SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde a colonização, o Brasil teve nove moedas oficiais que ajudam a contar a história do país. As trocas visavam combater a inflação e facilitar a vida dos brasileiros, com menos cédulas e menos espaço para falsificações, além de simbolizarem as mudanças políticas do país.
“O dinheiro também é uma forma de comunicação com a população do país. Você utiliza daquele objeto, que vai passar pela mão de toda a população, para passar uma mensagem”, afirma Bruno Henrique Pellizzari, vice-presidente da Sociedade Numismática Brasileira.
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CONFIRA A LINHA DO TEMPO DAS MOEDAS DO BRASIL DOS RÉIS AO REAL:
RÉIS (1500 A 1942)
Segundo o Banco Central do Brasil, com a chegada dos portugueses, o escambo de mercadorias era o método de pagamento. Conforme as expedições avançavam, começaram a circular as primeiras moedas no Brasil, trazidas pelos portugueses, invasores e piratas.
Nesta época, a unidade monetária de Portugal, os réis, foram instituídos no Brasil.
Foi somente em 1694, que foi criada a primeira Casa da Moeda brasileira, na Bahia. Todas as moedas de ouro e de prata em circulação na Colônia deveriam ser enviadas à Casa da Moeda para serem transformadas em moedas provinciais. Com a transição do ciclo do açúcar para o ciclo do ouro, ela estabeleceu-se definitivamente no Rio de Janeiro em 1703.
Durante estes anos, as moedas que mais circularam foram as patacas, por 139 anos, de 1695 a 1834. Essa série era composta pelas moedas de prata nos valores de 20, 40, 80, 160, 320 e 640 réis. O valor de 320 réis pataca deu nome à série.
Como muitas patacas vinham de outros países, por conta de mercadores e marinheiros, Portugal regularizava as moedas que circulavam pelo país, carimbando-as. Quando a corte se mudou para o Brasil, em 1808, o carimbo também atribuiu um valor maior àquele de face, para financiar a vinda da família real.
“Eles hipervalorizaram as moedas para que elas ficassem na colônia e para que isso desincentivasse que elas fossem levadas de volta para Portugal” explicou Thomas Ribeiro, representante da Heritage Auctions, maior casa leiloeira de colecionáveis do mundo, com foco em numismática.
Os réis foram a mais longeva das moedas brasileiras, sendo utilizado até mesmo após o período de colonização, na independência do país.
Foi nessa época que uma das moedas mais valiosas do Brasil surgiu. Logo a após a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822 , foi criada uma moeda celebratória, estampada com Dom Pedro I. O imperador era retratado com uma coroa de louros em sua cabeça, o que o fazia parecer um ditador romano, algo que o desagradou. Dom Pedro, então, mandou que todos os exemplares fossem derretidos.
“Fizeram apenas 64 unidades dessa moeda de ouro. Derreteram quase todas, restaram apenas 16 conhecidas no mundo” explicou Edson Martins Cruz, coordenador de acervo do Itaú Cultural.
Um destes exemplares raríssimos foi comprado pelo Itaú Unibanco em um leilão e está disponível para visitação na exposição “Herculano Pires Arte no Dinheiro”, no Itaú Cultural, em São Paulo.
“Pela história que ela representa, pelo momento político que ela foi cunhada, ela é a mais valiosa da coleção numismática” completou.
Segundo os últimos leilões, a rara moeda vale US$ 500 mil (R$ 2,8 milhões).
CRUZEIRO (1942 A 1967)
Em 1942, com a desvalorização dos réis, havia 56 tipos diferentes de cédulas no Brasil.
Para uniformizar o dinheiro em circulação foi instituída a primeira mudança de padrão monetário no país durante o governo de Getúlio Vargas. O antigo réis deu lugar ao Cruzeiro. Um cruzeiro correspondia a mil réis. Na época, a inflação era de 20% ao mês no país.
As cédulas estampavam figuras como Santos Dumont, Tiradentes, o próprio Getúlio Vargas, entre outros.
A troca da moeda, porém, não freou a inflação e ela foi posteriormente trocada pelo Cruzeiro Novo, em 1970.
CRUZEIRO NOVO (1967 A 1970)
Segundo o Banco Central, o Cruzeiro Novo foi criado como um padrão de caráter temporário, para vigorar durante o tempo necessário ao preparo das novas cédulas e à adaptação da sociedade ao corte de três zeros da nova moeda. Para isso, o Cruzeiro Novo utilizou as cédulas do padrão anterior, carimbadas com os novos valores, como é possível visualizar na nota abaixo.
A implantação do Cruzeiro Novo, durante o governo do militar Artur da Costa e Silva, fazia parte de um plano econômico para combater a inflação e estabilizar a economia do país.
CRUZEIRO (1970 A 1986)
Visando frear a inflação que estava tomando rumos alarmantes, o governo militar de Emílio Garrastazu Médici concluiu a reforma monetária do cruzeiro novo. Em março de 1970, o padrão monetário voltou a chamar-se cruzeiro, mantendo a equivalência com o cruzeiro novo. Um cruzeiro novo correspondia a um cruzeiro.
A nova cédula permaneceu em circulação até 1986, quando a inflação voltou a estourar, atingindo índices de 16,2% ao mês.
CRUZADO (1986 A 1989)
Com o salto dos preços, o governo de José Sarney implementou, em 28 de fevereiro de 1986, um plano de combate à inflação que ficou conhecido como Plano Cruzado.
