BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Plano Real só alcançou a estabilização após a chegada à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, com o fim da dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a acumulação de reservas internacionais. A análise é do presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Aloizio Mercadante uma das principais vozes econômicas dentro do PT.
Mas, há 30 anos, quando o Plano Real foi lançado, nada indicava que o PT veria a si mesmo como o responsável por consolidar a moeda gestada pelos rivais do PSDB.
O partido, inclusive o então deputado federal Mercadante, votou contra a criação da nova moeda para, em seguida, ver o sucesso do Real em controlar a inflação acabar com as chances de Lula nas eleições presidenciais de 1994.
“Parte da rejeição ao plano se devia à conjuntura político eleitoral da época, com o PT na oposição, mas outro era o histórico do Brasil de planos econômicos na véspera da eleição para garantir a vitória nas urnas”, aponta o sociólogo Celso Rocha de Barros, autor do livro “PT, uma História” e colunista da Folha de S.Paulo.
“Na época teve um debate grande dentro do PT. A Maria da Conceição Tavares [economista petista] achava que ia dar errado ainda antes da eleição e o PT comprou essa história”, lembrou Barros.
“Em muitas avaliações, o posicionamento do partido em relação ao Plano Real surge como um dos fatores fundamentais para a reversão do quadro eleitoral”, avaliaram Adhemar S. Mineiro, Eduardo Callado, Nélson Lecocq e Paulo Passarinho (do núcleo de economistas do PT) no artigo “Podem ficar algumas lições?”, publicado em 1994 na revista Teoria e Debate, mantida pela fundação do partido.
“E nem poderia deixar de sê-lo: a aceleração da queda de Lula nas pesquisas, a partir da entrada em vigor da nova moeda, bem como as dubiedades de nosso posicionamento em relação ao plano, deixam claro que o Real foi decisivo para a nossa derrota”, afirma o texto.
Mesmo com as reflexões, em 1998 Lula ainda tentava pregar contra o plano e chegou a comparar o Real a uma “fantasia” ao citar o nível do desemprego e o cenário econômico do momento. “Não há o que comemorar. O Brasil está à beira do caos com essa política econômica”, declarou Lula na época, em meio às comemorações de quatro anos da moeda.
As previsões deram errado e o plano controlou a inflação de maneira sustentada, o que passou a ser reconhecido pelo partido.
Com o tempo, lembra Barros, “o PT foi aceitando tacitamente [o sucesso do Plano Real]. Nunca falou que estava errado, e foi mudando de assunto. O Plano Real sai da discussão”.
Um dos pilares do Plano Real foi a paridade do real com o dólar, a chamada âncora cambial que acabou em janeiro de 1999, primeiro mês do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Mercadante, em artigo sobre o tema, critica as medidas ligadas ao Real tomadas pelo governo da época. Ele afirma que, pela tentativa de reeleição, a âncora cambial foi prorrogada, causando apreciação do câmbio, deterioração das contas externas e “crise cambial, econômica e social”.
Com isso, diz o economista, “o governo FHC expôs o país a um ataque especulativo decorrente do desequilíbrio das contas externas, recorreu ao FMI e se submeteu ao chamado ‘Consenso de Washington’, que preconizava abertura comercial unilateral, desregulamentação financeira, [e] ajuste fiscal baseado em privatizações e Estado mínimo”.
Mercadante afirma que, mesmo assim, o governo da ocasião não conseguiu evitar uma nova crise cambial e novo pedido de ajuda ao Fundo, em 2002. Para ele, isso selou o destino dos governos do PSDB, “que não venceram mais eleições presidenciais e ainda amargaram uma crise partidária, agravada pelo apoio ao golpe de 2016 e pela adesão de lideranças ao bolsonarismo”.
Nas eleições de 2002, Lula venceu o seu primeiro pleito presidencial, herdando uma economia já sobre as bases da nova moeda. Na visão de Mercadante, no entanto, só na gestão petista que o real foi estabilizado.
“A estabilização do Plano Real só se completou no governo Lula, quando o país quitou a dívida com o FMI e começou a acumular reservas internacionais, que persistem até hoje e nos dão autonomia de política econômica”, pondera.
O presidente do BNDES aponta que na questão fiscal, o trabalho está incompleto já que o país ainda busca consolidar uma regra fiscal “que combine responsabilidade fiscal e social, permitindo o crescimento real sustentável das despesas primárias”.
“Passados 30 anos, a história mostra que o Plano Real foi bem-sucedido ao reduzir a inflação, mas não em garantir a estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento”, avalia.
LUCAS MARCHESINI / Folhapress