no revezamento ganhando medalha. Se vier mais gente, melhor ainda”, afirma Lucas.
Além dele e de Matheus, o país também Alison ‘Piu’ com índice nos 400m rasos. Mas o medalhista olímpico quer repetir o pódio nos 400m com barreiras e sempre disse que não correria os 400m rasos em Paris. No revezamento, topa fazer parte da equipe, mas só em uma eventual final, já que as eliminatórias do 4x400m são no mesmo dia da aguardadíssima final dos 400m com barreiras.
Piu já desfalcou a equipe no Mundial de Revezamentos, que valia como Pré-Olímpico, e mesmo assim a vaga veio. “Quando ficamos sabendo que o Piu não ia, deu uma balançada. A gente sabia que ia ser uma briga boa, e conseguimos a vaga no segundo tiro. O time estava com uma energia muito boa”, analisa.
Do primeiro para o segundo tiro, também mudou o visual de Lucas. Acostumado a correr sempre de óculos escuros, de manhã ou de noite, em ambiente aberto ou fechado, ele havia competido sem o acessório na primeira bateria.
“Sempre gostei de correr de óculos, desde quando fiz uma troca com um amigo meu. Usei uma vez os óculos dele, e ele falou: me dá esse tênis e você fica com os óculos. Fiquei e gostei. Tenho um pouco de sensibilidade no olho, fica lacrimejando quando bate vento, então também me ajuda. Só não corro de óculos escuros quando está garoando, aí uso um óculos mais claro.”
SEPARADOS PELO DINHEIRO
Lucas e Piu fazem parte da mesma equipe. Treinam sob comando de Felipe Siqueira, assim como Rafael Pereira, recordista sul-americano dos 110m com barreiras, um britânico e um francês. Com uma diferença: Lucas não teve suporte financeiro para viajar com eles para os EUA, onde a equipe treina.
Isso significa que ele treina diariamente em São Paulo, sozinho, com uma planilha enviada pelo treinador, chamado de Felipão. “Ele me manda os treinos e eu consigo pegar meus tempos. Quando não consigo, peço para alguém que esteja por perto. É a primeira temporada que eu fico sozinho. No ano passado eles foram para os EUA, mas a mulher do Felipão ficou, e conseguia me auxiliar muito bem. Agora sou só eu”, conta Lucas.
Melhor do país nos 400m rasos há sete anos, ele tem sofrido com poucas oportunidades de correr meetings no exterior. No ciclo olímpico inteiro, não fez isso uma só vez. Só foi ao estrangeiro em competições entre seleções, como o Mundial e o Sul-Americano.
“Quando você corre fora, você ganha mais confiança. Está na competição junto com seus rivais, está perto, ganhando uma, perdendo outra, mas competindo. Você sabe o que melhorar, o que errou”, lamenta Lucas.
Ele se mantém próximo ao grupo de treinamento pela internet. Segue sendo um dos melhores amigos de Piu, seu grande parceiro de videogame. Ao menos uma vez por semana eles se encontram virtualmente para jogarem juntos Rainbow Six, um jogo de tiro.
DO CEU ÀS OLIMPÍADAS
Criado na periferia de São Paulo, Lucas é uma rara cria esportiva de um CEU (Centros Educacionais Unificados), equipamento criado para serem não só escolas, mas locais de articulação de políticas públicas de território, unindo educação, cultura, esporte, lazer e recreação.
Lucas foi descoberto numa dessas unidades, em São Mateus, na zona Leste. “O CEU não tinha estrutura para esporte, mas tinha um projeto e pessoas querendo fazer dar certo. Eu corria descalço, treinava na rua. Não tinha estrutura alguma. Mas tinha um técnico, o Marcio Fortunato, que conchecia do atletismo, começou a me levar às competições, conseguiu tênis para mim, ajuda com as pessoas da região”, lembra Lucas, sobre um projeto que não existe mais.
“É triste, você vê que na cidade de São Paulo quase não tem opção de iniciação no atletismo. Nas periferias onde tem muita gente, não tem projeto do tipo. Falta ter o atletismo nas escolas, falta a estrutura, para saber onde levar uma criança. nesta quarta-feira (26) só tem peneiras no Centro Olímpico, talvez no NAR. É muito pouco”, lamenta.
Lucas começou no esporte de alto rendimento como corredor de 110m com barreiras, chegando à semifinal do Mundial Júnior de 2012 nesta prova. Mas a prova tem barreiras mais altas no adulto, e ele não tinha a flexibilidade necessária. Entre atrasar a carreira para adquirir essa qualidade e mudar de prova, optou pelo segundo caminho, e passou a competir nos 400m com barreiras.
Só que, ainda que treinasse bem, os resultados não apareceram. E, no processo de transição, fez boas marcas nos 400m rasos. Enxergando uma chance de fazer parte do 4x400m rasos na Rio-2016, decidiu focar, e se deu bem. Foi convocado à primeira Olimpíadas da carreira, ainda que não tenha corrido ficou como reserva.
Logo assumiu o posto de melhor do país, e em 2019 passou por uma experiência curiosa. Lucas foi convidado para morar e treinar no Qatar, onde seria parceiro de treinos de uma das grandes apostas do atletismo daquele país. “Eu fui sem receber nada. Cheguei lá só tinha uma casa, e eles me davam uma alimentação. Eles só iam me pagar quando fosse para camping, e só fui para um. Fiquei cinco meses e voltei. O treino era muito diferente do que eu fazia no Brasil, parecia que eu estava começando no atletismo”, lembra.
Na volta ao Brasil, passou a treinar com Felipe, e os resultados melhoraram expressivamente, até o índice no ano passado. “Eu estava até treinando muito melhor em outros anos do que ano passado, mas era questão de alinhar corpo e mente. Antes do Sul-Americano o Piu tinha perguntado quanto eu achava que eu ia correr. Eu disse que mnha meta era meu PB, que era 45s10. Depois disso, esquece, certeza que vou baixar de 45s. Quando corri o Sul-Americano veio aquele alívio, saiu a pressão, tudo de ruim que eeu estava levando, por treinar bem e não conseguir correr bem uma competição”.
DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress