MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão do governo do estado, aprovou uma compensação ambiental subestimada para o projeto de exploração de potássio na amazônia.
A validação de um valor que não condiz com o porte do empreendimento foi feita apesar de o órgão ter apontado escala máxima no grau de impacto ambiental do projeto.
Documentos do processo de licenciamento, obtidos pela reportagem, mostram que o instituto do governo do Amazonas aprovou o valor de referência apresentado pela empresa, a Potássio do Brasil, afirmando que os investimentos seriam de R$ 7 bilhões.
É partir desse montante que compensação ambiental é calculada: ela é o resultado da multiplicação entre o valor dos investimentos e o grau de impacto ambiental, que pode variar de 0 a 0,5%.
A escala definida para a exploração de potássio foi a máxima, de 0,5%. Assim, a compensação definida foi de R$ 35 milhões.
Porém, o valor dos investimentos usado para o cálculo está subestimado. A própria empresa diz em divulgações que os investimentos previstos são de R$ 13 bilhões. O mesmo número é divulgado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil).
“É importante essa atividade porque estamos tratando do potássio, que é uma outra matriz econômica do estado do Amazonas, um investimento inicial de aproximadamente R$ 13 bilhões”, disse o governador em 29 de abril, em evento que anunciou um conjunto de licenças de instalação do empreendimento na região de Autazes (AM), entre os rios Madeira e Amazonas.
Assim, a compensação ambiental a ser paga deveria ser de R$ 65 milhões, R$ 30 milhões a mais do que o valor aprovado em pareceres do Ipaam.
Em nota, o governo do Amazonas afirmou que o Ipaam ainda não calculou a compensação ambiental e que o custo do empreendimento, de R$ 7 bilhões, “deverá ser atualizado”. O grau de impacto ambiental -o máximo de 0,5%, usado no cálculo da compensação- já está definido, conforme a nota.
“Como a licença de instalação foi expedida em abril deste ano, o empreendedor ainda está dentro do prazo de 180 dias para apresentar os documentos do valor de referência do empreendimento”, disse o governo do Amazonas. “O recurso deve ser destinado à manutenção e gestão das unidades de conservação estaduais, podendo ser incluídas unidades de conservação federais e municipais.”
A Potássio do Brasil disse, em nota, que não recebeu nenhuma informação do Ipaam sobre o assunto e que cumprirá o previsto em lei.
Compensações ambientais são obrigações previstas na legislação, no caso de empreendimentos com grande impacto. Os recursos costumam ser definidos como condições para a emissão das licenças. O dinheiro deve ser destinado a unidades de conservação.
Os documentos que tratam da aprovação do valor da compensação devida pela Potássio do Brasil estão no processo de uma das principais licenças concedidas, a de implantação da mina para extração do minério.
O plano básico ambiental, formulado e apresentado pela empresa ao Ipaam, cita o montante de R$ 7 bilhões como o valor de referência para o cálculo da compensação. O plano foi elaborado em junho de 2018. Três anos antes, a licença prévia já estabelecia a escala de 0,5% como o grau de impacto ambiental do empreendimento.
Documentos posteriores do Ipaam, de 2019 e 2021, tratam como aprovados os valores definidos, estabelecendo em R$ 35 milhões o valor da compensação ambiental, dinheiro que deve ser pago durante a validade da licença de instalação.
A empresa sugeriu que o dinheiro seja destinado à reserva de desenvolvimento sustentável Canumã, a 33 km do projeto, e à criação de reservas na região de Autazes. Na região são frequentes a exploração de madeira e caça ilegais, além de desmatamento, segundo o diagnóstico feito.
Em dezembro de 2021, um parecer técnico do Ipaam afirmou que a Potássio do Brasil deve pagar a “compensação aprovada em R$ 35 milhões” e que metade do dinheiro deveria ficar com o Ipaam, com a seguinte finalidade: R$ 8,75 milhões para operações de fiscalização ambiental e R$ 8,75 milhões para ações de monitoramento em unidades de conservação.
5,5 VEZES MAIS REJEITOS QUE BRUMADINHO
O Ipaam concedeu a licença de instalação, para implantação de mina e lavra, em 5 de abril deste ano. O governador do Amazonas fez um evento para anunciar a concessão da licença. Outras autorizações foram dadas, como para a construção de um porto e para captação de água. Obras estão em curso na região.
No último dia 13, o MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas pediu que a Justiça Federal suspenda as licenças, em caráter urgente, e encaminhe os processos de licenciamento ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Há risco de salinização de nascentes, lagos, igapós, igarapés e rios da bacia do Amazonas, segundo o MPF.
A Folha de S.Paulo mostrou, em reportagem publicada em 29 de maio, que o empreendimento prevê a geração de 78 milhões de metros cúbicos de rejeitos e a formação de duas pilhas desses resíduos com altura de 25 metros cada uma.
A quantidade de rejeitos é 5,5 vezes maior do que a despejada no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) em 2019, por exemplo. As pilhas têm um tamanho projetado equivalente a um prédio de oito andares.
A área a ser explorada é a mesma de um povoado indígena do povo mura, existente há 150 anos, e de uma vila onde também há famílias muras. A Funai (Fundação Nacional de Povos Indígenas) deu início, em agosto de 2023, a procedimentos para identificação e delimitação do território. A mina projetada está a menos de 10 km de outras duas terras indígenas.
O órgão federal pediu por reiteradas vezes a suspensão do processo de licenciamento, enquanto analisa o processo de demarcação, mas foi ignorado pelo órgão do governo do Amazonas.
Já o Ibama se negou, também em diversas ocasiões, ter responsabilidade pela condução do licenciamento.
No segundo semestre de 2023, em documento enviado a processo em curso na Justiça Federal, o órgão ambiental do governo federal disse que poderia assumir o licenciamento do empreendimento de potássio, a partir da conclusão, pela Funai, de relatório de identificação da terra indígena dos muras
O governo Lula (PT) apoia o projeto. O discurso de apoio é o mesmo do governo de Jair Bolsonaro (PL): o potássio é base para fertilizantes utilizados na agricultura em larga escala, e o empreendimento é necessário para diminuir a dependência do país de importação destes insumos. O principal defensor no governo é o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB).
Segundo o governo, o Brasil importa 95% do cloreto de potássio usado em fertilizantes. O projeto em Autazes pode atender 25% do consumo nacional, conforme dado da empresa citado em manifestações da União à Justiça Federal. A Potássio do Brasil pertence a CD Capital, Sentient e Forbes & Manhattan (do empresário canadense Stan Bharti), entre outros acionistas.
VINICIUS SASSINE / Folhapress