BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma ala da equipe econômica quer desconectar benefícios temporários hoje vinculados ao salário mínimo, que é corrigido acima da inflação. Uma das possibilidades é reajustá-los somente pela inflação, garantindo o chamado mínimo constitucional.
A proposta é vista como uma forma de vencer as resistências do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já avisou que não aceitará desvincular os benefícios da Previdência Social, como aposentadorias e pensões, do salário mínimo.
O chefe do Executivo também já descartou alterar a política de valorização do mínimo proposta por ele no ano passado e que, segundo economistas, é um dos fatores de maior pressão sobre as despesas obrigatórias do governo.
A avaliação dos defensores desta estratégia é que focar na discussão dos benefícios temporários permite aproveitar o problema gerado pelas barreiras impostas por Lula para remover o elo entre a valorização do salário mínimo e as outras políticas.
Técnicos de outra ala do governo, no entanto, são mais céticos quanto à possibilidade de o presidente dar sinal verde a qualquer tipo de desvinculação, dadas as declarações recentes do petista.
Entre os benefícios temporários estão o auxílio-doença, o seguro-desemprego, o seguro-defeso (pago a pescadores artesanais), o auxílio por acidente de trabalho e o abono salarial (espécie de 14º salário concedido ao trabalhador com carteira assinada que ganha até dois salários mínimos).
A Constituição brasileira determina que o salário mínimo é um direito do trabalhador e deve ser reajustado periodicamente para garantir seu poder aquisitivo. Já a lei de valorização do salário mínimo em vigor prevê o reajuste pela inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) em 12 meses até novembro do ano anterior, mais a taxa de crescimento real do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.
A proposta em discussão é tratá-los como dois mínimos diferentes, um constitucional (corrigido apenas pela inflação) e outro vinculado à política de valorização. Eles teriam o mesmo ponto de partida, mas se distanciaram ao longo do tempo.
A mudança não alteraria a vinculação entre o salário mínimo com ganhos reais e os benefícios permanentes, como aposentadorias, pensões e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), concedido para idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda. São políticas que garantem os repasses até o falecimento do beneficiário, a não ser que sejam detectadas fraudes.
Uma ala do governo afirma ser possível modular as medidas e transformar as restrições do presidente numa saída para outras medidas estruturais que possam também gerar bilhões em economia. Seria uma forma de fazer do limão uma limonada, resumiu à reportagem um integrante da equipe econômica.
Como Lula já avisou que não adotará medidas mais duras, o entendimento de integrantes da equipe econômica é que não vale bater na tecla da desvinculação mais ampla com o presidente, pois isso aumentaria o desgaste político em torno das propostas.
A desvinculação dos benefícios temporários seria uma alternativa de medida estrutural para garantir uma trajetória fiscal saudável nos próximos anos. Mas as propostas de reformas estruturais em estudo só devem sair depois das eleições municipais, admitem pessoas a par das discussões no governo.
Até agora, Lula deu sinal verde apenas a ações mais imediatas. Após dias de incerteza, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) anunciou, após reunião com o presidente, um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias para 2025 a partir do pente-fino de benefícios sociais.
Juntos, os ministérios da Fazenda e do Planejamento têm uma cesta de mais de cem iniciativas para conter despesas.
As equipes dos dois ministérios estão focadas em buscar medidas de ajuste com impacto mínimo para a população de baixa renda, uma exigência de Lula.
Entre os técnicos defensores da mudança nos benefícios temporários, há a percepção de que o presidente criou um problema ao fechar portas para mudanças mais duras, mas ao mesmo tempo isso abre caminho para a discussão de propostas que há muito tempo estão sobre as mesas dos gabinetes da equipe econômica.
O diagnóstico é que, metaforicamente, há uma piscina difusa de outros benefícios que não são permanentes e que podem acompanhar o salário mínimo constitucional, com manutenção apenas do poder aquisitivo.
É o caso do seguro-desemprego, pago em até cinco parcelas para quem é demitido sem justa causa. Pela proposta em debate, o valor do benefício ficaria atrelado ao mínimo constitucional.
Essa diferença ao longo dos anos levará à abertura do que os economistas chamam de “boca de jacaré” na trajetória de crescimento dos dois valores. A diferença vai amplificando o impacto da medida. Em dois anos, calcula-se que a medida já produza os primeiros resultados na economia de despesas. Em dez anos, o ganho total poderia se aproximar de R$ 1 trilhão, segundo estimativas preliminares.
Um dos argumentos usados pelos defensores dessa proposta é o de que o salário mínimo brasileiro, em termos reais (acima da inflação), já está próximo do pico histórico.
Os técnicos apontam que a medida, além de reduzir as despesas obrigatórias, pode criar um efeito positivo no mercado de trabalho e na produtividade do país.
A lógica é que o trabalhador receberá no seguro-desemprego um valor menor que o salário mínimo pago no mercado, e isso pode desencorajá-lo a aguardar o término das parcelas do benefício para voltar a buscar emprego. Nesse cenário, a rotatividade no mercado tenderia a diminuir.
A equipe econômica tem o diagnóstico de que há regiões onde a oferta de mão de obra é cíclica. Em cidades turísticas, trabalhadores pressionam para serem demitidos na baixa temporada para receberem o seguro-desemprego, já na expectativa de serem contratados novamente na alta temporada.
As medidas estruturais estão na terceira etapa do roteiro de ação para a revisão de gastos. No curto prazo, o governo considera que a revisão cadastral e de algumas normas dos benefícios sociais, como o BPC, podem gerar economia importante, que serão reconhecidas pelos economistas. Há, porém, ceticismo dos especialistas em contas públicas em relação à potência dessas medidas diante da escalada das despesas da Previdência o ponto apontado como o de maior incerteza.
Na área econômica, há uma leitura de que não há saída fácil e que o Congresso também terá que dar a sua contribuição na agenda de revisão de gastos para garantir a sobrevivência do arcabouço fiscal, aprovado pelos parlamentares há menos de um ano.
A equipe econômica também quer reforçar medidas para diminuir subsídios com custos previstos no Orçamento. Entre eles está o Proagro, seguro rural voltado a pequenos e médios produtores. O aperto recente feito nas regras é considerado insuficiente.
ADRIANA FERNANDES, IDIANA TOMAZELLI E FÁBIO PUPO / Folhapress