A reforma monetária mudou a moeda de cruzeiro para cruzado e cortou três zeros no valor nominal da moeda, decretou-se congelamento de preços e tarifas. Um cruzado equivalia a mil cruzeiros.
A maioria das cédulas do Cruzado foi aproveitada do Cruzeiro, recebendo carimbos ou tendo suas legendas adaptadas.
Nessa época, foram criadas tabelas que eram publicadas nos jornais e fixadas nos supermercados mostrando quanto cada item deveria custar.
Porém, o congelamento de preços com o consumo nas alturas gerava ágios e sumiço de bens nas prateleiras dos supermercados, entre eles, a carne.
O Plano Bresser surgiu em 1987, para promover um choque desinflacionário na economia, assim evitando os erros cometidos no Plano Cruzado. Ele foi lançado pelo ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira, que congelou preços, que seriam corrigidos a cada 90 dias, acompanhada de uma redução salarial.
Meses depois, o plano não obteve sucesso e a inflação voltou a subir.
CRUZADO NOVO (1989 A 1990)
O Plano Verão foi lançado em 1989 pelo ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega durante o governo Sarney, seguindo o mesmo intuito dos demais planos que fracassaram: regular a inflação.
Em janeiro daquele ano, foi instituído o Cruzado Novo, com unidade equivalente a mil cruzados. O três últimos valores emitidos em cruzados receberam carimbos em cruzados novos e, em seguida, foram emitidas cédulas específicas do padrão. O plano não mostrou resultados e decaiu em 1990, na eleição de Fernando Collor de Melo.
Foram novamente congelados preços e salários, o câmbio desvalorizado em 18%, criou-se o cruzado novo e uma política monetária rígida com altas taxas de juros foi adotada.
Boa parte das promessas do plano ficaram apenas no papel em um ano eleitoral, em que o país assistiu à primeira eleição direta presidencial desde 1964.
CRUZEIRO (1990 A 1993)
O fracasso do Plano Verão fez com que a inflação fosse de 40% em outubro de 1989 para 80% em março de 1990.
Buscando conter a inflação e estabilizar a economia, foram lançados dois planos, pela ministra da Fazenda Zélia Maria Cardoso de Mello, sob os nomes de Plano Collor e Plano Collor II.
No Plano Collor, o cruzeiro foi reintroduzido como a moeda oficial do Brasil em março de 1990, substituindo o cruzado novo, com unidade equivalente a um cruzado novo. Novamente circularam cédulas carimbadas, com legendas adaptadas e cédulas do padrão. Nas medidas, constavam o confisco da poupança, privatizações e abertura comercial.
O Plano Collor II foi apresentado no início de 1991, como uma continuação e ajuste do Plano Collor, com ajuste fiscal via redução de subsídios e aumento de impostos e novos controles de preços, mas só para as pessoas físicas e não para as indústrias.
Apesar das medidas, mais um plano havia falhado na luta contra a inflação.
CRUZEIRO REAL (1993 A 1994)
Em julho de 1993, após a saída de Collor do governo, seu vice Itamar Franco contava com a inflação em 15% ao mês. Assim, uma nova reforma monetária foi promovida no país, instituindo-se o Cruzeiro Real. A unidade equivalia a mil cruzeiros. Foram aproveitadas cédulas do padrão anterior e emitidas cédulas novas.
Uma curiosidade da época é a cédula de 50 mil cruzeiros reais, mais conhecida como “Baiana”, a última a ser lançada antes do real. Sua circulação foi por pouco tempo, segundo Bruno Henrique Pellizari, três meses somente.
“Essa era uma cédula com alto valor facial. Na época, ela correspondia a metade ou um terço de um salário mínimo. Foi uma peça que as pessoas não guardaram muito porque elas precisavam daquele dinheiro. As poucas que restaram foram trocadas nos bancos pelo real. Na conversão para o real daquela época ela valia R$ 13,13”, explicou.
REAL (DESDE 1994)
O Real, como conhecemos hoje, foi instituído em 1º de julho de 1994, implantado pelo governo de Itamar Franco.
Buscando um substituto para Eliseu Resende, que se demitiu do cargo de ministro da Fazenda, Itamar Franco convidou o então ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), para comandar a pasta. Como não é economista, FHC convocou um time de especialistas para trabalharem em sua equipe, como Persio Arida, Pedro Malan e Gustavo Franco. Foi assim que surgiu o Plano Real.
Antes do real valer como nova moeda, os brasileiros conviveram com a URV (Unidade Real de Valor), um indexador que foi usado como transição. Ele entrou em vigor no dia 1º de março de 1994 valendo CR$ 647,50 e US$ 1.
O Banco Central divulgava diariamente a variação do dia seguinte a partir de um a média de três índices, em uma tabela. O intuito era refletir a variação de preços até que o real se tornasse a moeda oficial.
Em 30 de junho, seu último dia de existência, a URV já estava em CR$ 2.750, mas continuava a valer US$ 1.
Assim, quando o real entrou de fato na economia brasileira, uma unidade de real equivalia a CR$ 2.750,00 (cruzeiro real).
A moeda finalmente teve sucesso em acabar com a alta inflação por ser acompanhada de reformas econômicas que aumentavam a arrecadação, reduziam o gasto público e mantinham o câmbio fixo.
LARYSSA TORATTI / Folhapress