RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A advogada Alice Tamborindeguy, irmã e vizinha de Narcisa, ama a luz do sol que entra pela janela de seu apartamento no edifício Chopin, em Copacabana, no Rio de Janeiro. A iluminação natural invade a sala, repleta de esculturas e móveis de madeira, ainda pelas 7h.
“Esta é a praia mais bonita do planeta”, diz Alice, enquanto contempla a vista: a piscina do Copacabana Palace embaixo, a praia à direita.”Copacabana tem pretos, brancos, héteros, gays, é um bairro pulsante que está 24 horas por dia no ar. É como Nova York.”
Desde a inauguração, em 1956, o Chopin abriga os velhos e novos ricos da sociedade carioca. São artistas, empresários, embaixadores, políticos e socialites que fazem do prédio um resumo da própria Copacabana, com glamour, barulho e pequenas picuinhas causadas pela rivalidade histórica entre ricos de berço e recém-chegados.
O ex-presidente da República João Goulart morou com a família no Chopin na década de 1960. O apartamento recebeu festas e encontros com aliados. Nos raros tempos de folga, Jango calçava chinelos e ia à garagem bater papo.
Já moravam ali desde a fundação a família Tamborindeguy o pai de Narcisa e Alice, Mário Tamborindeguy, era deputado federal, o empresário Alfredo Saad, que recebia visitas frequentes de seu amigo Pelé. Ali estava também gente desconhecida, mas desembaraçada, como Rui, inquilino que se tornou lenda no prédio porque nunca pagava o aluguel e sempre bancava festas inesquecíveis.
A lista de ex-moradores célebres passeia por sobrenomes duplos, moda da sociedade carioca, como Marcondes Ferraz e Regina Lemos Gonçalves.
Hoje moram no Chopin o compositor Gilberto Gil e a socialite Micheline Thomé.
Boa parte deles poderia viver no Leblon e Barra da Tijuca, mas não deixam Copa. Alegam amar a farra do bairro que recebe de shows internacionais, como o de Madonna, a atos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além do Réveillon, cujos fogos de artifício são vistos pelas janelas dos apartamentos.
Moradores dizem também que morar no Chopin sai mais barato, em geral, do que outras áreas da alta zona sul.
O edifício é conhecido pelas festas. Uma das celebrações mais famosas do Réveillon tem como anfitriã Regina Glaura Lemos Gonçalves, viúva de Nestor Gonçalves, fundador do grupo Copag, fabricante de baralhos. Regina é a socialite cuja família acusa o antigo motorista de tê-la dopado e mantido em cárcere privado por mais de um ano. O ex-motorista afirma ter mantido união estável com Regina nos últimos anos.
No show da Madonna na praia de Copacabana, em maio, moradores abriram as portas para convidados em jantares para mais de cem pessoas. Os convites para festas de Réveillon são disputados. Só entra com nome na portaria.
As reuniões de condomínio são episódios à parte. Brigas entre moradores e síndicos já terminaram em troca de socos. A atual síndica Marina Felfeli, 67, que vive no Chopin desde que nasceu e tem a mesma idade do edifício, afirma ter encerrado a era de “agressividades” e iniciado uma gestão de paz no prédio.
“Todo mundo que gritava e brigava não grita, nem briga mais. Quem maltratava porteiros e não falava com eles, agora fala.”
Em 1935, parte da pedra do Inhangá, de frente para a praia de Copacabana, foi retirada para a construção do Copacabana Palace. Octávio Guinle, fundador do hotel, não confiava que a outra parte da pedreira poderia sair dali para dar lugar a uma construção e não quis adquirir o terreno.
Mas a pedra saiu e no lugar foi erguido o Chopin, projeto de Franz Heep e Jacques Pilon, dois dos responsáveis por consolidar a arquitetura moderna no Rio e em São Paulo.
Heep, alemão, trabalhava no escritório de Pilon e foi o responsável, segundo historiadores, pela maior parte do projeto do Chopin. Heep marcou a paisagem arquitetônica também de São Paulo, ao projetar, em 1953, o edifício Itália. O prédio Arlinda, o mais alto do largo do Arouche, também é criação do alemão.
Pilon, francês, projetou em São Paulo a biblioteca Mario de Andrade e o viaduto sobre a avenida Pacaembu.
O polonês Henryk Spitzman foi o magnata que bancou a construção. A família Spitzman permaneceu nas décadas seguintes na cobertura de 2.000 m² do edifício Chopin, uma das mais cobiçadas da cidade.
Em 1952, classificados nos jornais já tratavam o vizinho do Copacabana Palace como “magnífico edifício em construção”.
O conhecido Chopin é, na verdade, um condomínio com três prédios. Além do próprio Chopin, há o Ballada e o Preludio homenagens às obras do pianista. O condomínio possui seis portarias, 12 blocos e 60 apartamentos, todos repletos de luz solar. No térreo há uma joalheria e uma agência do banco Safra.
Internamente, o prédio tem cheiro e cor de madeira. A quantidade de adornos de porcelana dão aos corredores dos andares um tom de antiquário chique.
O prédio tem 26 funcionários, que fazem aulas de etiqueta e são orientados a barrar quaisquer visitantes, dos curiosos aos familiares de moradores. Para entrar, a portaria precisa ser avisada com antecedência.
Quem vive no Chopin desde a inauguração já viu de tudo. Já houve confusões por conta de barulho, suspeita de roubos de joias entre moradores e ao menos dois crimes marcantes: na década de 1980, um grupo entrou no prédio e invadiu o apartamento de Alice Saldanha Tamborindeguy, mãe de Alice e Narcisa. Amordaçaram-a e lhe roubaram pertences. Uma guarita da Polícia Militar foi instalada na calçada logo depois.
Em 1995, o contrabandista de armas libanês Nasser Mustafá Beydoun, foi assassinado no apartamento. O imóvel era alugado.
As janelas principais do Chopin têm vista para o mar, e as laterais dão para a piscina do Copacabana Palace. O hotel já teve planos de erguer um muro para impedir a visão dos moradores do prédio, mas a ideia não vingou.
Um imóvel de 300 m² com quatro quartos e seis banheiros é vendido no Chopin por R$ 6 milhões, com condomínio a R$ 3.200 mensais. Há apartamentos vagos que custam mais R$ 8 milhões. A atriz Maitê Proença pôs, há um mês, o seu à venda por R$ 4,9 milhões, mas abaixou o valor para R$ 4,3 milhões.
“É uma imensa honra poder vender um apartamento no Chopin. É uma das maiores grifes do Rio de Janeiro e um dos prédios de maior liquidez [facilidade de venda] da avenida Atlântica”, afirma Paulo Cezar Ximenes, diretor da Sérgio Castro Ouro, divisão de imóveis de luxo da maior e mais antiga imobiliária do Rio de Janeiro.
“Os imóveis ficam entre 300 m² e 400 m². Se passar de 400 m², famílias menores, como as de hoje em dia, acham grande demais. Menos de 300 m² chamam de ‘apertamento’.”
Marina Felfeli já planeja a decoração de Natal, “uma coisa estrondosamente top, bacanérrima”, mas antes uma reunião de condomínio marcada para junho promete gerar debates. A síndica entende que o prédio precisa de obras na escada, corredor, garagem, jardim e ar-condicionado na portaria para os porteiros. “Muita coisa estava destruída. Às vezes, pessoas sem educação colocavam os pés na parede”, diz.
Marina rejeita a visão de que o Chopin é um edifício de moradores excêntricos. “Cada um tem uma personalidade e todo mundo é completamente normal.”
YURI EIRAS / Folhapress