BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um debate online promovido por professores da UnB (Universidade de Brasília) sobre cinema e gênero teve de ser encerrado após ser invadido por um grupo que passou a fazer ofensas machistas e publicar imagens de sexo explícito. O ataque ocorreu na última sexta-feira (28), data em que se celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+.
O evento foi promovido pelo grupo de pesquisa Gecoms (Gênero, Comunicação e Sociabilidade), ligado à FAC (Faculdade de Comunicação) da Unb. A conversa pública sobre as relações entre cinema e gênero nem sequer chegou a ter início por conta dos ataques.
O caso foi levado à Polícia Civil do Distrito Federal pela professora da FAC Rose May, que registrou um boletim ocorrência na noite de terça-feira (2). Ela ainda pretende levar a denúncia à Polícia Federal.
Rose May faria a palestra com o tema “Road Movies em uma perspectiva de gênero”, para falar da presença de mulheres nos chamados filmes de estrada. O link para o evento havia sido disponibilizado em publicações nas redes sociais do Gecoms.
Enquanto ainda esperava a entrada de mais participantes, cerca de 30 perfis ingressaram na sala e começaram a proferir falas machistas, comentários sobre a sexualidade da professora e a transmitir áudios e vídeos pornográficos. Eles também lotaram o chat com mensagens e links.
“Por uma ingenuidade, colocamos o link para a palestra nas redes. Assim, poderíamos ter tempo livre para a conversa, a possibilidade de gravação. E, por incrível que pareça, eu fui pega de surpresa por esse ataque”, conta Rose May.
“Nós pensamos em fazer o mais aberto o possível, pela difusão do conhecimento, que fosse reverberado de uma forma democrática”, disse.
Os invasores não deixavam as pesquisadoras falarem e seguiam gritando. As professoras não estavam acompanhadas de um servidor, que poderia ajudar na mediação os funcionários técnicos-administrativos estavam em greve.
A UnB foi procurada, mas não respondeu até a publicação deste texto.
“Foi tão brutal, nefasto e violento. A gente não tem mesmo segurança nas redes”, diz a professora. “Meu objeto de pesquisa fala sobre mobilidade e liberdade. E eu fui impedida de falar, fui calada”, afirma.
As pesquisadoras cogitaram abrir outro link para reiniciar o evento, mas consideraram que o ataque persistiria e que não havia mais condições, mesmo emocionais, de prosseguirem.
O encontro será remarcado, mas agora com uma série de medidas de segurança. As organizadoras estudam se o evento será presencial, no auditório da faculdade, e com a exigência de inscrição prévia para participação, com a inclusão de dados pessoais de identificação em um formulário.
O grupo de pesquisa divulgou uma nota de repúdio depois do ataque, no qual afirma que o episódio reforça o valor do trabalho desempenhado por elas.
“Este lamentável episódio reflete uma preocupante realidade de nosso país, onde eventos acadêmicos e iniciativas de promoção da igualdade de gênero são sistematicamente atacados por grupos que utilizam as redes sociais para calar vozes dissidentes, desestruturar debates construtivos e boicotar avanços em prol da justiça social e igualdade de gênero”, disse o texto.
As pesquisadoras também afirmam que a violência de gênero nas redes sociais é uma barreira significativa para a participação plena e segura das mulheres no espaço digital.
“Não nos calaremos. Continuaremos a lutar por um mundo onde todas as vozes possam ser ouvidas, respeitadas e valorizadas, independentemente de gênero, orientação sexual, cor ou corpo”, disseram.
May pesquisa os road movies desde o doutorado. “Só vemos os homens como protagonistas e as mulheres são sempre as passageiras, as que acompanham. Elas estão ao lado, mas nunca lideram essa viagem”, conta. Ela construiu, também, um projeto de extensão chamado Cine Pipoca no Rolê, de cinema itinerante que aborda temas de cinema e direitos humanos.
Depois do ataque ao evento remoto, ela se preocupa também com a segurança dos encontros do projeto. “Quando falamos na palavra gênero ou em direitos humanos, isso já chama a atenção atualmente.”
Elas já receberam relatos de outros episódios do mesmo tipo, na própria UnB e em outras áreas. Assim, entendem que o registro em uma delegacia de crimes cibernéticos é importante tanto para a solução do caso específico quanto para a documentação dos casos.
ANA POMPEU / Folhapress