BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A isenção de impostos para o frango, defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta (26), está no centro da polêmica em torno do projeto de regulamentação da reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados.
O projeto, enviado pelo governo, deixou de fora o frango da lista de produtos da Cesta Básica Nacional que terão alíquota zero quando a reforma entrar em vigor. A decisão foi muito criticada por setores do agronegócio e supermercados, que defendem uma cesta básica nacional mais ampla e foram surpreendidos pela ausência da proteína animal na lista.
Pela manhã, em entrevista ao UOL, Lula defendeu que o frango não seja tributado porque é a carne que “o povo” consome. O petista falou em “mediação” no conflito sobre a tributação e afirmou que é preciso separar a taxação da carne consumida pelas pessoas de alto padrão daquele que o povo consome.
“Acho que a gente tem que mediar. Você tem carne que é consumida só por gente de padrão alto e você tem a carne que o povo consome. Então, você pode fazer a separação carne de frango, você não vai taxar frango. Carne de frango é o que o povo come todo dia, pé de frango, pescoço de frango, peito de frango”, disse.
Desde o início da tramitação da PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária, no ano passado, o presidente não tem entrado na discussão de itens específicos da tributação.
Na entrevista, no entanto, foi Lula quem puxou o assunto quando os jornalistas do UOL perguntaram sobre o arroz que é consumido no dia a dia. O presidente disse que os empresários querem a isenção de todas as carnes.
“Nós estamos discutindo um monte de coisa. Agora vamos discutir, por exemplo, a política tributária. Nós vamos discutir quais os itens que a gente quer que não paguem o imposto e qual que pague imposto. Então, eu acho que você tem que separar. Mesmo na questão da carne, os empresários querem que você isente toda a carne”, disse.
Os produtos da cesta básica nacional serão integralmente desonerados da cobrança do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), dos estados e municípios, e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), do governo federal.
A lista inclui desde o tradicional arroz e feijão –dois dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros– até farinha. Já é esperada uma ampliação da lista nas negociações do Congresso, onde a bancada do agronegócio tem forte poder de pressão.
A emenda constitucional da reforma também previu a possibilidade de redução em 60% da alíquota cheia para alimentos destinados ao consumo humano, inclusive sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes. As carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras) ficaram nesse grupo.
Há também poucos produtos de consumo de luxo que ficaram na alíquota cheia –a chamada alíquota padrão ou alíquota de referência do IBS e da CBS.
A expectativa de parlamentares do agronegócio é que as carnes entrem na lista da Cesta Básica Nacional durante a votação do projeto. Pessoas a par das negociações afirmam que há discussão para incluir o frango. Já a inclusão das carnes bovinas teriam um impacto muito grande na alíquota geral.
Por razões operacionais, não é possível segregar os tipos de carne para reduzir a zero os tipos mais consumidos pela população de baixa renda. A razão técnica é que o boi é dividido em quarto dianteiro e traseiro, o que inviabiliza, na prática, tributar mais as carnes mais caras.
Um deputado que participa do grupo de trabalho que analisa o projeto afirma à reportagem que ainda não há nada decidido, mas que os parlamentares estudam a possibilidade de incluir esses itens. Ele ressalta, no entanto, que tudo depende do impacto que isso trará na alíquota –e diz que se Lula quisesse ter incluído na cesta básica a proteína animal, teria que ter feito isso no projeto enviado ao Congresso.
O presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), João Galassi, disse à Folha de S.Paulo que a fala do presidente mostrou que ele entende a importância da proteína animal para uma cesta básica saudável e nutritiva, como previu a emenda da reforma.
Para ele, não faz sentido a separação que o presidente Lula faz entre a população com mais padrão de renda mais alto. Galassi pondera que a reforma para tratar de questões relacionadas à equalização da desigualdade social não é a do consumo, mas a da renda, que ainda não foi enviada ao Congresso.
Ele disse acreditar que os deputados serão sensíveis e vão incluir as carnes na cesta básica e não apenas o frango.
Na reta final das últimas reuniões para ouvir as demandas dos setores antes da apresentação do relatório, os deputados do grupo de trabalho que analisa o projeto receberam nesta quarta, em reuniões em separado, os secretários Robinson Barreirinhas (Receita Federal), e Bernard Appy (Extraordinário de Reforma Tributária).
Na saída, Appy disse que estava confiante na aprovação antes do recesso parlamentar (que começa oficialmente em 18 de julho), mas evitou entrar em detalhes das mudanças que estão sendo discutidas. A reunião com Barreirinhas foi para detalhar o funcionamento do chamado split payment, o mecanismo de pagamento de tributos criado pela reforma tributária no ato de aquisição de produto ou serviço por uma empresa.
As reuniões de atendimento se encerraram nesta quarta-feira. Os integrantes do grupo de trabalho vão se reunir ainda na Câmara para definir os principais pontos polêmicos para fechar o texto do relatório. A ideia é que os pareceres possam ser divulgados na próxima semana.
Segundo um líder partidário, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), indicou que quer iniciar a votação dos textos no dia 9 de julho para encerrá-la no dia 10. Esse prazo também é trabalhado por membros do Ministério da Fazenda.
Os temas que não forem de consenso entre o grupo de trabalho e a equipe de Appy serão levados ao colégio de líderes até a próxima quarta. Desde o começo dos trabalhos do grupo, os parlamentares estão se reunindo frequentemente com Lira, que tem deliberado sobre pontos do parecer.
O deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que também integra o grupo, afirmou que o colegiado recebeu mais de mil pedidos de alterações no texto. Segundo ele, a maior parte (70%) é de ajustes de redação. O restante será resolvido na política, de acordo com o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que foi o coordenador do grupo que analisou a PEC da reforma na Câmara no ano passado.
Entre esses pontos, está a cobrança do Imposto Seletivo e a cesta básica. Lopes antecipou que há demanda para ampliação do alcance do cashback, mecanismo de devolução do imposto para a população de baixa renda, e que isso é um pleito das mulheres.
O deputado petista afirmou que a lista de medicamentos com redução e isenção da tributação poderá ser ampliada. Os medicamentos gripais poderão ter alíquota zero. Não haverá mudanças no modelo de tributação do saneamento, mas aperfeiçoamentos poderão ser feitos nas regras de revisão dos contratos das empresas
“Cada um de nós está conversando com as nossas bancadas. Muita gente criticava e achava que tinha que ter só um relator. Mas Arthur [Lira] acertou no que viu, era impossível votar uma matéria dessa com um único relator”, afirmou o deputado Claudio Cajado (PP-BA), que integra um dos grupos.
Segundo Cajado, o deputado Mauro Benevides (PDT-CE), membro do outro grupo, indicou que o relatório do segundo projeto de regulamentação da reforma poderá também ser apresentado na próxima semana.
ADRIANA FERNANDES E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress