SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A revolta de 1924 sempre esteve presente na história da família de Dácio Nitrini. O jornalista teve dois tios que participaram ativamente do levante. Um deles morreu no exílio em Montevidéu, aos 27 anos; o outro seguiu carreira e viveu até os anos 1960.
O autor do novo “Tenentes Rebeldes” conta na apresentação do livro sobre uma carcaça de granada que ocupa uma prateleira de seu escritório, relíquia de família, encontrada ainda ativa no quintal de seu tio em 8 de julho de 1924. Depois de anos ouvindo histórias dentro de casa, ele resolveu fazer um relato mais completo em comemoração ao centenário do levante, que acontece neste dia 5.
O escritor se refere aos eventos que tomaram São Paulo em julho de 1924 como um levante porque os conspiradores buscavam a manutenção do sistema, e não sua derrubada como aconteceu com a Proclamação da República, por exemplo.
“Embora eles se declarassem revolucionários, eu considero que revolução é algo que subverte o sistema. Portanto não era uma revolução, era um movimento, um motim.”
Foi uma guerra cruenta, que perdurou por 23 dias na cidade de São Paulo, especificamente nos bairros do Brás, Pari, Mooca e Belém. Oficiais do Exército atuantes na capital paulista e foragidos da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, de 1922, juntaram-se para derrubar o governo de Arthur Bernardes.
Oficiais importantes como os tenentes Joaquim Távora, Juarez Távora e o major Miguel Costa participaram do motim sob comando de Isidoro Dias Lopes, general do Exército.
A retaliação foi forte por parte das tropas que apoiavam o governo. Elas adotaram uma estratégia usada na Primeira Guerra chamada de bombardeio alemão, na qual atiravam propositadamente em alvos civis a fim de pressionar a população a expelir os rebeldes que se concentravam no centro da cidade. “A população civil não participou, mas foi vítima desse confronto, com mais de mil mortos”, conta Nitrini.
O registro oficial da prefeitura é de 500 mortes, mas, como explicado no livro, 750 cadáveres foram exumados na Mooca e no Bom Retiro, vítimas do confronto que não entraram nas estimativas do governo.
Os rebeldes não atacaram civis e, por isso, foram vistos por eles com simpatia. “No pós-revolução em São Paulo houve uma enxurrada de bebês batizados de Isidoro em homenagem ao comandante”, aponta o autor.
A infraestrutura da cidade também foi alvo de bombardeios, e suas marcas podem ser vistas até hoje. Dentre os muitos resquícios dos ataques, Nitrini lista marcas de bala e buracos de bomba no Liceu Coração de Jesus, nos Campos Elíseos, na Igreja de Santa Ifigênia, no centro, e na Chaminé da Luz na rua João Teodoro.
“É impossível passar pela avenida Tiradentes e não lembrar que ali existiu o presídio onde meus tios ficaram presos e foram torturados após o levante”, afirma Nitrini.
Apesar de a história estar marcada na cidade, o movimento é apelidado de “revolução esquecida”, o que o jornalista atribui a uma “questão publicitária”. “Dos anos 1930 até os anos 1950, o sistema de comunicação de jornais e rádios ainda estavam muito contaminados pela Revolução de 1932, então foi isso que permaneceu na memória popular. Mas, do ponto de vista objetivo de importância política, 1924 é um marco”.
Nitrini superou a falta de informações usando como fontes livros escritos por personagens da época e documentos oficiais dos processos dos presos após o levante. “Eu escrevi também as poucas histórias que rolaram na minha família ao longo dos anos”, diz, acrescentando ter incluído no livro apenas o que pôde confirmar em pesquisas bibliográficas.
Em “Tenentes Rebeldes” Nitrini trabalha o perfil humano de cada um dos envolvidos no levante, “personagens que a história deixou submersos”, enquanto desenvolve a política no pano de fundo.
A Constituição pensada pelos rebeldes propunha uma “ditadura provisória”, um período de autoritarismo para que reformas governamentais fossem feitas. Alguns tenentes que defenderam essa Constituição lá em 1924 estavam presentes no golpe militar de 1964, como Juarez Távora, Filinto Müller e o brigadeiro Eduardo Gomes.
“O que a gente vê é que qualquer participação de militar na política gera carnificina e ditadura”, aponta Nitrini. “No caso de 1924, era explícita essa disposição de instalar um regime autoritário no Brasil. E isso vem se alastrando, porque a gente tem períodos democráticos até que aparece um grupo, quase sempre apoiado por militares, propondo regime totalitário para resolver os problemas do país.”
TENENTES REBELDES
– Quando Neste sábado (6), a partir das 15h
– Onde Tablado Literário 1, Feira do Livro – praça Charles Miller, Pacaembu, São Paulo
– Preço R$ 60 (184 págs.)
– Autoria Dácio Nitrini
– Editora Terceiro Nome
ISADORA LAVIOLA / Folhapress