Mulher não é dona do próprio corpo no Brasil, diz escritora Tatiana Salem Levy

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seja sob os olhos de Deus ou de um padrasto, as meninas de Claudia Piñeiro e de Tatiana Salem Levy são retratos da violência. Esse fio uniu as escritoras argentina e brasileira na tarde deste domingo (30) na Feira do Livro em uma das duas mesas do dia que teve a mulher na literatura como ponto de partida.

Piñeiro vem ao Brasil na esteira da tradução de “Catedrais”, romance que narra em muitas vozes o assassinato da jovem Ana.

Salem Levy lança “Melhor não Contar”, romance de inspiração autobiográfica em que a protagonista sofre assédio de um padrasto. “Vista Chinesa”, de 2021, sobre um estupro, é também baseado em uma história real de uma amiga da autora.

Mas nem Piñeiro, nem Levy tinham intenção de escrever livros sobre a violência contra a mulher quando escreveram as suas obras. A argentina diz, ainda, que não escreveu para militar. “As coisas que aconteceu com as personagens são as coisas que acontecem com a gente”, diz.

Salem Levy diz que percebeu que seus romances trazem a violência quando fez o exercício de olhar para trás. Piñeiro parte de uma cena, Ana, a protagonista de “Catedrais”, entrando em uma igreja, ensopada. Mas a violência sofrida, ela diz, veio depois.

Elas, aliás, nem sequer pensaram em fazer literatura feminina, coisa na qual elas não acreditam. Salem Levy refuta a ideia de que mulheres façam livros intimistas e subjetivos. Piñeiro fala que novas gerações leem autoras sem a ideia de que aquilo é direcionado só às mulheres.

Mas o impacto do feito não escapa à percepção delas. “Junto com a escrita tem um gesto politico, temos que tomar a palavra”, diz Salem Levy.

O ofício com a linguagem foi pauta quando se debateu o direito ao aborto. Piñeiro diz que ativistas antiaborto fazem operações com as palavras ao se dizerem pró-vida, como se os favoráveis à interrupção fossem contrários a ela.

Salem Levy, que fez um aborto em Portugal, onde o procedimento é legalizado, diz que “o aborto é sempre difícil”. “Não ter um julgamento moral torna menos solitário”, afirma. Ela argumenta que a possibilidade de falar sobre isso traz conforto.

Mas escrever, diz, trouxe ansiedade. “Enquanto eu escrevo não tenho medo dr nada.” Depois, porém, vêm até pesadelos.

Piñeiro reagiu dizendo que desde a descriminalização do procedimento na Argentina a quantidade de meninas que deram à luz diminuiu.

Mas entender a argentina não foi tarefa simples, apesar do amistoso espanhol quase irmão do português. Imperou nos alto-falantes a tradução simultânea da autora, que repetiu um problema da primeira edição da Feira —falas da argentina perderam temperatura, ficaram truncadas e diminuíram o ritmo do início da mesa.

No começo da conversa, o volume dos microfones de outra tenda também atrapalhou a conversa e criou alguma comoção no palco principal.

BÁRBARA BLUM / Folhapress

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